Descrição de chapéu Barbie

Exagero faz marketing rosa da Barbie começar a desbotar

De autarquias a fábrica de sacos de lixo, todos pegaram carona na onda, que pode ter efeito rebote

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São Paulo

A expressão "patriarcado" aparece diversas vezes no filme "Barbie", da Warner, a terceira maior estreia da história do cinema brasileiro, que atraiu 7 milhões de espectadores entre 20 e 28 de julho.

No longa, dirigido por Greta Gerwig, a boneca Barbie (Margot Robbie) se ressente de encontrar no mundo real um contexto completamente diferente do vivido na Barbielândia, onde as mulheres estão no comando e os bonecos Ken são meros coadjuvantes, sem brilho. Mas um dos Ken (Ryan Gosling) resolve introduzir na Barbielândia as ideias de poder e domínio dos homens sobre as mulheres, para desespero da Barbie, que questiona a própria existência como uma boneca "estereotipada".

A crítica social ganhou toques de humor e ironia no filme, dando origem a um "feminismo rosa", abraçado por diversos anunciantes que fecharam contratos de licenciamento com a Mattel, dona da Barbie.

No Brasil, a marca estampou tamancos Melissa, chinelos Ipanema, roupas e acessórios das varejistas C&A, Renner e Riachuelo, esmaltes O.P.I (Wella), escova dental Condor, malas Luxcel, biscoitos artesanais da Biscoitê e até um combo de sanduíche e milk shake do Burger King, com direito a molho rosa no hambúrguer e a uma loja temática em São Paulo.

loja de fachada rosa em que se lê Burger King
Loja temática Barbie do Burger King, no Itaim Bibi, em São Paulo - Divulgação

Mas mesmo quem não tinha absolutamente nada a ver com o universo da Barbielândia resolveu aderir à onda rosa. Foi o caso do Detran de São Paulo, que divulgou um comunicado intitulado "Detran SP explica as regras para participar da trend rosa do momento", informando os motoristas sobre o que fazer para mudar a cor do carro.

Também o Poupatempo de São Paulo divulgou um anúncio nas redes sociais sobre um mutirão para renovação da CNH com a personagem Bárbara, "que veio diretamente da Barbielândia para regularizar o documento em São Paulo."

Já a fabricante Embalixo promoveu uma ação nos cinemas de Campinas (SP) e São Paulo, distribuindo sacos de lixo rosa para o público antes das sessões do filme. O item vai entrar definitivamente no portfólio da empresa, sediada em Hortolândia (SP), e deve estar disponível nas prateleiras dos supermercados em 60 dias. O produto terá neutralizador de odores, ação antibacteriana e fragrância.

Na opinião de especialistas em marketing ouvidos pela Folha, a associação indiscriminada com a Barbie pode surtir efeitos adversos. "O código para pegar carona no ‘Barbiecore’ é simples, basta usar rosa", diz Maurício Felício, professor de comunicação e publicidade da ESPM e head de mídia da Energy BBDO. "Mas se o anunciante não tem propriedade para usar a cor, vai ser criticado ou ignorado pelo público", diz ele.

"Corre o risco de parecer desesperado por atenção ou descompensado, dando uma importância acima do ideal para a marca."

Para a psicóloga com mestrado em gênero Cecília Russo Troiano, diretora geral da Troiano Branding, o fato de o Detran SP se associar ao rosa da Barbie soa um contrassenso. "Do ponto de vista dos arquétipos, uma autarquia governamental representa justamente o patriarcado, com a imposição de regras e limites", diz. "Embarcar só porque é 'hype', está em alta, não é justificativa. A marca se contamina com elementos que não fazem parte da sua identidade."

Cecília lembra que apoiar o rosa da Barbie é completamente diferente do apoio ao "Outubro Rosa", por exemplo, campanha que tem a proposta de compartilhar informações sobre o câncer de mama. "De um lado, é uma iniciativa social, de promoção da saúde, de outro é ajudar a propagar uma iniciativa comercial, que interessa à fabricante da boneca", afirma.

Segundo a especialista, ondas como a da Barbie, em geral, são muito curtas e intensas. "Existem as fases da valorização, da superexposição e da banalização, que parece estar começando agora", afirma.

De acordo com a ferramenta Google Trends, do Google, que mostra o nível de interesse por um assunto no principal buscador mundial da internet, no dia 21, um dia após a estreia do filme em nível global, o assunto atingiu índice 100 em buscas, tanto no Brasil quanto no mundo. Desde então, vem caindo, até atingir índice 43 no mundo e 25 no Brasil. Entre 20 e 27 de julho, o Brasil foi o quinto país onde o assunto mais se destacou, à frente dos Estados Unidos, sede da Mattel, que ficou em 6º lugar. O primeiro foi Porto Rico.

No Google Trends, o volume de busca é apresentado na forma de um índice de interesse, numa escala que vai de 0 a 100, na qual 100 representa o interesse máximo de busca. A plataforma calcula as buscas por assunto e as divide pelo total de consultas realizadas em determinada geografia, em um período específico.

Em uma onda, diz Maurício Felício, é preciso saber quando entrar e quando sair, antes que o tema comece a saturar e a marca apareça como "paisagem". "Se você passa a ser mais um usando rosa, ninguém mais te nota", afirma o professor da ESPM, para quem a "onda Barbie" já deve perder fôlego em agosto.

Para o especialista, porém, o marketing da Mattel foi eficaz, por resgatar a nostalgia em quem brincou com a boneca e embalar o universo do brinquedo em uma nova roupagem, atualizada com os valores que a sociedade busca, como equidade de gênero e diversidade. "A marca Barbie assumiu que precisava mudar e mostrou um feminismo rosa, associando a cor não mais a uma mulher frágil ou superficial, mas empoderada."

Margot Robbie em cena do filme "Barbie", dirigido por Greta Gerwig
Margot Robbie em cena do filme "Barbie", dirigido por Greta Gerwig - Divulgação

Roupas vendem mais do que brinquedos

Há, contudo, quem aposte que a onda rosa será perene. Na C&A, a coleção licenciada da Barbie soma 60 mil peças, de mais de 30 modelos diferentes. Desde o lançamento, em 30 de junho, até agora, a varejista de moda já vendeu 85% do estoque, entre roupas e acessórios. Por conta disso, já preparou reposições para agosto.

"O sucesso da Barbie já é consolidado há décadas e deve seguir, mesmo após o boom do lançamento do filme", diz Mariana Moraes, diretora de marketing da C&A. "Além da reposição programada para agosto, estudamos a entrada de novos produtos para os próximos meses."

De acordo com a plataforma de e-commerce Nuvemshop, que atende 120 mil lojistas virtuais de pequeno e médio porte, a venda de itens classificados como "rosa" cresceu 40% entre 1º e 27 de julho, em comparação ao mesmo período do ano passado, somando 181 mil produtos, entre acessórios e vestuário. Já a venda de produtos classificados como "pink" quase dobrou, com alta de 96%, para mais de 100 mil itens vendidos este mês.

O grupo Ri Happy, o maior do país no varejo de brinquedos, afirma que a marca Barbie apresentou em julho deste ano um crescimento de dois dígitos nas vendas, em comparação ao mesmo período do ano passado. "Pudemos notar um grande interesse pelos produtos da linha Barbie, em geral, com destaque para a Barbie Color Reveal e a Barbie O Filme –Dia Perfeito", diz Elisabete Guimarães, compradora sênior da Ri Happy.

De acordo com analistas ouvidos pela agência Reuters, o filme deve ajudar a Mattel a aumentar seus lucros com royalties no terceiro trimestre, não necessariamente com a venda de brinquedos, já que o longa é voltado para um público mais velho.

Segundo levantamento da Quantum Finance para a Folha, as ações da multinacional americana de brinquedos registraram queda de 17,25% em 2022, mas este ano conseguiram se recuperar, acumulando alta de 19,06% até 27 de julho.

A Barbie foi a principal marca da Mattel de 2019 a 2022, segundo dados da empresa. Mas seu faturamento bruto ficou atrás do Hot Wheels no primeiro semestre de 2023.

A boneca, criada em 1959, já vinha nos últimos anos passando por uma revisão –adotou novas cores e etnias (negra, asiática, latina), novos corpos (gordas, de quadris largos), abraçou as diferenças (há versões da Barbie cega, em cadeira de rodas, vitiligo ou síndrome de Down), além de estar nas mais diferentes profissões, de médica a astronauta, passando por bombeira, jogadora de futebol e empreendedora.

Em entrevista à rede de TV americana CNBC, o CEO da Mattel, Ynon Kreiz, afirmou que, com o filme, a empresa queria fazer algo diferente e único, que se destacasse. "Não se trata de fazer um filme, mas de criar um momento cultural icônico", disse. Resta saber se a nova Barbie, com seu apelo instagramável, vai conquistar a geração Alpha, dos nascidos a partir de 2010.

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