Descrição de chapéu Agrofolha O Poder do Agro

Grãos redesenham economia de Goiás e em 40 anos impulsionam desenvolvimento das cidades

Novo salto de crescimento é esperado com ferrovia Norte-Sul, mas há problemas logísticos, como as más condições da BR-452 entre Rio Verde e Itumbiara

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Rio Verde (GO)

Uma das mais ricas cidades do agronegócio no país, Rio Verde (GO) estava muito longe de ostentar esse título no final dos anos 1970. Então um município com menos de 75 mil habitantes, não conseguia agregar valor com o agronegócio, que nem tinha esse nome, só era praticado em terras boas e, em muitos casos, consistia apenas numa atividade de subsistência.

Até que 50 produtores rurais se juntaram e criaram uma cooperativa, de onde surgiu no início dos anos 80 uma pioneira indústria de óleo de soja, que ajudou a acelerar a riqueza não só de uma cidade, mas de municípios do sudoeste goiano.

Máquina agrícola em lavoura de soja de fazenda em Formosa (GO)
Máquina agrícola em lavoura de soja de fazenda em Formosa (GO) - Lucio Tavora/Xinhua

A Comigo (Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano), dos 50 pioneiros, hoje tem 11 mil cooperados, 3.500 funcionários, unidades em 17 cidades e faturou, em 2022, R$ 15,6 bilhões, numa cidade que já tem 225.696 habitantes. Do total de cooperados, 70% são pequenos, com áreas que não chegam a cinco alqueires (34 campos de futebol).

Desde então, produtores rurais passaram de uma colheita que mal chegava a 30 sacas (60 kg cada) por hectare na época para as atuais 80.

Tendo Rio Verde como epicentro, a região cresce tanto que bancos estão abrindo agências, prefeituras veem o caixa engordar e nem mesmo a chegada da ferrovia Norte-Sul foi suficiente para escoar toda a produção de farelo em maio, conforme a cooperativa.

O Santander, por exemplo, abriu dez agências no estado em 2022 e mapeou outras 15 cidades com potencial, numa estratégia de ampliar o total de assessores para atender clientes com mais de R$ 300 mil investidos.

"Fizemos a proposta de montar uma indústria de óleo de soja em 1980, alguns acharam inviável, mas os estudos mostraram que seria possível. A maior indústria à época poderia receber 600 toneladas por dia, e montamos uma desse tamanho", disse Antonio Chavaglia, presidente da Comigo e produtor rural na região.

Para isso, a cooperativa buscou crédito no extinto BNCC (Banco Nacional de Crédito Cooperativo) e iniciou as operações em 1981. Do arroz e milho cultivados na região, além da criação de gado, rapidamente a soja se espalhou, graças também a pessoas que chegaram do Sul, de Minas Gerais e de São Paulo com mochila nas costas e um trator velho, como relataram à Folha antigos moradores.

"Realmente não havia soja naquela época. No primeiro ano, [a indústria] esmagou soja só por três meses. No segundo, nove meses e, no outro ano, já sobrou soja. Isso deu um impulso na região do cerrado em Goiás, foi o grande pulo do gato", disse.

Não foi só Rio Verde a beneficiada pelo boom. Entre as cem cidades mais ricas do agronegócio no país, dez são goianas. Além de Rio Verde, figuram outras do sudoeste de Goiás, como Jataí, Chapadão do Céu, Mineiros e Montividiu, mas também localidades como Santa Helena de Goiás se beneficiam com armazéns e estrutura logística para o agro. Da indústria de óleo pioneira, hoje elas já ultrapassam uma dezena.

As exportações de Rio Verde passaram de US$ 1,8 bilhão, em 2021, para US$ 4,5 bilhões no ano passado, ou um terço dos embarques de Goiás.

O Orçamento da prefeitura, que em 2017 foi de R$ 700 milhões (R$ 953,9 milhões, atualizado pela inflação), foi projetado para R$ 1,5 bilhão neste ano, mas deve fechar em R$ 1,7 bilhão e, nos últimos três anos, foram gerados cerca de 10 mil empregos formais, sobretudo graças às obras ligadas à ferrovia Norte-Sul, concluídas em 2023.

"Os números são bem robustos, mostram a presença do agro e da logística na economia local", disse o prefeito de Rio Verde, Paulo do Vale (União Brasil).

Outdoors espalhados na cidade informam que a prefeitura está construindo com recursos próprios uma nova sede para a administração que vai gerar mais de R$ 600 mil mensais de economia.

NOVO CICLO

A ferrovia dará condições de a região e o estado serem competitivos não só no que produzem, mas também no que consomem, segundo o governador Ronaldo Caiado (União Brasil) disse em evento após a conclusão das obras da Norte-Sul.

"Rio Verde já hoje não sabe mais como segurar o crescimento que tem. Isso tudo vai ser no estado. Vai transformar Goiás num centro de encontro das duas maiores ferrovias do país."

O PIB (Produto Interno Bruto) de Goiás cresceu 188% entre 1986 e 2023, de acordo com cálculos da MB Associados, acima dos 108,7% de crescimento da média brasileira.

Presidente da operadora logística Rumo, João Alberto Abreu projeta a ampliação dos negócios nos próximos anos, não concentrados somente em grãos, mas em outras cadeias da economia, como os combustíveis.

"O potencial na região existe. Goiás e Tocantins também, onde estamos conectados agora, têm uma previsão de crescimento muito relevante até 2030 do ponto de vista do agronegócio em todas as áreas que o agronegócio atinge. Então os investimentos com certeza vão continuar acontecendo", disse.

A Norte-Sul é o mais emblemático projeto ferroviário do país nas últimas décadas e, agora concluído, colocou em funcionamento uma rota operada pela Rumo de 1.537 quilômetros de trilhos entre Estrela D’Oeste (SP) e Porto Nacional (TO), que passa por quatro das cinco regiões do país.

Um outro trecho, entre Porto Nacional e Açailândia (MA), é administrado pela VLI, e, de Açailândia ao porto de Itaqui, pela Vale, por meio da Estrada de Ferro Carajás. Com o trecho sob gestão da VLI, a Norte-Sul tem, ao todo, 2.257 quilômetros de extensão.

Para o novo ciclo, porém, é preciso contar também com o modal rodoviário e superar gargalos, como as más condições da BR-452, que liga a região a Itumbiara num percurso de quase 200 quilômetros marcado por pista simples e por pontos em que os caminhões preferem utilizar o acostamento a trafegar pela via esburacada.

"Até Rio Verde, é uma rodovia duplicada, ótima, mas depois [sentido Itumbiara] é só sofrimento", disse o motorista Claudionor Reis, de Jataí, que trafega semanalmente pela rodovia.

Discussões sobre a duplicação da rodovia se acentuaram nos últimos anos. No mês passado, por exemplo, foi tema de uma reunião no Ministério dos Transportes. Melhorar a logística é a expectativa de Chavaglia para manter o ritmo de desenvolvimento dos municípios da região.

"[Nos anos 80] Rio Verde quase não tinha asfalto, era um poeirão danado. Começou a evoluir, atrair prestadores de serviço e cresceu [...] Hoje temos ferrovia, que leva 55 mil toneladas de farelo da Comigo. Mas mesmo a ferrovia não atendeu nossa demanda em maio. Tivemos de levar 11 mil toneladas para Paranaguá [por rodovia]. Agora parece ter sinalização de alguma melhoria."

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