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Café ultrapassa gerações e gera distribuição de renda a pequenos produtores em MG

Maior produtor mundial, país tem problemas com tributação, comercialização e questões trabalhistas

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Monte Santo de Minas (MG) e Guaxupé (MG)

Impulsionado por um presente, e seguindo passos familiares, ele começou a plantar café numa área de apenas um hectare (10 mil metros quadrados), nos anos 90. Hoje, a lavoura do produtor rural Amarildo José de Araújo é 23 vezes maior em Monte Santo de Minas (MG), cidade que integra uma das principais regiões cafeicultoras do país.

Assim como ele, a mais que centenária atividade cafeeira no país é notabilizada por ser familiar e que gera distribuição de renda, e a previsão é que a área seja ainda mais fragmentada nos próximos anos. Micro e pequenos produtores já são responsáveis, por exemplo, por 96% das propriedades no sul de Minas, conforme dados da Cooxupé, maior cooperativa do país.

O produtor rural Amarildo José de Araujo, de Monte Santo de Minas (MG), com café cultivado em sua lavoura
O produtor rural Amarildo José de Araujo, de Monte Santo de Minas (MG), com café cultivado em sua lavoura - Arquivo pessoal

Araújo conta com o auxílio da mulher, Eliana, e da filha, Tailaine, que cursa cafeicultura num instituto federal na também mineira Muzambinho. Pais e avós do produtor também atuaram na área.

Apesar de ser uma atividade familiar e de haver dificuldade para contratar mão de obra para a colheita, a cafeicultura em Minas também é alvo de questionamentos judiciais sobre suspeitas de trabalho ilegal e danos morais e tem empresas envolvidas em investigações sobre sonegação de impostos na cadeia de comercialização.

Dados da Faemg (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais) mostram que mais de 600 dos 853 municípios mineiros têm a cafeicultura como principal atividade econômica. O estado é o maior produtor do Brasil, que na safra 2023/22 exportou para 117 países, segundo o Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café).

"Com um ou dois hectares bem cuidados, com tecnologia, o salário é muito maior para uma pessoa do que sair da zona rural e pegar serviço em supermercado, com todo o respeito que merece quem faz isso", disse Araújo, que começou a plantar café após ganhar mudas de presente de duas pessoas próximas, nos anos 90.

Ele mora numa comunidade rural composta por cerca de cem famílias distante 22 quilômetros do núcleo urbano de Monte Santo, mesma distância de Jacuí e a 34 e 36 quilômetros de São Sebastião do Paraíso e Guaxupé, respectivamente. Todas têm o café como destaque.

Em 2022, o café representou mais de 40% das exportações do agro mineiro e tem uma cadeia produtiva que gera cerca de quatro milhões de empregos.

Na safra 2022/23, o país exportou 35,6 milhões de sacas, queda de 10,2% em relação às 39,6 milhões de sacas do ciclo anterior, mas manteve o faturamento de US$ 8,13 bilhões, o que significa que comercializou o café na atual temporada por preços melhores.

Se depender do mercado hoje, porém, isso não vai se repetir na atual safra. O preço da saca de 60 quilos de café está em queda livre nos últimos meses. Na última sexta (28), a saca foi cotada em R$ 811,74 pelo Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, muito inferior aos preços entre R$ 1.300 e R$ 1.500 praticados na última safra.

Produtor em Muzambinho, Cleverson Martins disse que o baixo preço já era esperado, devido à queda que outras commodities também sofreram, mas que isso está sendo compensado parcialmente pelo fato de o café ter mais qualidade neste ano. Se será o suficiente para compensar a queda no valor da saca, só o fim da colheita responderá, segundo ele.

A safra deste ano está ligeiramente mais avançada em relação às duas últimas nas regiões do sul de Minas, cerrado e Mata de Minas, com 58,78% do previsto já colhido. Em 2022, o índice estava em 52,5%.

ALQUEIRE INFLACIONADO

Presidente da Cooxupé, Carlos Augusto Rodrigues de Melo disse que o cenário de a cafeicultura ser marcada pela presença de pequenos produtores vai se acentuar nos próximos anos devido aos preços das terras.

Um pequeno produtor, com área de 20 hectares, tem condições de produzir até 600 sacas de café numa safra, o que significa que, com o preço da última semana, ele terá uma receita de R$ 487 mil.

"O café, onde se faz presente, tem uma distribuição de renda muito maior e um casal com filhos tem condições de tocar [uma área dessas], administrar e produzir isso", disse.

É o que ocorre com Martins em Muzambinho. Ele, um irmão e o tio administram a pequena propriedade que caminha para fechar a safra com 350 sacas colhidas.

"Os pequenos serão ainda em maior número nos próximos anos por causa de um movimento que já está ocorrendo, de loteamento de médias propriedades. Em cidades como Nova Resende e Cabo Verde o preço do alqueire chega a ser duas ou três vezes maior para dividir em do que em outras áreas em que isso não acontece. Se você vai comprar até cinco alqueires, o preço é superinflacionado", disse o presidente da cooperativa.

Dois corretores ouvidos pela Folha disseram que um alqueire atingiu até R$ 400 mil na última safra, quando os preços do café estavam mais valorizados, e tiveram ligeira retração neste ano —mas ainda assim superior a áreas dedicadas a outras culturas.

Outra questão prática no campo está ligada à dificuldade de contratação de mão de obra. Tratoristas, por exemplo, só são encontrados por salários acima de R$ 5.000.

Por isso, em 2010, quando já havia esboço de dificuldade em encontrar bons safristas, os produtores da comunidade rural do bairro Lagoa, do cafeicultor Araújo, criaram uma associação e compraram desde então três máquinas para auxiliar na colheita.

"Se na comunidade precisar de uma pessoa para trabalhar é difícil achar, porque está todo mundo bem, estabilizado. Se não investir em tecnologia, ficaremos para trás, em irrigação, máquinas e implementos", disse ele, atual presidente da Aprolag (Associação dos Produtores Rurais da Lagoa e Região).

Quando surgiu, os produtores ligados à associação colhiam cerca de 15 mil sacas de café por safra, enquanto atualmente o total passa de 25 mil sacas.

SETOR CRESCE, PROBLEMAS TAMBÉM

Com a dimensão que o café tem para a economia de Minas Gerais –e no país, que é o maior produtor mundial–, problemas dos mais variados, envolvendo tributação, comercialização e questões trabalhistas, se tornaram parte da vida do setor nos últimos cinco anos.

Em 2018, a operação Grão Brocado, da Receita Federal, indicou a existência de uma organização criminosa formada para sonegar impostos especialmente nos grãos de café destinados à exportação. Em dois anos, o montante de notas emitidas por empresas de fachada somaram R$ 3 bilhões.

Já em 2021, a PF (Polícia Federal) identificou após dois anos de investigação desvios superiores a R$ 1 bilhão em impostos estaduais e federais num esquema que envolveu ainda os estados do Paraná, São Paulo e Espírito Santo.

Só em Minas Gerais, foram identificados R$ 500 milhões em desvios. O esquema consistia em sonegação de impostos e creditação indevida de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) na compra e venda de café em grão cru em vendas interestaduais.

Em novembro do ano passado, um grupo envolvendo Ministério Público, Receita Estadual e polícias desvendou um esquema de uso de empresas fantasmas para sonegar ICMS devido ao governo mineiro.

O contribuinte de Minas simulava compra de café de empresas inexistentes em outros estados e, por meio de nota fiscal fria, recebia créditos de ICMS. O esquema seguia com o contribuinte mineiro simulando a venda desse café para outras empresas envolvidas no esquema no próprio estado, sem incidência do imposto. Só em uma empresa, o valor da fraude chegou a R$ 66,8 milhões.

Neste ano, em abril, foi a vez de a Promotoria oferecer denúncia contra representantes de uma cafeeira por apropriação indébita após sacas de café de produtores de duas cidades terem sumido três anos atrás.

Pelo menos 35 cafeicultores foram prejudicados e o prejuízo de um deles chegou a ser de 400 sacas, o equivalente atualmente a R$ 324 mil.

Em julho, a produtora mineira de café orgânico Fazendas Klem foi condenada a pagar R$ 105 mil por danos morais a sete empregados que denunciaram condições precárias de trabalho na colheita de café em 2022.

Eles, segundo a sentença, tiveram que residir em local sem higiene, segurança e conforto, sem água potável e local para refeições, além de não usarem equipamentos de proteção adequados. A empresa negou irregularidades, informou não ver a decisão como justa "com as provas produzidas durante a instrução processual" e que vai recorrer.

Evitar que problemas como esses chegam ao sudoeste mineiro, um recorte do grande sul de Minas, é um dos objetivos de um grupo de cafeicultores que se uniram para criar uma marca territorial.

"Nós estamos buscando a origem controlada [em nossa região], rastreada, então com isso automaticamente os produtores não estarão nesse campo [de irregularidades]. Se ele está certificado, automaticamente ele já passa por todos os crivos", disse Fernando Barbosa, presidente da Associação dos Cafeicultores do Sudoeste de Minas.

A safra mineira deve chegar a 27,5 milhões de sacas neste ano, segundo dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), para uma produção estimada inicialmente de 54,94 milhões de sacas no país.

A produção mundial de café foi estimada em 172,8 milhões de sacas, conforme a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o que significa que o Brasil responderá por 31,8% da oferta global.

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