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Edmond Safra é tratado como 'o banqueiro dos banqueiros' em livro

Ainda que elogiosa em excesso, biografia traz informações preciosas sobre as conspirações que vitimaram o empresário

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Ubiratan Brasil
São Paulo

Em "A Arte da Biografia", o escritor Lira Neto observa que é indispensável estabelecer uma relação de alteridade com o personagem que se biografa. "Alteridade não pode, porém, ser confundida com simpatia, que pressupõe adesão, apreço, benevolência", escreve.

Em "A Jornada de um Banqueiro", o historiador e jornalista americano Daniel Gross traz detalhes preciosos e informações inéditas sobre a vida e a trajetória de Edmond Jacob Safra, que construiu um império financeiro global, mas o excesso de respeito contagiou sua escrita, marcada por uma quantidade expressiva de adjetivos elogiosos.

Edmond Safra em foto tirada em agosto de 1997
Edmond Safra fundou quatro bancos em quatro países diferentes - Reuters - ago.1997

Edmond Safra foi um dos mais importantes banqueiros do século 20, fundador de quatro instituições financeiras em três continentes: o Republic Bank of New York; o Trade Development Bank em Genebra; o Safra Republic Holdings, em Luxemburgo; e o Banco Safra em São Paulo, liderado mais tarde por seus irmãos mais novos, Joseph e Moïse.

O libanês naturalizado brasileiro não gostava de chamar atenção e, na medida do possível, manteve uma vida discreta, sem nenhuma extravagância. Morto em 1999 aos 67 anos, vítima de um incêndio criminoso em seu apartamento em Mônaco, Edmond era avesso a entrevistas e deixou escassos depoimentos em que revelou fatos sobre sua jornada pessoal e profissional.

Para escrever o livro, que consumiu cinco anos de trabalho, Gross conseguiu entrevistar a viúva, a filantropa e socialite brasileira Lily Safra, morta em julho de 2022, que ainda liberou imagens de seu arquivo e leu o manuscrito final. Gross também teve acesso a dezenas de áudios, documentos e histórias coletadas pela Fundação Edmond J. Safra pouco depois da morte dele.

Isso permitiu que o americano, especializado em história financeira, detalhasse justamente os dois momentos cruciais na vida do banqueiro: a campanha de executivos da American Express para difamá-lo e as conspirações envolvendo sua morte.

Edmond nasceu em Beirute, em 1932, de uma família síria judaica. Apesar de não ser o primogênito e ainda ter sido um péssimo aluno, seu pai, Jacob, que tinha um pequeno banco na capital libanesa, o enviou para Milão, na Itália, quando ele tinha apenas 15 anos, para conseguir clientes. Um desafio e tanto, pois, naquela época, a Europa ainda se recuperava dos estragos da Segunda Guerra Mundial.

Segundo Gross, a longa jornada de Beirute a Milão marcou o início "pouco auspicioso e muito humilde" de um homem que, nos 52 anos seguintes, construiu uma carreira "sem rivais na segunda metade do século 20", deixando "um rastro brilhante, como um meteoro em um céu noturno".

Avatar da globalização e da intermediação financeira "antes que esses termos se tornassem parte da língua franca", Safra praticava métodos antiquados mas eficazes, como o de só fazer empréstimos depois de um conversa olho no olho —vários não foram concretizados graças ao olhar oblíquo dos interlocutores.

Por isso, como viajava constantemente para diversos países e visitava distintas cafeterias, Safra "sabia que os italianos amavam os grãos suaves do café arábica, ao passo que os franceses preferiam o mais amargo robusta", escreve Gross, em fina observação.

O historiador conta que, apesar de ricos, os Safra eram refugiados e, na década de 1950, Beirute não era um lugar apropriado para judeus —seu apartamento chegou a ser saqueado. Em busca de um lugar mais seguro, decidiram vir para o Brasil, país que, além de hospitaleiro, oferecia uma segurança religiosa.

Os Safra chegaram em 1954, quando Edmond, que não falava uma palavra em português, tinha 22 anos. Estranhou a economia fechada, que proibia a livre troca de moedas estrangeiras, além das altas tarifas e do controle sobre importação e exportação.

Mesmo assim, começou a negociar café com um conhecido em Nova York e, na Europa Oriental, trocava o produto por moedas fortes, relógios e equipamentos industriais. Logo, fundou uma empresa com o pai e os irmãos que deu origem ao Banco Safra.

Cobertura incendiada onde morava Edmond Safra, em Mônaco
Cobertura onde morava Edmond Safra, em Mônaco - Pascal Guyot - 06.dez.1999 / AFP

Com uma fisionomia de quem envelheceu precocemente, Safra só se casou aos 43 anos, mas não foi pai —dizia que os bancos eram seus filhos.

E foi quando negociava a venda de um dos braços do Republic para a American Express, em 1983, que sofreu uma injusta campanha de difamação que, depois se soube, era financiada por executivos da própria Amex: ao tentar atrelar o nome do banqueiro a tráfico de drogas e lavagem de dinheiro em matérias falaciosas publicadas em jornais de diversos países, os executivos buscavam diminuir o valor de mercado do Republic.

Safra gastou milhões de dólares com advogados, obrigando a American Express se retratar e a doar a indenização de US$ 8 bilhões para obras beneméritas mantidas pelo banqueiro —a filantropia foi uma das principais virtudes de Edmond, que ajudou fundações como a do cantor Elton John e a do ator Michael J. Fox, focada na pesquisa da cura de Parkinson. O banqueiro, aliás, descobriu-se vítima desse mal em 1990 e, com o tempo, não conseguia mais tocar suas empresas.

Em 1999, quando vivia em Mônaco, foi vítima de uma cilada. Um de seus enfermeiros, Ted Maher, simulou uma invasão por criminosos buscando uma recompensa, mas, quando ateou fogo em uma lata de lixo para aumentar o drama, o incêndio atingiu as cortinas do apartamento e se alastrou.

Safra trancou-se no banheiro com uma enfermeira e ambos morreram asfixiados. Foi o trágico fim de quem se tornou conhecido como "o banqueiro dos banqueiros".

A Jornada de um Banqueiro - Com Edmond J. Safra Construiu um Império Financeiro Global

  • Preço R$ 89,90 (392 págs.)
  • Autoria Daniel Gross
  • Editora Best Business
  • Tradução Alessandra Bonrruquer
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