Descrição de chapéu juros

Não adianta colocar a culpa só no consumidor, diz relator do Desenrola no Senado

Para senador Rodrigo Cunha, proposta de limitar juros do rotativo é só ponto de partida da discussão

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Relator do projeto do Desenrola no Senado, Rodrigo Cunha (Podemos-AL) defende maior responsabilidade das instituições financeiras na concessão de crédito e diz que o consumidor não pode ser o único culpado pelo superendividamento.

"Como é que uma pessoa que recebe um salário mínimo tem um limite no cartão de crédito de R$ 12 mil? Quem se endivida na primeira parcela já não consegue mais pagar as demais porque os juros são de [mais de] 400%", afirma ele em entrevista à Folha.

Rodrigo Cunha (Podemos-AL), relator do PL do Desenrola, em entrevista à Folha em seu gabinete no Senado - Gabriela Biló/Folhapress

Para o senador, a proposta de limitar os juros do rotativo do cartão de crédito ao dobro da dívida original —conforme o texto aprovado pela Câmara dos Deputados— deve ser só o ponto de largada da discussão.

Em seu relatório, pretende incluir um dispositivo voltado para campanhas de educação financeira e outro para incentivar a renegociação de dívidas de serviços básicos, como água e luz.

Quanto ao parcelamento de compras sem juros —motivo de divergência na discussão entre bancos e uma parcela do setor de cartões— Cunha diz ver abusos e promete estudar a questão nos próximos dias.

O sr. vê necessidade de aperfeiçoar algum ponto do texto aprovado pela Câmara?
Eu faço um recorte regional. Quando pego meu estado, Alagoas, verifico que 44% das pessoas negativadas estão nessa situação porque devem para a companhia de água e energia elétrica. Em Santa Catarina, esse número é de 4%. Então, vou tentar puxar muito mais a atenção para a renegociação dos serviços básicos. Tem todo um trabalho de sensibilização [com as empresas], mas também de mostrar alguns atrativos para que isso se torne realidade.

Que tipo de atrativo [para empresas de água e luz] pensa em inserir?
Na faixa 1 [do Desenrola], o governo está dando um grande incentivo, que é o fundo garantidor. Caso tenha inadimplência, depois de 60 dias o banco pode acionar o governo para pagar aquela dívida. É onde podem entrar as companhias, as concessionárias.

Mas o faixa 2 também tem um grande incentivo. A informação que tenho é que, a cada R$ 1 que o credor economizar, será feita a compensação em tributos [crédito presumido]. Alguma matemática tem que ser encontrada. Essa é uma que acho bastante interessante.

O fato de o programa já estar em andamento traz limitações?
Pelo contrário, traz experiência. Acho interessante fazer com que o cidadão volte ao mercado de consumo, reaqueça a economia, viva com dignidade. Não adianta só colocar a culpa no consumidor porque em muitas situações também se tem uma grande irresponsabilidade ao conceder o crédito. Como é que uma pessoa que recebe um salário mínimo tem um limite no cartão de crédito de R$ 12 mil? Quem se endivida na primeira parcela já não consegue mais pagar as demais porque os juros são de 400%.

Espero conseguir dar essa guinada para utilizar recursos em divulgação e comunicação em educação financeira. Existe o fundo de [defesa de] direitos difusos, que recebe as multas aplicadas na área ambiental e na área consumerista. Já que é fruto de multas, esse recurso deve ser revertido para inibir essas práticas.

Qual a visão do sr. sobre o rotativo do cartão de crédito?
Quem não paga a primeira parcela já cai em um financiamento altíssimo. Isso tem que ser noticiado de uma forma muito mais fácil para a pessoa entender que não pagar um mês é um mau negócio. Que inclusive ela pode conseguir um dinheiro mais barato em outro lugar para quitar essa dívida e não ficar pagando os juros mais altos que tem no planeta.

O instrumento colocado no PL de limitar [os juros] pelo [dobro do] valor da dívida [original] é interessante. Demonstrou também que não foi algo colocado goela abaixo. Pelo contrário, deu 90 dias para que os bancos, os [setores de] cartões, apresentem uma alternativa para isso.

Vê alguma possibilidade de avançar também sobre o limite de crédito disponível?
É uma situação que a gente pode mexer de várias formas. Se alguém empresta crédito sem garantia, tem que assumir essa responsabilidade. Isso é o que compõe as taxas altas de juros. A gente deve, sim, dar crédito para as pessoas, mas de forma que elas possam pagar, não de maneira indiscriminada.

Como vê o parcelamento de compras sem juros?
É um instrumento necessário para muitas pessoas adquirirem um bem. O que falta, no meu ponto de vista, é as pessoas saberem utilizar bem esse instrumento. As parcelas permitem que as pessoas adquiram principalmente eletrodomésticos, como geladeira e fogão. É também necessário para o setor de varejo, o modelo de negócio é formado em cima disso.

Eu vou estudar bastante esse tema. A gente, durante muitos anos, camuflou o que eram juros. A propaganda era feita baseada nos juros, quando as pessoas deveriam se preocupar com o custo efetivo total. Tem que ter instrumentos para que as pessoas consigam saber o que estão, de fato, adquirindo. Tentar ajudar as pessoas a entender que esse dinheiro que se paga a mais vai para algum lugar. E esse lugar são os bancos, os cartões de crédito, as financeiras.

Considera que há uma distorção no uso do parcelamento sem juros?
Para muitas pessoas, infelizmente o cartão em si acaba sendo uma extensão da renda. Quando isso acontece, ela passa a comprar todos os itens, desde a feira do mês ao combustível. Um mês que tiver desnível, não vai conseguir honrar mais [o pagamento].

O sr. disse que vai estudar o tema, ou seja, há possibilidade de ele ser tratado no relatório?
É algo muito presente na vida das pessoas e às vezes é utilizado de maneira errada. Uma parcela de R$ 59 atrai as pessoas. São dez vezes de R$ 59 para comprar um micro-ondas. Se estivesse [explícito o custo de] R$ 600, afastava. Essa fórmula da apresentação, que a legislação consumerista já diz que tem que ser ostensiva, nem sempre é respeitada. Só para demonstrar como essa questão do parcelamento quando é oferecida de maneira ostensiva, e muitas vezes até abusiva, faz com que as pessoas se endividem. Deve existir [o parcelamento], mas devem-se ter critérios muito mais possíveis de fiscalização e punições severas.

Que tipo de punição?
Multas. Quando não se respeita a legislação —e voltando à legislação consumerista, na forma agressiva de oferecer crédito, principalmente para idosos, pessoas que não têm informação—, isso tem que ter consequência.

Vou estudar o assunto. Essa forma de parcelamento é necessária para o varejo, para a economia e para o cidadão, mas muitas pessoas a utilizam mal, e outras pessoas, sabendo disso, se prevalecem delas.

Os bancos falam que os altos juros do rotativo também são consequência do subsídio cruzado por causa do parcelamento de compras. Qual é a visão do sr.?
Eu acredito que deve ter um peso, mas não da forma como é colocada. Como nunca se teve essa preocupação como hoje, é o momento que o outro lado vai ter que gritar de todas as formas para dizer que é impossível, senão vai quebrar toda uma corrente e o consumidor final não vai ter mais crédito à disposição. Aquela linha do terrorismo de muito medo nas pessoas para dizer que é ruim mexer porque vai ser mais caro para elas. Mas não é verdade, tem uma gordura muito grande.

Qualquer mudança no parcelamento de compras sem juros pode ser vista como impopular. Isso pode interferir na decisão?
A ideia não é retirar essa possibilidade das pessoas. A ideia é responsabilizar quem concede crédito de maneira irresponsável e também quem utiliza um valor excessivo de juros para conseguir fazer esses empréstimos.

Qual é a expectativa do sr. como relator com relação ao teto dos juros? Acha que deveria ser de 100%?
Esse texto que chegou da Câmara, para mim, não é o ponto de chegada, é o ponto de partida. 100%, a gente vai começar daí para tentar diminuir [o limite dos juros]. Mais do que isso é inaceitável. A discussão deve ser daí para baixo.

É realmente factível reduzir para menos de 100%?
Acho que é possível. Ninguém aguenta mais pagar tão caro e não ver uma luz no fim do túnel. Se a gente não quer fazer um programa de faz de conta, temos que tratar os principais problemas. E, de todos, 85% [do endividamento] diz respeito a cartão de crédito. Então, tem que ter uma mudança de postura. Chegou a hora de buscar responsabilidade social também dos bancos, que já lucram tanto, dos cartões de crédito, que já lucram tanto, e que vão continuar ganhando seus recursos.

Um outro ponto do PL é a revisão anual do limite do rotativo pelo Conselho Monetário Nacional. É um caminho?
Ainda preciso conversar para entender o motivo de ser anual. Mas eu não vejo nenhum problema em ter uma reanálise. [Discutir] se tem alguma trava para que, daqui a um ano, [o juro] não passe de determinado valor. Não adianta a gente fazer isso agora e, na revalidação, voltar aos 450%.

Qual é a expectativa de prazo para apresentação do relatório? Como lidar com as pressões dos setores?
Acho que 30 dias, mas é possível o prazo ser menor. Vamos melhorar o texto para que seja interessante para o país e as pessoas, principalmente aquelas que não têm acesso à informação. Da minha parte, não vai ter apenas o trabalho político, vai ter um trabalho técnico forte. Tenho uma excelente oportunidade de ouvir. O setor financeiro, a Febraban, e as associações de cartões sabem que não sou uma pessoa radical, pelo contrário, busco o equilíbrio, a melhor solução. Quero fazer o melhor texto possível, sem muito atropelo, entendendo a importância da celeridade.

RAIO-X

Rodrigo Cunha, 42

Advogado especializado em Direito do Consumidor, foi superintendente do Procon de Alagoas e está em seu primeiro mandato no Senado. Em 2022, foi candidato a governador de Alagoas com apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.