Sozinha, regulação da inteligência artificial não ajuda muito, diz professor

Edgar Lyra diz que é preciso avançar em outras frentes para lidar com a tecnologia

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São Paulo

Nada acelerou tanto o debate sobre regulação da inteligência artificial quanto o ChatGPT. Desde que a ferramenta se tornou acessível ao público, no final de 2022, empregos, relações sociais, eleições e o próprio futuro da humanidade foram postos em uma longa lista de áreas ameaçadas pela nova tecnologia.

A resposta quase unânime para qualquer um desses riscos tem sido a mesma: regulamentação –ideia defendida até por Sam Altman, CEO da OpenAI, empresa por trás do ChatGPT.

O professor de filosofia Edgar Lyra concorda com esse ponto de vista, mas considera que leis são insuficientes para lidar com os desafios apresentados pela inteligência artificial.

"A regulação é necessária. Mas a ideia-chave que não pode ser deixada de lado é que a regulação, sozinha, não vai nos ajudar muito", diz Lyra, diretor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio.

O professor Edgar Lyra fala sobre inteligência artificial no fórum anual da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa
O professor Edgar Lyra fala sobre inteligência artificial no fórum anual da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa - Eduardo Tadeu / Divulgação RNP

Há sete anos à frente do Grupo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Tecnologia, Lyra afirma que é fundamental agir em outras frentes, até por uma questão prática.

"Por melhor que seja a legislação, tem a questão de vigiar, de fazer cumprir [as regras]. E, nesse caso, um dos grandes problemas é a rapidez com que tudo acontece. A lei vai ser feita tendo em vista uma relação de ilícitos, mas daqui a pouco já pipocam outros", diz Lyra.

Por isso, diz ele, é crucial ir além: "Fomentar um ethos, no sentido do conjunto de costumes, que faz com que a teia social se regule de uma maneira menos tributária do braço da lei".

Para o professor, esse caminho passa pela educação em ao menos dois níveis. Pelo lado dos consumidores, convidando os alunos, desde o ensino fundamental, a se colocarem como mais que meros usuários das novas tecnologias.

Ou seja, não se trata de apenas absorver equipamentos hi-tec no dia a dia da sala de aula, mas de ensinar como os algoritmos funcionam e estimular reflexões a respeito deles, por exemplo.

Pelo lado dos produtores, criando mecanismos para garantir que os desenvolvedores, antes de lançar uma nova tecnologia, possam se indagar sobre seus efeitos no mundo –inclusive, ou sobretudo, aqueles não desejados.

Lyra fez nesta quinta-feira (31) a palestra de encerramento do fórum anual da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, que reúne os principais atores do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação do Brasil. Realizado em Brasília, o evento debateu temas como mudanças climáticas, cibersegurança e, claro, impactos da inteligência artificial.

Na visão do professor da PUC-Rio, a universidade ainda precisa ser capaz de explicar melhor o poder que as novas tecnologias exercem sobre as pessoas.

"Não estamos mais falando de um serrote em cima da mesa, de um martelo", diz Lyra. "A tecnologia hoje não é mais um artefato isolado que podemos manusear ao nosso bel-prazer", completa.

Isso também ajuda a explicar sua reticência quanto à regulação. Embora enfatize a necessidade de haver leis sobre o tema, ele diz que, com essas novas tecnologias, não se pode simplesmente dizer "agora não pode martelar".

"Não é exatamente assim que a coisa funciona. Tem gente consultando o celular em cima da moto. As pessoas andam na rua olhando no celular e tropeçam. A gente precisa se dar conta disso e entender qual é o tipo de simbiose legislativa, educativa, tecnocrática que poderia de alguma maneira mitigar esses excessos", afirma.

Mas não vai aí uma crítica; antes, é uma constatação. "Temos que lidar com isso. É a marca do nosso tempo, um destino com o qual nós temos que nos haver. Então me recuso a me colocar como uma pessoa hostil, uma pessoa que demoniza o avanço tecnológico", diz o professor.

Daí por que ele diga que o debate não se resume a tecnófobos X tecnófilos, ou aqueles que temem a tecnologia X os que a adoram, aqueles que preveem um futuro apocalíptico X os que apostam em grandes benefícios para todos.

A situação, diz Lyra, é muito mais matizada. O desafio, para ele, é conseguir distanciamento suficiente, fugir tanto da idolatria quanto da antipatia e formular questões adequadas para que a inteligência artificial possa consumar mais promessas do que ameaças.

"Eu vejo o momento atual como janela de oportunidade para a gente conversar sobre coisas que precisávamos conversar há bastante tempo", afirma Lyra em relação ao ChatGPT, que ele define como a ponta de um iceberg digital.

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