Memes atraem clientes, mas negócio deve se estruturar para além da piada

Conteúdo viral não é suficiente para sustentar empresas, que devem focar qualidade e variedade

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São Paulo

Atentos à repercussão dos memes, pequenos negócios têm apostado no bom humor para alavancar vendas de doces, camisetas e até panos de prato. Ainda assim, as empresas devem ter atrativos além da graça para lidar com a efemeridade das piadas e fidelizar os clientes.

O bentô cake, bolo com 10 cm de diâmetro vendido em uma marmita (bentô, em japonês), viralizou no segundo semestre de 2021 e há três meses foi incluído no menu da Lariê Brigaderia, de São Paulo.

De aniversário de namoro a férias, o minibolo se encaixa em comemorações diversas e é procurado sobretudo para presentear —por isso, a decoração pode trazer piadas internas, bordões e desenhos do Flork, personagem comum nas figurinhas de WhatsApp.

Retrato de Larissa Frazato segurando um pequeno bolo; ela é uma mulher negra, de cabelos escuros, que estão presos em um coque; ela usa uma faixa cor-de-rosa no cabelo e veste blusa e avental marrons
Larissa Frazato, 22, confeiteira e fundadora da Lariê Brigaderia, viu no bentô cake uma chance de atrair mais clientes para outros produtos de seu cardápio - Ronny Santos/Folhapress

A confeiteira Larissa Frazato, 22, dona da Lariê, tentou resistir à tendência, mas incluiu o bolinho no cardápio devido à demanda crescente. O bentô custa R$ 45 e é o item mais vendido na confeitaria —de 10 a 15 unidades por semana.

Embora produtos bem-humorados sejam positivos para a visibilidade e o faturamento, é fundamental adotar outras estratégias para ser lembrado e para formar uma clientela consolidada, afirma Giuliana Isabella, professora de marketing e comportamento do consumidor do Insper.

"O negócio pode ser engraçado, mas não pode ter esse único diferencial, porque isso é pouco para garantir o sustento a longo prazo. Funciona por um tempo, mas o cliente tem que voltar e talvez um item só não ajude nisso. É preciso trazer produtos diferentes para agregar no portfólio."

Na Lariê, que é especializada em bolos e brigadeiros desde 2020, há clientes que compraram um bentô e voltaram para fechar encomendas para aniversários e casamentos.

"Estou aproveitando a tendência, mas não baseio a Lariê só nisso. Quando alguém compra o bentô, eu quero que volte para comprar um bolo maior e o brigadeiro. A expectativa é que seja uma porta de entrada para outros produtos."

Com os bentôs, a Demi Plié, de Campinas (SP), viu as vendas crescerem quando o delivery da doceria começava a cair devido à flexibilização de regras para conter a Covid-19.

Maira Lindissey, 28, dona do negócio, ainda não produzia bolos, mas fez cursos e entrou na onda em agosto de 2021.

Hoje, a Demi vende de 100 a 150 unidades por mês, a R$ 50 cada. Na Páscoa, as frases e desenhos se expandiram para os ovos de chocolate. A possibilidade de customizar doces melhorou a relação com o público, diz a empresária.

"O alcance mudou muito, criamos uma comunidade. Como trabalho com elementos que as pessoas usam nas conversas mais pessoais do dia a dia, eu senti proximidade com os clientes. Eles conversam comigo como se eu fosse uma amiga."

Além da variedade no portfólio, os negócios podem se dedicar a fatores como qualidade e apresentação do produto para se destacarem, diz Isabella, do Insper.

Helder Haddad, professor de marketing e comportamento do consumidor da ESPM, acrescenta que é arriscado estruturar uma empresa só em memes, pois esses elementos se popularizam rápido, mas têm vida curta.

Para fugir da efemeridade e montar um empreendimento duradouro, é preciso pensar em quais necessidades e públicos serão atendidos.

"Quando alguém usa uma camiseta descolada, quer transmitir a mensagem de que é antenado, bem-humorado, talvez irônico. É uma forma de expressar identidade. Capturando isso, é possível pensar num negócio que se torne sustentável ao longo do tempo e não seja simplesmente ligado ao modismo."

Na Use Bem-te-vi, de Brasília, as cinco opções de cores das camisetas foram definidas por meio de enquetes feitas com os clientes.

Camiseta amarela com ilustração centralizada de um galo segurando um bule e servindo café a um pintinho, que está apoiado em uma xícara; em volta do desenho, estão os dizeres: 'Fofoca? Aceito'
Para que um meme estampe uma camiseta da Use Bem-te-vi, precisa resistir ao pico de compartilhamentos e se tornar um clássico - Divulgação

A marca preferiu desenvolver a própria modelagem, sem classificação de gênero —pedido feito também pelos consumidores—, e faz as peças com ilustrações próprias.

As estampas remetem à arte, à literatura, à cultura pop e aos memes —desde que resistam ao pico de compartilhamentos e se tornem clássicos, diz Cáren Perazzo, 29, que fundou a empresa com a amiga Kamila Chianca, 30.

"Tentamos fazer coisas que sentimos que vão durar mais tempo, como o ‘Fofoca? Aceito’. Todo brasileiro gosta de uma fofoca há muito tempo. Se o meme alcança minha mãe e não se comunica só com quem entende meme, é clássico, pode virar camiseta", explica Kamila.

A única restrição é quando o viral é criação de alguém, como o meme da "Pifaizer", em que o humorista Esse Menino satirizou os emails da Pfizer com ofertas de vacinas não respondidos pelo governo federal. Nesses casos, a estampa só se concretiza com autorização do influenciador.

Vendendo pela internet, a Bem-te-vi nota no caixa o efeito da ascensão e da queda de um meme ou de um tema. As camisetas pró-vacina, por exemplo, foram mais procuradas no período de vacinação das pessoas com 20 a 30 anos. Em 2021, primeiro ano de operação da empresa, o faturamento foi de R$ 600 mil.

Já a estratégia da Panos Sinceros, de Florianópolis (SC), é acompanhar o auge da repercussão e divulgar seus panos de prato ainda enquanto o meme está em alta.

Para evitar produtos encalhados, são feitas pequenas remessas. Em média, 600 unidades são vendidas por mês, pela internet.

Foto destaca pano de prato pendurado em um fogão; o pano é estampado com o desenho de uma tartaruga e possui os dizeres: 'A vida é irada, mano, vamos curtir'
Frase do surfista e ex-BBB Pedro Scooby entrou para o catálogo da Panos Sinceros após pedido dos clientes - Divulgação

"Tem que ser rápido. Quando o Pedro Scooby disse no Big Brother ‘a vida é irada, vamos curtir’, todo mundo só falava disso. Eu nem mandei fazer o pano, fiz uma montagem com a frase e postei", diz Nina Masnik, 32, fundadora.

A intenção inicial era apenas aumentar o engajamento nas redes, mas, a pedido de clientes, a ideia se concretizou e a marca vendeu duas edições do produto.

A demanda cresce não só quando há panos com bordões do momento, mas também com o eco na internet —aberta em 2019, a loja ficou mais popular na pandemia, quando seus posts foram replicados em páginas de memes no Instagram.

A marca acrescenta suas frases em panos comuns, comprados com desenhos prontos. Para Nina, o diferencial está justamente no contraste entre as estampas tradicionais, com animais e cestas de frutas, e as mensagens. Fixas no estoque, as preferidas dos clientes são "O Brasil me obriga a beber" e "Sinta-se em casa, mas lembre que não está".

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