Destilados usam jabuticaba e madeira nacional na disputa com estrangeiros

Empreendedores apostam em ingredientes brasileiros para ganhar também o mercado externo

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São Paulo

Marcas brasileiras usam ingredientes típicos do país como diferencial para superar o preconceito contra os destilados nacionais e se destacar em um mercado dominado por bebidas importadas.

O caminho para vencer essa resistência do consumidor com o produto brasileiro é justamente investir em brasilidade e inovação, explica Rodrigo de Mattos, consultor de mercado da Euromonitor International.

Barris de envelhecimento do uísque na destilaria Lamas, em Matozinhos, MG
Barris de envelhecimento do uísque na destilaria Lamas, em Matozinhos, MG - Divulgação

"A ideia da bebida nacional como inferior tem a ver com a maneira de o brasileiro enxergar o que vem do próprio país. Algumas marcas viram em ser ainda mais brasileiras o caminho para se destacar nesse nicho, usando ingredientes como a jabuticaba na produção."

Luciana Lamas, 32, sócia e gerente de comunicação da Lamas Destilaria, diz que a empresa, fundada em 2019, encontrou em um uísque envelhecido em madeira brasileira um meio para diferenciar seu produto.

"A nossa edição especial envelhecida em barris de amburana foi um divisor de águas para a Lamas. Unimos uma madeira muito usada para a cachaça, apelando para um tradicionalismo no mercado nacional, e algo muito diferente para o estrangeiro."

A destilaria tem sede em Matozinhos, na região metropolitana de Belo Horizonte. De acordo com Luciana, sua capacidade produtiva é de 30 mil litros de uísque por ano.

A empresa tem 20 funcionários, responsáveis pela produção, engarrafamento e venda dos sete uísques de seu catálogo, que variam de R$ 147 a R$ 273 na loja virtual. Além da venda online, o principal público-alvo é o de bares e restaurantes, diz Luciana.

Maurício Porto, proprietário do Caledônia Whisky & Co, bar especializado em uísque, considera que marcas brasileiras enfrentam uma luta difícil contra as importadas e já reconhecidas.

"O investimento em marketing e o próprio tamanho de destilarias estrangeiras tornam complicado para uma marca brasileira se firmar entre o grande público. Mas para a experiência sensorial, marcas com ideias inventivas e ingredientes brasileiros abrem espaço entre um público que busca mais a qualidade do que uma marca conhecida."

Um dos focos da Lamas é divulgar a bebida brasileira no exterior. Para isso, participa de concursos internacionais como forma de estimular a exportação.

"Nos últimos anos, muito do nosso crescimento se deve às premiações que vencemos. O Jim Murray’s Whisky Bible, um dos principais prêmios do mundo, colocou nosso nome no mapa do uísque e conquistamos público na Europa e na Ásia."

O consultor da Euromonitor Rodrigo de Mattos dá o exemplo do Japão como inspiração para o Brasil.

"O apreço do público especializado pela bebida brasileira no exterior pode elevar o país a um status que o Japão passou recentemente a ocupar. Durante muito tempo não se ouvia falar do uísque japonês na mídia, e hoje muitos são considerados os melhores do mundo."

Michael Simko, 40, CEO e fundador da Arapuru, afirma que a ideia de transformar o gim, tipicamente inglês, em uma bebida com a cara do Brasil, foi fundamental para o crescimento da empresa, criada em 2013, em São Paulo.

"Logo vimos que não era possível competir com os britânicos sem termos um diferencial relevante. Daí veio a ideia de usar ingredientes daqui, como o pacová, conhecido como cardamomo brasileiro, para produzirmos a bebida."

A Arapuru tem dez funcionários, responsáveis pela produção e venda da bebida para bares e restaurantes. No ecommerce da marca, os preços variam de R$ 109 (London Dry Gin) a R$ 130 (Arapuru Cafuné, produzido com jabuticaba).

Simko explica que parecia impossível, nos primeiros anos da marca, emplacar uma bebida premium com gosto de Brasil. "Com algum tempo no mercado, o público começou a ver a qualidade do gim artesanal."

Segundo Mattos, o diferencial da brasilidade é um norte para a maioria dos destilados feitos aqui, mas o gim é o que tem maior potencial.

"Por envolver muitas especiarias na produção, há liberdade para o produtor buscar produtos amazônicos e de várias regiões do Brasil que instigam tanto o público nacional quanto o estrangeiro."

Rafael Milioni, 31, fundador e um dos sócios da Biarritz, marca de bebidas prontas elaboradas com gim, afirma que o Brasil está em seu produto para além dos ingredientes.

"Nossa brasilidade também está no estilo de vida representado pela bebida, que tem jeito de praia, algo bom para o verão."

Lançado em outubro de 2022, o Biarritz Spirit é um Gim Spritz, com menor teor alcoólico e gaseificado.

Para Mattos, bebidas prontas são uma maneira relevante de introduzir os destilados no mercado.

"Esses produtos com aspecto de refrigerante trazem juventude para as marcas. Temos grandes cases de sucesso no Brasil, que adaptam uma bebida considerada forte para um público mais diverso, e são mais práticas do que fazer um coquetel em casa."

A Biarritz tem dez funcionários entre a produção e a venda no ecommerce da marca. A bebida também é encontrada em supermercados, bares e restaurantes. A garrafa de 275 ml custa R$ 12,50.

Localizada na Barra do Sahy, no litoral norte de São Paulo, a Biarritz promoveu uma campanha de ajuda às famílias atingidas pelas fortes chuvas na região em fevereiro. Segundo Milioni, além de pontos de coleta de doações, na semana seguinte à tragédia, todo o lucro das vendas foi destinado às vítimas.


Folha abre canal para receber dúvidas sobre empreendedorismo

A Folha passou a disponibilizar um canal para receber dúvidas de leitores sobre empreendedorismo. As mensagens devem ser enviadas para mpme@grupofolha.com.br ou para este formulário.

A equipe da seção MPME, que produz reportagens sobre micro, pequenos e médios empreendedores, selecionará algumas delas para serem respondidas por especialistas na área.


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