Antes mesmo de Graziela, 61, e Adriana, 60, se sentarem à mesa, o chapeiro já sabe o que as irmãs vão pedir. Há anos, elas reservam uma parte da manhã às terças e quintas-feiras para tomar café na padaria Aracajú, no bairro de Higienópolis, na região central de São Paulo.
"Já chamam a gente pelo nome e sabem do que a gente gosta", diz Adriana, que sempre divide um pão na chapa com a irmã. "A minha metade é com muita manteiga; a dela, com pouca."
Dentre variados tipos de pães, o francês é o que mais tem saída: entre 4.000 e 5.000 unidades por dia, vendidas a R$ 23,50 o quilograma.
A pessoalidade no atendimento é um dos principais aspectos que, na opinião do proprietário, Alberto Caetano de Pinho, 72, mantêm o sucesso da Aracajú após quase quatro décadas de existência.
"O cliente chega e o João [atendente] já sabe como deve ser o café: com leite frio ou com mais espuma etc. Se você troca de funcionário todos os meses, isso se perde e o cliente vai embora", afirma o português, à frente do negócio desde 1991 junto a outros três sócios.
Para ele, o envolvimento direto dos donos nas operações da panificadora é determinante para fidelizar o público, que até contribui com parte do cardápio. Algumas das receitas da padaria foram colaborações dos próprios clientes, como a de bolo de laranja.
"Quando você precisa do comércio para viver, você pensa de um jeito diferente de quem tem o negócio como um investimento", acrescenta Alberto.
Grupos de investidores costumam apostar em pontos novos ou reformar estabelecimentos que não vão bem, segundo Rui Gonçalves, presidente do Sampapão, entidade que representa o setor de panificação e confeitaria da cidade de São Paulo. "A tendência da padaria que não se atualiza é morrer ou ser comprada."
Com opções variadas de refeições, pizzas e sopas, o cardápio da Aracajú é renovado com frequência para acompanhar o preço dos ingredientes. Pratos econômicos diversos, a um valor fixo de R$ 31,90, e novos lanches com frango são alguns dos acréscimos recentes apontados por Alberto.
A cerca de 5,5 km da Aracajú, outro estabelecimento resiste, mantendo características de uma padaria de bairro raiz sem se fechar às novidades. Além da clientela fiel e foco no atendimento, a Rodésia Pães e Doces tem uma fachada aberta e faz questão de anotar os pedidos em comandas de papel.
"É diferente de uma padaria de rede", diz o dono Manoel Tomé Pereira, 62.
Fundado em 1982 e localizado na Vila Madalena, zona oeste da cidade, o negócio passou a incorporar diferentes opções ao cardápio e, atualmente, tem o café da manhã e o almoço como carros-chefe.
O estabelecimento, porém, ainda não recuperou o fluxo de clientes de antes da pandemia, quando saíam cerca de 3.000 pães franceses por dia. Hoje, as vendas estão na casa das 2.000 unidades, a R$ 21,90 o quilo.
Novos empreendimentos imobiliários no bairro têm trazido impactos adicionais. O fechamento da Mercearia São Pedro, cujo imóvel ficava a 60 metros de distância e foi comprado por uma incorporadora, deixou o entorno mais ermo, de acordo com Manoel.
Para Heliana Comin Vargas, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e vice-coordenadora do Laboratório de Comércio e Cidade (LabCom), a tendência à verticalização em bairros da capital faz com que os comerciantes acabem espremidos pelos grandes prédios.
"Se demorar para vender, ele nunca mais vai conseguir repassar o imóvel, porque ninguém vai se interessar em construir em um espaço tão pequeno", explica.
É essa a aposta de Manoel. O locador do imóvel ocupado pela Rodésia já recebeu propostas, todas recusadas. "Agora ele não vende mais, porque só sobrou esse [imóvel] aqui no meio", diz.
Como cerca de 70% das panificadoras da capital paulista existem em imóveis alugados, o assédio de incorporadoras causa receios. Um dos mecanismos favoráveis às padarias é a duração do contrato de locação, que costuma ser de cinco anos, com direito a ação renovatória.
Para Rui Gonçalves, do Sampapão e também proprietário de panificadora, a verticalização dos bairros contribui para alterar a dinâmica de consumo. Surge um novo desafio, diz ele: o de competir com pontos quentes criados nos condomínios, como trailers e feiras gastronômicas, que tendem a reter os moradores.
"Isso acabou prejudicando a porcentagem da padaria justamente porque os prédios estão oferecendo mais mordomias."
Embora de maneira menos acentuada, outra Vila em que edifícios vêm tomando o lugar de casas é a Pauliceia, na região norte de São Paulo. Com os novos prédios, cuja maioria não oferece garagem, há mais carros estacionados nas ruas, o que aumenta a competição por vagas nos arredores da padaria Estado Luso.
"Acaba afastando muito a clientela, que precisa dar voltas [até encontrar vaga]", afirma Renan Botelho, 32, um dos sócios. "Apesar de morar perto, muita gente usa o carro para vir porque estamos em um ponto mais alto", completa.
O negócio, criado em 1965, é comandado por sua família desde 1992, mesmo ano em que nasceu. "Eu brinco que a Estado Luso é minha irmã mais nova. Nasci em 7 de março e meu pai entrou no quadro societário dois dias depois."
A verticalização tem um possível impacto positivo, na visão de Renan. Ele espera ganhar novos clientes nas proximidades da panificadora, que também aposta na fidelização e viu o fluxo aumentar após a pandemia.
Vendidos a R$ 22,50 o quilo, os pãezinhos alcançaram a média diária de 8.000 unidades; antes da covid, o número rondava os 5.000.
Diferentemente de outras padarias, o foco da Estado Luso são os produtos de balcão. "Nossa copa não é o ponto principal do faturamento. Ainda temos a ideia do pão como o principal chamariz —e queremos continuar assim ", acrescenta o sócio.
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