Descrição de chapéu Venezuela

Pressão internacional é única forma de Maduro sair, afirma líder opositora

María Corina Machado considera que manifestantes estão de pé, mas atribui ruas vazias à repressão

María Corina Machado, de camisa branca e cabelo solto, com a mão no peito; ela aparece do ombro para cima; ao fundo, esmaecida, uma estante de livros
A ex-deputada María Corina Machado fala durante entrevista em novembro - Federico Parra - 23.nov.17/AFP
Caracas

Impedida de sair da Venezuela desde 2014, por ordem do regime ditatorial de Nicolás Maduro, e proibida de pegar voos domésticos, a ex-deputada opositora María Corina Machado, 50, do partido Venha Venezuela (direita liberal), viaja por terra para protestos contra o chavista.

Em entrevista à Folha na sede de seu partido em Caracas, ela afirma que a população do interior do país vive uma emergência humanitária, mas não tem como ser ouvida.

"Há um apagão informativo em grande parte do país, porque não há mais cobertura da imprensa nacional ou internacional, as estradas são interditadas por horas impedindo a população de ir comprar comida ou remédios em outra cidade. E falta eletricidade, portanto não se pode divulgar nada pelas redes sociais."

Sobre as eleições presidenciais do próximo dia 20, Corina diz: "Não é que estou pregando a abstenção, e sim afirmando que isso não será uma eleição, e sim uma nova fraude, não podemos ir às urnas, pois não adiantará nada e seremos cúmplices da ditadura".

Nem mesmo sabendo que um opositor está adiante nas pesquisas de intenção de voto? "Não, porque Henri Falcón é parte do jogo do governo, é de interesse do regime que haja um opositor como ele, enquanto os outros estão impedidos de concorrer."

Corina conta que voltou da fronteira com a Colômbia sem esperanças ao ver o esquema de contrabandistas de mercadorias e pessoas, ao qual chamou de máfia, e conversar com refugiados.

"Ninguém vai embora feliz, é muita tristeza ver pessoas deixando para trás os pais idosos, ou as crianças pequenas, que ficam com os avós."

Para ela, o êxodo atual é só o começo de uma situação que deve se agravar com a hiperinflação projetada para este ano —13.800%, segundo o FMI. "Aí sim teremos a tragédia completa, haverá campos de refugiados com milhares de venezuelanos nos países vizinhos."

A ex-deputada diz acreditar que não há saída da crise por meio das urnas. "Não se trata só de uma ditadura, e sim do crime organizado no poder, um narcoestado que entregou seu território para que aqui encontrassem refúgio as dissidências das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e do ELN (Exército de Libertação Nacional), cartéis mexicanos e células de grupos terroristas islâmicos."

A solução, para a líder opositora, é continuar a pressão, dentro e fora do país. Crê que os universitários "estão de pé, e com muita valentia para enfrentar essa situação", embora as manifestações de rua tenham se reduzido, "porque existe também o medo generalizado da repressão".

Corina também considera relevante o fato de os juristas escolhidos pela Assembleia Nacional opositora para compor o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) e deixaram a Venezuela terem juntado provas para processar Maduro no exterior.

E defende as sanções aplicadas contra o governo na Suíça, no Panamá, nos EUA e na União Europeia. "Gostaria muito de ver o Brasil e a Argentina colocando sanções também, assim como o Chile e o Peru."

Para a opositora, as posições firmes de presidentes da região e as sanções existentes provocaram divisões no regime. "Nas Forças Armadas já há camadas, principalmente as que não se beneficiam tanto do sistema, que estão contra o governo, na Justiça, na PDVSA [petrolífera estatal], há muita divisão. É uma questão de persistência", afirma.

Indagada sobre se não considerou brando o documento do Grupo de Lima na última Cúpula das Américas, que não fez menção direta a não reconhecer o pleito do dia 20, Corina afirmou: "O Grupo de Lima já se posicionou contra a Assembleia Constituinte e as decisões que dela emanam. E essa eleição vem daí."

E, sobre o fato de presidentes como Mauricio Macri (Argentina) e Juan Manuel Santos (Colômbia) terem dito abertamente que não reconhecerão os resultados, mas o Brasil não ter afirmado isso, a opositora disse que o país deveria ter consciência de reconhecer o que chamou de narcofraude.

"O Brasil vem respaldando nossa posição e nos ajudado muito, espero que atue assim também no dia 20 de maio. Pedimos ao Brasil e à comunidade internacional um não reconhecimento da eleição."

E conclui: "A única maneira de fazer Maduro sair é que o barulho internacional e as dificuldades para ele sejam maiores que o que está ganhando ao ficar."


Lílian Tintori, mulher de antichavista, relata intimidação em casa

A ativista Lilian Tintori, 39, mulher do ex-prefeito Leopoldo López, líder do partido Vontade Popular (direita), que está em prisão domiciliar, também não considera as eleições legítimas.

"Não será uma escolha livre, há opositores presos ou com direitos políticos cassados, o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) não é digno de confiança, e provavelmente haverá fraude, então não vamos votar", disse Tintori à Folha, em entrevista na sede do partido, em Caracas.

De longe, por trás de uma mulher de cabelo curto, Lilian Tintori aparece sentada com uma camiseta branca com uma foto estilizada de Leopoldo López com as cores da bandeira da Venezuela
Lilian Tintori, mulher do opositor Leopoldo López, cuja foto aparece estilizada na camisa dela, participa de assembleia popular nas ruas de Caracas - Juan Barreto - 17.mar.18/AFP

Tintori virou líder de um grupo de mulheres que têm seus maridos presos devido à militância. "Minha atuação não é política, mas sim de ativista pelos direitos humanos. Me sinto com a obrigação de denunciar o que está acontecendo aqui para o mundo. Esta é uma ditadura que continua prendendo e torturando."

Ela viajava pelo mundo fazendo campanha pela liberação dos cerca de 5.000 presos políticos da Venezuela até setembro, quando o governo confiscou seu passaporte.

"O que faço então é levar denúncias às embaixadas, coleto informações".

Para Tintori, a situação deixou de ser uma "crise" humanitária para ser uma "emergência", "temos 90% de escassez de remédios, de 5 a 6 crianças morrendo de desnutrição por semana e 6 de cada 10 venezuelanos declaram que vão dormir com o estômago vazio."

Tintori afirma que o casal, que recentemente ganhou uma terceira filha, Federica, tem um cotidiano de intimidação constante. "A cada quatro horas um funcionário do Sebin (Serviço de Inteligência Bolivariana, a polícia política do chavismo) entra para tirar uma foto de Leopoldo com o jornal do dia."

O político tem passado seus dias entre leituras, conversas por videochamadas monitoradas (ele é proibido de opinar sobre a situação na Venezuela), treinos de boxe e fazer as tarefas de casa com os dois filhos mais velhos.

"Vivemos em alerta, eu com medo de não voltar para casa cada vez que saio, e todos com medo que entrem novamente para leva-lo à prisão", diz.

Tintori afirma que a saída da ditadura por meio das urnas será difícil, e prefere a pressão internacional por meio da OEA (Organização dos Estados Americanos) e da ONU, além dos apoios regionais.

Indagada sobre a apatia das ruas, Tintori lamenta, mas diz que compreende.

"Como pedir que as pessoas saiam as ruas se nos matam? Mas esses crimes de lesa humanidade estão registrados, e vamos cobrar por eles num futuro próximo."

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