Dupla de secretários deixa governo e joga pressão em May por 'brexit'

Em menos de 24 horas, primeira-ministra britânica perdeu dois de seus principais auxiliares

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Londres

Na semana em que completa dois anos no poder, a primeira-ministra britânica, Theresa May, registrou um saldo de três baixas em sua equipe em menos de 24 horas, e enfrenta um dos momentos de maior pressão desde o início do seu atribulado governo.

Entre o domingo (8) e a segunda-feira (9), renunciaram o secretário das Relações Exteriores, Boris Johnson, o secretário do governo para o “brexit”, David Davis, e seu número dois no Departamento da Saída da EU, Steve Baker. A saída desses que eram alguns dos seus secretários mais importantes, e de maior confiança do partido, está sendo vista como o maior desafio a May desde que os conservadores (tories) perderam a maioria absoluta no Parlamento, em junho do ano passado.

A debandada do governo ocorreu depois que May anunciou, na sexta (6), que seu governo havia chegado a uma posição comum para a criação de uma área de livre-comércio entre o Reino Unido e a União Europeia após o “brexit”. Apesar do tom confiante de May, o anúncio foi recebido com fortes críticas dentro do seu partido.

A primeira-ministra britânica Theresa May (dir.) ao lado dos dois secretários que pediram demissão: David Davis (esq.) e Boris Johnson, durante encontro do gabinete em Londres
A primeira-ministra britânica Theresa May (dir.) ao lado dos dois secretários que pediram demissão: David Davis (esq.) e Boris Johnson, durante encontro do gabinete em Londres em 2016 - Peter Nicholls - 28.nov.2016/AFP

Pelo projeto de manutenção de livre-comércio, o governo britânico se comprometeria a manter regras da UE para bens e produtos agrícolas. Parlamentares a favor de um rompimento mais radical argumentam que a proposta prende o Reino Unido ao bloco e dificulta novos acordos no resto do mundo.

A primeira evidência de que o acordo anunciado era uma ilusão foi registrada dois dias depois, quando Baker e Davis, até então responsável por negociar a saída do país da União Europeia, pediram demissão. Davis não só saiu, como divulgou uma carta em que criticou as políticas defendidas por May. “A direção geral da política nos deixará, na melhor das hipóteses, numa posição de negociação fraca e possivelmente inescapável”, disse.

Nesta segunda (9), Johnson, que havia ajudado a costurar muitos dos acordo do “brexit” dentro do governo, decidiu também abandonar o governo. Em sua carta de renúncia, ele acusou May de se render às demandas da UE. “O sonho do ‘brexit’ está morrendo”, disse.

Ele será substituído pelo deputado conservador Jeremy Hunt, que antes cuidava da pasta da Saúde.

As saídas dos secretários estão sendo tratadas em Londres como um abalo nas bases do governo May. Davis era visto por muitos entre os tories a favor do “brexit” como um dos principais articuladores para uma saída da UE nos moldes defendidos pelo partido. Johnson, por outro lado, é um dos políticos mais populares e controversos do país e um dos principais porta-vozes dos defensores do “brexit” no Reino Unido desde antes do plebiscito de junho de 2016.

As renúncias aprofundam a crise no governo e aumentam as chances de novos pedidos de demissão e da convocação de uma votação para retirar a primeira-ministra do poder.


Cronologia de Theresa May no poder

Chegada ao Parlamento é eleita em maio de 1997 representando Maidenhead

Primeiros passos no governo em maio de 2010 assume o cargo de secretária do Interior, na gestão de David Cameron

Efeito 'brexit' Em plebiscito em 23 de junho de 2016, Reino Unido decide pela saída da União Europeia. No dia seguinte, o premiê David Cameron anuncia sua renúncia. Em 13 de julho, May assume como primeira-ministra do Reino Unido, a segunda mulher a ocupar o cargo

Promessa Defende em setembro de 2016 a necessidade de estabilidade no país e nega que vá convocar uma nova eleição

Ida aos EUA Em janeiro  de 2017 vai aos EUA e se torna a primeira líder estrangeira a se encontrar com Donald Trump após a posse do americano

Recuo da promessa Em abril de 2017 convoca uma eleição especial para o Parlamento, argumentando que precisa de um governo forte para negociar o "brexit"

Atentados Ataque terrorista em 22 de maio mata mais de 20 pessoas em um show em Manchester. Duas semanas depois, houve nova ação, agora na Ponte de Londres, também com mortos e feridos

Recuo nas urnas Britânicos votam em junho de 2017 na eleição geral para o Parlamento. Conservadores vencem, mas perdem a maioria (de 330 cadeiras ficaram com 318; é preciso ter 326 para ter maioria). May negocia com o DUP, da Irlanda, para formar governo

Saída de secretários Em novembro, o secretário de Defesa, Michael Fallon, renuncia após acusações de conduta sexual imprópria. Com as saídas anunciadas neste mês, já são sete os secretários que deixaram o governo da premiê britânica no último ano

De olho em Moscou Em março de 2018, Reino Unido acusa Rússia de envenenar ex-espião e expulsa diplomatas

Fuga de aliados Secretário encarregado do 'brexit', David Davis, pede demissão no domingo (8). No dia seguinte foi a vez do chanceler Boris Johnson


May rejeitou a acusação de estar fazendo muitas concessões à UE. Ela argumenta que seu plano é de um divórcio “suave e ordeiro”, para que o Reino Unido possa criar suas próprias leis e fazer acordos comerciais.

Um porta-voz de May disse que ela resistirá qualquer tentativa de derrubar seu governo. Em um discurso no Parlamento após as renúncias, a primeira-ministra admitiu divergências internas sobre o “brexit” levaram às renúncias. Ela afirmou que a UE precisa trabalhar de maneira construtiva com a proposta de seu governo para que o Reino Unido não deixe o bloco sem um acordo.

A primeira-ministra britânica Theresa May em discurso nesta segunda (9) no Parlamento
A primeira-ministra britânica Theresa May em discurso nesta segunda (9) no Parlamento - PRU/AFP

Na tentativa de estancar a sangria, May escolheu o deputado Dominic Raab para ser o novo secretário do “brexit”. Raab, 44, é advogado, foi ministro da Habitação e foi eleito ao Parlamento em 2010. Ele é conhecido por ser forte defensor da saída da UE. Já Baker será substituído por Chris Heaton-Harris. Segundo a revista The Economist e o jornal the Guardian, a indicação e o discurso de May foram bem vistos pelo partido, e podem indicar que ela vai ter uma postura mais forte nas negociações.

Além da pressão dentro do seu próprio partido, May também foi criticada pela oposição. Durante sessão no Parlamento nesta segunda, o líder trabalhista, Jeremy Corbyn responsabilizou a primeira-ministra pelo que chamou de “bagunça”. “A equipe apontada por ela para garantir esse acordo para nosso país pulou do barco afundando”, disse.

A saída do Reino Unido do bloco está marcada para 29 de março de 2019, e May deve divulgar na quinta (12) a íntegra de seu plano para o “brexit”. Mesmo assim, a UE vem advertindo de que o tempo para chegarem a um acordo está terminando. O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, afirmou nesta segunda que o “brexit” está longe de ser resolvido e que nada mudou após a saída de Davis.


O gabinete de Theresa May está dividido entre os que defendem um 'brexit duro' e um 'brexit leve'

Brexit leve País fica  fora da União Europeia,  mas mantém acesso ao mercado único europeu.  Para isso, o Reino Unido teria de permitir o livre fluxo de bens, serviços, capital e pessoas

Brexit duro Relação entre o Reino Unido e a UE seria regida pela lei internacional e não pela legislação do bloco europeu

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Temas como fronteira física entre Irlanda do Norte e Irlanda e se submeter a regras da UE

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