Desprezados por Trump, testes de mísseis norte-coreanos indicam arsenal cada vez mais avançado

Segundo presidente americano, Kim Jong-un 'gosta de testar mísseis, só isso'

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David E. Sanger William J. Broad
The New York Times

Enquanto a Coreia do Norte disparou uma série de mísseis nos últimos meses –pelo menos 18 desde maio—, o presidente Donald Trump descartou várias vezes a importância dos mísseis testados, dizendo que são de curto alcance e que os testes são “muito padronizados”.

Apesar de ter admitido que “pode ter ocorrido uma violação das [normas das] Nações Unidas”, o presidente afirma que quaisquer receios expressos são exagerados.

Como explicou Trump recentemente, o líder norte-coreano, Kim Jong-un, “gosta de testar mísseis, só isso”.

Autoridades de inteligência americanas e especialistas externos chegaram a uma conclusão muito diferente: que os lançamentos minimizados por Trump, incluindo dois no final do mês passado, permitiram a Kim testar mísseis de maior alcance e manobrabilidade, que seriam capazes de superar as defesas dos EUA na região.

O ministro da Defesa do Japão, Takeshi Iwaya, disse a repórteres em Tóquio na semana passada que as trajetórias irregulares seguidas pelos mísseis testados mais recentemente constituem mais evidências de um programa projetado para derrotar as defesas instaladas pelo Japão, com tecnologia americana, no mar e em terra.

Para alguns especialistas externos, o processo pelo qual Kim lisonjeia Trump com cartas sedutoras e encontros ocasionais oferecendo garantias vagas de um desarmamento nuclear eventual faz parte do que eles consideram ser a estratégia do líder norte-coreano para comprar tempo para aprimorar seu arsenal, a despeito de todas as sanções impostas a seu país.

Uma análise feita pelo NYT dos alcances dos mísseis concluiu que o aprimoramento rápido dos mísseis de curto alcance não apenas cria perigo maior para o Japão e a Coreia do Sul, como também ameaça pelo menos oito bases americanas nesses países onde mais de 30 mil soldados estão estacionados.

Esses mísseis, dizem especialistas, podem ser projetados para carregar ogivas convencionais ou nucleares.

“Kim está explorando com grande inteligência as brechas contidas em seus acordos com o presidente Trump”, comentou Vipin Narang, professor de ciência política no MIT e estudioso dos avanços nos armamentos da Coreia do Norte.

“Estes mísseis são lançados a partir de plataformas móveis, eles são velozes, voam muito baixo e são manobráveis. É um pesadelo para a defesa antimísseis. E é apenas questão de tempo para essas tecnologias migrarem para mísseis de alcance mais longo.”

Trump diz que, durante um encontro em Singapura 14 meses atrás, Kim se comprometeu com ele a não testar mísseis balísticos intercontinentais ou realizar testes nucleares enquanto as negociações estivessem em curso e que ele vem cumprindo a promessa apesar de não haver negociações substantivas desde que uma segunda cúpula em Hanói, em fevereiro, ter terminado em um impasse.

Mas a mídia estatal norte-coreana deixou claro na semana passada que o país não enxerga limites desse tipo quando se trata de aprimorar outras tecnologias de mísseis, dizendo que o país jamais vai concordar com a exigência do Ocidente de “desarmamento sob pressão para apaziguar a chamada ‘sociedade internacional’”.

Kim, por sua vez, não tem hesitado em alardear seus avanços mais recentes em matéria de mísseis, assistindo a muitos dos testes e divulgando fotos de comemorações dos lançamentos feitas na companhia de um grupo de oficiais que vem levando adiante o desenvolvimento dos mísseis, ao mesmo tempo em que a diplomacia está parada.

Uma estimativa da Agência de Inteligência da Defesa, circulada neste verão americano entre funcionários seletos do governo americano, calculou que desde o encontro histórico dos dois presidentes em Singapura a Coreia do Norte já produziu combustível suficiente para aproximadamente uma dúzia de novas armas nucleares.

Segundo um ex-funcionário sênior, outras agências de inteligência fazem estimativas mais conservadoras, mas todas apontam para um arsenal crescente de bombas.

O secretário da Defesa, Mark Esper, disse a jornalistas na quarta-feira (28): “estamos preocupados” com os testes norte-coreanos de mísseis, mas “não vamos reagir exageradamente”, para preservar os esforços para chegar a uma solução diplomática.

Mesmo assim, segundo autoridades japonesas e sul-coreanas, o secretário de Estado, Mike Pompeo, que assumiu a liderança do esforço para privar a Coreia do Norte de seus mísseis e suas armas nucleares, indicou a colegas estrangeiros em reuniões reservadas nas semanas recentes que teme que a administração americana esteja sendo ludibriada.

Pompeo é mais circunspecto em público. Ele disse à CBS recentemente: “não voltamos à mesa de negociações tão rapidamente quanto gostaríamos, mas sempre soubemos que haveria obstáculos ao longo do caminho”.

Mas os obstáculos vêm ficando muito maiores nos últimos meses, quando Pyongyang começou a lançar míssil após míssil, testando pelo menos três tipos novos.

Os testes expuseram a capacidade da Coreia do Norte de consistentemente lançar mísseis de combustível sólido que são mais fáceis de esconder nas montanhas e que poderiam ser posicionados rapidamente sobre lançadores móveis e disparados antes de os EUA conseguirem reagir.

“Kim entende do que está fazendo”, comentou Narang, o professor do MIT. “Ele provavelmente acha que Trump vai tolerar uma Coreia do Norte nuclearizada, desde que ela não teste armas nucleares e mísseis balísticos intercontinentais, já que isso humilharia Trump e dissiparia a visão de que ele conquistou algum tipo de vitória” com sua diplomacia.

Funcionários da administração contestam essa visão e dizem que os testes são sintomas de a Coreia do Norte estar tentando desesperadamente acabar com a “pressão máxima”, que é como Pompeo descreve as sanções que os EUA impuseram ao país.

E há algumas evidências que fundamentam sua posição: a mídia oficial norte-coreana recentemente descreveu o secretário de Estado como uma “toxina renitente”.

Se existe alguma lição a tirar das provocações norte-coreanas recentes, é que Kim claramente está seguindo uma estratégia própria de pressão máxima.

Em 2015 e 2016 uma porcentagem altíssima dos testes de mísseis norte-coreanos foi um fracasso. Alguns funcionários de inteligência e especialistas externos vincularam pelo menos alguns desses reveses a um esforço secreto do Pentágono para sabotar os lançamentos com ataques eletrônicos e cibernéticos.

Mas em 2017, o primeiro ano de Trump no poder, Kim adotou novos projetos e conduziu 14 lançamentos bem-sucedidos, principalmente de mísseis de médio e longo alcance, levantando pela primeira vez a possibilidade preocupante de conseguir alcançar todo o território dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo ele conduziu uma série de testes nucleares, incluindo um teste da maior arma norte-coreana até então, que ele descreveu como uma bomba de hidrogêncio.

Esses êxitos levaram Trump primeiramente a ameaçar com “fogo e fúria como o mundo nunca viu” e depois a iniciar a dança diplomática que levou à cúpula do ano passado em Singapura, que foi a primeira vez em que um presidente americano no exercício do cargo se reuniu com qualquer membro da família Kim.

Depois do encontro, Trump disse que a Coreia do Norte estava a caminho do desarmamento e que ele esperava ver resultados importantes dentro de seis meses.

Por quase um ano depois disso Kim aparentemente se absteve de disparar mísseis, possivelmente na esperança de que a administração Trump aliviasse as sanções.

Mas o esforço diplomático atolou na segunda cúpula, esta realizada em Hanói. Kim se ofereceu a fechar o importante complexo nuclear norte-coreano em Yongbyon –mas não outras instalações nucleares nem sítios de mísseis—em troca do levantamento das sanções mais pesadas. Trump rejeitou a oferta devido à insistência de Pompeo e de seu assessor de segurança nacional John R. Bolton.

Parece agora que Kim está revertendo à tática que funcionou bem para ele dois anos atrás: escalando testes para mostrar que possui novas capacidades.

A leva mais recente de testes começou no início de maio, quando a Coreia do Norte disparou um míssil de dez metros de altura a partir de um caminhão de oito rodas.

Analistas disseram que foi um foguete de combustível sólido que pode ser lançado em questão de minutos, diferentemente dos mísseis de combustível líquido, que podem exigir horas de preparo.

A Coreia do Norte conduziu ao todo oito testes de voo do novo míssil em maio, julho e agosto. Foi averiguado que o alcance máximo do míssil foi aproximadamente 690 km, segundo o Centro de Estudos de Não Proliferação, uma organização privada de Monterey, Califórnia.

Se for aperfeiçoado, o míssil pode atingir toda a Coreia do Sul, incluindo pelo menos seis bases americanas, e partes do sul do Japão, incluindo duas bases americanas grandes.

No final de julho e início de agosto a Coreia do Norte estreou outro tipo de míssil, juntamente com um novo sistema de lançamento. Escrevendo na “38 North”, uma publicação respeitada sobre a Coreia do Norte, Vann H. Van Diepen, que até 2009 foi diretor de armas de destruição em massa do Escritório do Diretor de Inteligência Nacional, descreveu o sistema como uma nova geração de armas capazes de disparar um número desconhecido de mísseis simultamente. O tipo antigo podia disparar oito de uma vez.

Ele escreveu que o alcance do míssil recém-testado é 250 km, mais ou menos 65 km mais que a versão mais antiga. Van Diepen disse que o novo sistema aumentará a capacidade norte-coreana de submeter alvos americanos e sul-coreanos a “ataques por saturação”, que também conseguem derrotar sistemas de defesa antimísseis.

No início de agosto a Coreia do Norte testou duas vezes um terceiro novo míssil. Analistas ainda não determinaram que avanços ele pode representar.

Então, no final de agosto, a Coreia do Norte disparou dois projéteis de algo que descreveu como um “lançador super-grande de foguetes múltiplos”. Narang, do MIT, disse que o sistema seria novo. Se sim, pode ser o quarto sistema de mísseis a estrear este ano, possivelmente mais uma versão do lançador de foguetes múltiplos.

Tradução de Clara Allain

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