Museu lembra histórias de vítimas da ditadura na Nicarágua

Iniciativa foi de mães e familiares de assassinados em protestos que eclodiram em 2018

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São Paulo

Museus em memória de acontecimentos históricos costumam ser inaugurados vários anos após os fatos que querem preservar. Mas um grupo de mães na Nicarágua não quis esperar.

A Associação das Mães de Abril (AMA), formada por parentes de pessoas mortas na onda de protestos contra a ditadura de Daniel Ortega iniciada em abril de 2018, inaugurou neste mês o Museu da Memória Contra a Impunidade. As manifestações, duramente reprimidas, deixaram ao menos 328 mortos, segundo a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos).

Visitantes na exposição de abertura do Museu da Memória da Nicarágua
Visitantes na exposição de abertura do Museu da Memória da Nicarágua - Divulgação

O museu é virtual e traz biografias, fotos, depoimentos de parentes e relatos dos acontecimentos ligados a sua morte. 

Para o lançamento, foi organizada exposição temporária em Manágua, com mais de 200 objetos que pertenceram às pessoas assassinadas, na Universidade Centroamericana (UCA), uma das poucas livres do controle do governo.

“O museu nasceu da necessidade de dignificar nossos familiares. Queremos promover a reconstrução ativa da memória deles, um contraponto à narrativa oficial que criminaliza as vítimas”, diz a diretora, Emilia Yang Rappaccioli. Integrante da AMA, ela perdeu um tio assassinado a tiros por paramilitares no dia 26 de junho. Segundo Emilia, o museu é também contraposição ao clima de impunidade no país. “Nenhum caso foi esclarecido ou levado à justiça”.

Entre os objetos expostos, há uniformes esportivos e profissionais, diplomas, sapatos, livros, mochilas e troféus. Muitos dos assassinados eram adolescentes e jovens. 

Legendas explicam o significado de cada peça nas palavras da família: “O gorro que usava no dia em que foi assassinado”. Outra explicação, junto a uma tartaruga de pelúcia, diz: “Seu brinquedo favorito desde bebê, que ele sempre levava em seu bracinho”. Ao lado de um estilingue, lê-se: “Era a única arma que tinha”.

Houve ainda um trabalho de documentação. As famílias criaram mapas virtuais com os lugares por onde as vítimas estiveram desde que saíram de casa até o momento em que foram assassinadas e, depois, veladas e enterradas.

A exposição traz também mapas desenhados à mão, uma sala com fotos das famílias pedindo justiça e áudios com depoimentos.

“Muitos visitantes saem chorando”, diz Emilia. “O governo tirou todos os espaços de memória, arrancou cruzes colocadas nas rotatórias em homenagem aos mortos, proibiu mobilizações por justiça. Não permitiu que as pessoas chorem esse luto, então muitas vêm e se emocionam.”

O acervo está em aberto, e mais vítimas podem ser incluídas. A diretora diz que lançar a iniciativa com a ditadura ainda em curso tem a ver com a batalha para evitar mais assassinatos. “Não quisemos esperar. As famílias têm um compromisso com a luta pela verdade, pela justiça e pela não repetição do que aconteceu.”

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