Descrição de chapéu Queda do Muro, 30

Alemães-orientais perderam segurança do Estado após queda do Muro

Reunificação alterou pouco a vida de quem vivia no Oeste, mas mudou tudo no Leste

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Berlim

“Estamos muito longe de uma situação unificada mental e intelectualmente”, avalia Albrecht Thiemann, 61, editor da revista “Opernwelt” (mundo da ópera). Alemão-ocidental, ele vive em Berlim desde a década de 1970, quando foi guia de turismo na cidade.

Thiemann afirma que a reunificação pouco alterou a vida do lado capitalista do Muro, a não ser por um imposto de solidariedade, a taxa apelidada de “Soli”, que os “wessis” pagavam para custear as bilionárias transferências para os “ossis”. Do lado socialista, entretanto, tudo mudou.

Homem martela trecho do muro - Fabrizio Bensch/Reuters

“As pessoas tendem a esquecer isso. Da seguridade social à maneira como funcionavam os correios, os bancos —tudo virou de pernas para o ar.”

A maioria, diz, estava mais do que pronta para se livrar da ditadura, mas eles perderam um Estado que os protegia. Não havia risco de ser relegado por falta de dinheiro ou mau desempenho no trabalho.

“Muita coisa dura de viver, nada para se sentir nostálgico —a não ser pela densa rede social. Obviamente era também uma maneira de controlar as pessoas, que, no entanto, podiam viver uma vida modesta, mas confortável e segura.”

Eleitores têm memória curta, porém, e alemães-orientais não escapam à regra. Queixam-se, com certa razão, da estagnação recente: em 13 anos, a diferença de salários entre Leste e Oeste reduziu-se a meros quatro pontos percentuais —eram 20% menores em 2005 e hoje ficam 16% abaixo.

Uma perspectiva mais longa, no entanto, revela que houve avanço notável. No primeiro ano após a reunificação, em 1991, a renda per capita nos estados da antiga RDA (República Democrática Alemã, socialista) era apenas 61% da registrada no lado ocidental; em 2017, já alcançava 86%.

O grande obstáculo para a equiparação socioeconômica, hoje, é a diferença de produtividade, afirma ​Wolfgang Schäuble. Segundo o Instituto Leibniz de Pesquisa Econômica em Halle, um trabalhador oriental produz 20% menos que um ocidental.

Uma das razões para isso seria a ausência de grandes empresas no Leste, pois elas se mudaram para o lado capitalista nos primeiros anos do pós-guerra, quando a Alemanha Oriental ficou sob domínio soviético. E não voltaram.

Assim, não sobraram quase firmas com porte suficiente para investir em pesquisa e empregar mão de obra de alta qualificação. Não por acaso, apenas 1,7% dos altos dirigentes empresariais da Alemanha unificada têm origem oriental.

Faltou tempo, nos meros 11 meses entre a queda do Muro de Berlim e a reunificação, de preparar meios de produção e trabalhadores para enfrentar a avalanche capitalista. Mesmo com mais vagar, é duvidoso que se pudesse preservar muita coisa da atrasada e poluidora economia planificada da RDA.

“Os alemães-orientais queriam estar o quanto antes sob proteção da RFA (República Federal da Alemanha, capitalista)”, conta o social-democrata Thierse. O segundo fator de aceleração do processo, para ele, foi o colapso da economia oriental. O terceiro, incerteza na política externa: “Ninguém sabia até que ponto a União Soviética concordaria com uma Alemanha reunificada”.

Para o ex-presidente do Bundestag (Parlamento alemão), apesar de materialmente bem, as pessoas estão cheias de ansiedade e incertezas, o que facilita a vida da AfD (Alternativa para a Alemanha, partido de ultradireita que vem ganhando espaço especialmente no leste do país).

Na Alemanha Oriental, esse sentimento seria ainda mais agudo, por força de todas as transformações vividas nas três últimas décadas.

“Elas sentem falta das respostas fáceis, claras e rápidas, e esse é o momento dos populistas”, lamenta.
“E ainda por cima há a distopia de uma catástrofe ecológica no mundo. Além dos desafios da globalização, da transformação digital, do terrorismo e das guerras, há agora também os medos ecológicos.”

Muitos alemães-orientais se sentem cidadãos de segunda categoria, concede Marianne Birthler. Por isso ressurge um debate intenso sobre as diferenças entre Alemanha Ocidental e Oriental, já que os resultados eleitorais são tão diferentes de um lado e de outro.

A ativista de direitos civis se incomoda, porém, com a persistência da dicotomia entre “wessis” e “ossis”, que considera grosseira: “Costumo dizer que não existem alemães-orientais, há pessoas como eu e há pessoas que votam no partido de ultradireita, a AfD”.

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