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Itamaraty quer lançar aliança com EUA e Japão em novo gesto anti-China

Plano de diálogo trilateral de alto nível foi apresentado pelos japoneses

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Brasília

Em um novo gesto anti-China, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, trabalha para lançar uma aliança estratégica com Estados Unidos e Japão para defender valores comuns na Ásia e na América Latina.

O plano —um diálogo trilateral de alto nível dos três países— foi apresentado no ano passado pelos japoneses, que viram no alinhamento do governo Jair Bolsonaro com os Estados Unidos uma oportunidade para propor a ideia ao Itamaraty.

Segundo interlocutores, Ernesto abraçou com entusiasmo o projeto, embora tenha sido alertado por subordinados que a concretização desse fórum será visto pela China, inevitavelmente, como uma provocação.

Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, ao lado do presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada - Ueslei Marcelino - 4.mai.20/Reuters

Em um dos primeiros esboços da nova aliança trilateral, de acordo com relatos feitos à Folha, o governo do Japão ressaltou que compartilha com EUA e Brasil valores comuns, como a defesa da democracia e do livre mercado.

A proposta ganhou corpo, e a expectativa de Ernesto é lançá-la nos próximos meses.

A preocupação levantada por diferentes setores do Itamaraty é que os Estados Unidos, no plano global, e o Japão, no regional, são atualmente os maiores antagonistas do governo chinês.

Ao aceitar integrar um fórum de diálogo político com esses dois atores, o Brasil seria levado a assumir posições sobre o delicado jogo de poder do Pacífico que desagradariam o maior parceiro comercial do país.

Apenas em relação ao agronegócio, a China comprou US$ 11,85 bilhões (R$ 58,84 bilhões) em produtos brasileiros no primeiro quadrimestre de 2020, segundo dados do Ministério da Agricultura.

Japoneses e americanos também são críticos do que consideram a presença cada vez mais agressiva da China na América Latina, seja como compradora de commodities e investidora em projetos de infraestrutura, seja pelo apoio político dado à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela.

Existe o receio de que esses debates também entrem na pauta da nova aliança, forçando o Brasil a abordar assuntos que criariam rusgas com os chineses.

Outro assunto que interlocutores consideram que EUA e Japão tentariam empurrar para dentro do diálogo trilateral é segurança da informação.

Os dois países dizem que a empresa chinesa Huawei não deveria fornecer equipamentos para redes de 5G, e os americanos pressionam o Palácio do Planalto para que o Brasil siga o mesmo caminho, em um novo flanco de disputa com Pequim.

A iniciativa de um diálogo trilateral articulada entre americanos e japoneses não é inédita.

Ambos os países têm alianças lançadas com Índia e Austrália. Nesses casos, são realizados encontros e contatos para discutir diversos assuntos, como ampliação do comércio e da segurança marítima na região do Indo-Pacífico.

No pano de fundo dessas articulações, é constante a preocupação com o avanço mundial de Pequim.

Procurada, a Embaixada do Japão em Brasília disse que não comenta o assunto. "Não há nada para poder responder até o momento. Também não está definida a realização do diálogo em questão", respondeu a missão diplomática.

A Folha questionou a Embaixada dos Estados Unidos, mas não obteve resposta. O Itamaraty tampouco respondeu.

A relação da administração Bolsonaro com a China é um dos principais pontos de divergência entre as chamadas alas pragmática e ideológica do governo.

Enquanto o vice-presidente, Hamilton Mourão, e os Ministérios da Economia e da Agricultura tentam evitar bolas divididas com os asiáticos, Ernesto, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) —filho do presidente— e o assessor especial para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, seguem a linha de Donald Trump de enfrentamento com Pequim.

Após meses de disputa, o lado pragmático parecia ter imposto sua visão no fim do ano passado, mas a eclosão da crise do novo coronavírus deu novo impulso para os ideológicos.

O momento mais tenso neste ano ocorreu em março, após Eduardo ter afirmado em suas redes sociais que o governo chinês era culpado pela pandemia.

"Quem assistiu a Chernobyl [série sobre o acidente nuclear de Tchernóbil] vai entender o que ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. Mais uma vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria inúmeras vidas. A culpa é da China e liberdade seria a solução", disse o filho do mandatário na ocasião.

A manifestação gerou dura reação do embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, que acusou Eduardo de promover um "insulto maléfico contra a China e o povo chinês".

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