Ao fim, como previam os conhecedores da política americana, o Partido Republicano cedeu ao peso dos 74.222.958 votos concedidos a Donald Trump em novembro de 2020 e salvou o ex-presidente dos Estados Unidos de mais um impeachment.
Mais importante, manteve com a absolvição pelo Senado neste sábado (13) os direitos políticos do republicano, que já se diz candidato à Casa Branca em 2024.
A carência de lideranças da agremiação, ao mesmo tempo causa e sintoma da ascensão do trumpismo em 2016, selou seu destino imediato ao do ex-presidente. Não poderia ser pior notícia para aquele que já foi o GOP, o Grandioso Velho Partido na sigla inglesa.
Eram necessários 17 votos da hoje oposição a Joe Biden contra Trump para confirmar o impeachment aprovado na Câmara dos Representantes de forma expressa em janeiro. Nem Mitch McConnell, o líder do partido no Senado que insinuava abandonar o ex-presidente, o condenou.
Com apenas sete votos dissidentes no GOP, ficou claro que o partido optou por não alienar o eleitorado motivado do último pleito.
Agora terá de lidar com duas questões subjacentes. A primeira é Trump. Banido por ora de redes sociais, ele dará um jeito de fazer barulho. Pesquisas o mostram como o líder republicano mais popular do país, com larga vantagem.
Parte do partido, egressa dos movimentos de extrema direita que floresceram do fim dos anos 2000 para cá, aplaude genuinamente o ex-presidente. Outra está de olho em herdar tal musculatura eleitoral.
Completando o quadro fratricida, há os republicanos mais tradicionais, que sempre tiveram horror ao histriônico ex-presidente, que também buscarão retomar controle sobre o partido. O voto do senador Mitt Romney contra Trump mostra essa intenção.
Mas ainda assim parece uma missão difícil. O jornal The New York Times fez uma enquete recente com dezenas de líderes estaduais e municipais do partido, a chamada base de apoio. O trumpismo impera.
A polarização que deu 81.283.098 votos para Biden na eleição americana com a maior participação popular percentual da história desde 1900 sugere que os ânimos seguirão mobilizados.
A falta de um palanque claro a Trump, privado da Casa Branca e com a hostilidade da mídia, será uma questão ainda a ser analisada.
O segundo nó para o Partido Republicano é mais complexo. Absolver Trump significou chancelar indiretamente as cenas de brutalidade do dia 6 de janeiro, quando a horda de nativistas, trumpistas e afins invadiu o Capitólio sob inspiração do então presidente.
Como os cinco dias de julgamento no Senado mostraram fartamente, ninguém estava lá porque acordou com uma súbita vontade de matar Mike Pence e Nancy Pelosi. Havia direcionamento claro, de cima, do líder.
É uma mancha indelével na história democrática americana, que de resto é cheia de episódios de violência e espasmos institucionais. O mito do farol do Ocidente é uma construção do século 20, mais precisamente após a Primeira Guerra Mundial, ganhando força na vitória na Segunda e com a Guerra Fria.
Dúvidas? Basta assistir a "Gangues de Nova York" (Martin Scorsese, 2002), com os mesmos nativistas em conflito com imigrantes e toda sorte de grupo étnico e social no século 19, com a política intercalada a batalhas campais naquilo que hoje é símbolo do cosmopolitismo dos EUA.
Os republicanos associaram-se ao episódio ao poupar a cabeça de Trump de olho nos votos do trumpismo. É um cálculo. A decapitação política do ex-presidente criaria um mártir, figura igualmente de difícil trato, e ainda arriscaria alienar os quase 75 milhões de eleitores amealhados.
Agora, além da culpa moral pelo 6 de janeiro, o partido terá de lidar com Trump, talvez o mais tóxico líder que o país já teve.
Numa nota lateral, deve ter havido comemoração nas casas do clã Bolsonaro e no gabinete de Ernesto Araújo no Itamaraty, dado o fervor da turma quando o assunto é Trump.
Populistas mundo afora trataram de se isolar do líder americano, como Binyamin Netanyahu (Israel) ou Viktor Orbán (Hungria). O mesmo não ocorreu no Brasil, tornando os trumpistas nativos em cúmplices políticos do 6 de janeiro.
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