Descrição de chapéu Brics

Após esmagar oposição em Hong Kong, China agora prepara seu enterro com novas leis

Apenas 'patriotas' poderão concorrer a cargos legislativos no território semiautônomo

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São Paulo

Após subjugar a oposição em Hong Kong, o governo chinês agora encaminha o enterro do que sobrou de regramento democrático no território semiautônomo em que irrompeu uma revolta que durou quase um ano.

Ao apresentar seu plano de trabalho anual ao Congresso Nacional do Povo, em Pequim, o premiê Li Keqiang estabeleceu linhas mestras que já eram esperadas e que deverão assegurar controle total da ditadura continental sobre a região.

Apoiadores de ativistas pró-democracia presos em Hong Kong fazem ato em frente à corte onde ocorreu o julgamento
Apoiadores de ativistas pró-democracia presos em Hong Kong fazem ato em frente à corte onde ocorreu o julgamento - Isaac Lawrence/AFP

Segundo disse à mídia estatal local Xia Baolong, principal autoridade chinesa para Hong Kong, "apenas patriotas irão governar a cidade".

O conceito foi cunhado em 1984 pelo então líder Deng Xiaoping e repetido em 2020 pelo poderoso ocupante atual da cadeira, Xi Jinping.

Como isso ocorrerá? Os detalhes não foram revelados, mas segundo analistas honcongueses o governo central terá poder de veto completo a candidatos que estiverem sob o que considerar "influência estrangeira" —ou seja, toda a oposição, na visão de Pequim.

Além disso, a composição do Conselho Legislativo será mudada: de 70 deputados (35 eleitos diretamente), haverá 90, indicados e sancionados por Pequim.

O comitê eleitoral da cidade de Hong Kong, que escolhe de forma indireta o executivo-chefe do território, passará de 1.200 para 1.500 membros, também em linha com os desígnios do governo central.

"É o fim de Hong Kong como a conhecemos, algo que iniciado no ano passado, e o processo será finalizado agora", afirmou o ativista John Lee, que pediu para usar um nome falso porque tem suas comunicações vigiadas desde que a repressão desceu com força na região em 2020.

Deverão ser afetados também os conselhos locais, o único ponto do sistema honconguês em que havia total liberdade partidária. Foi ali que começou o movimento que levou Pequim a intervir na cidade-Estado, ex-colônia britânica devolvida aos chineses em 1997 e que por lei deverá viver sob um regime híbrido até 2047.

O arranjo "um país, dois sistemas" serve muito economicamente a Pequim, que usa o desregulado capitalismo de Hong Kong como entreposto para transações internacionais. Mas a maior autonomia política, agora esmagada, sempre foi um nó a desatar.

Em 2019, a tentativa de implantação de uma lei para a extradição facilitada ao Judiciário da ditadura comunista gerou um levante popular, com violência nas ruas por meses.

Ele ganhou tons dramáticos, para Pequim, com a vitória esmagadora da oposição nas eleições de conselhos locais, equivalentes a vereadores, em novembro. Além disso, alimentando o discurso oficial de interferência externa, EUA e Reino Unido deram apoio direto aos opositores.

A onda arrefeceu um pouco e veio a pandemia, com seu efeito disruptivo em toda a sociedade. Assim, no encontro anual do plenário do Congresso em Pequim de 2020, foi apresentada uma nova Lei de Segurança Nacional para Hong Kong.

Na prática, ela acabou com o dissenso de forma dura: prisões, mesmo no exterior, e o estabelecimento de uma força repressora chinesa no território —algo que não era previsto na Lei Básica, a miniconstituição acertada com os britânicos antes de sua saída.

Lee foi preso num dos protestos contra a nova lei, em junho do ano passado. "Na prática, abandonamos as ruas, mesmo com a pandemia sob controle na cidade. O medo é enorme, veja o que aconteceu ontem [quinta, 4]", afirmou.

Ele se referia à manutenção da prisão de 47 ativistas pró-democracia pela Justiça local. Quatro foram soltos nesta sexta (5), sob fiança.

Segundo o jornal South China Morning Post, as eleições para o Conselho Legislativo previstas para setembro, adiadas com a desculpa da pandemia no ano passado, devem ganhar nova data novamente para que os acertos sejam feitos por Pequim.

O Legislativo já está sob intervenção por parte da ditadura desde novembro, quando foram vetados no Conselho deputados que tivessem defendido "ideias independentistas" —na realidade, a maioria dos opositores só quer manter autonomia prevista na Lei Básica, até porque 40% do eleitorado dos pleitos locais vota em partidos pró-Pequim.

Em outra sinalização, essa mais previsível, o plano de trabalho apresentado por Li também reafirma que Pequim não tolerará a ideia de que Taiwan possa se declarar independente.

Essa é uma ameaça recorrente, já que o governo considera a ilha capitalista e democrática uma província rebelde à espera da reabsorção pela ditadura. Taipé se fia na aliança que tem com os EUA, que lhe garante acesso a armamento, para dissuadir a China de uma invasão.

Tanto essa questão como a de Hong Kong seguem em alta no cardápio de atritos com Washington, dentro da Guerra Fria 2.0 iniciada em 2017 pelo ex-presidente Donald Trump, agora nas mãos de Joe Biden.

O encontro em Pequim segue até o dia 11, dentro das chamadas Duas Sessões, referência aos encontros anuais do pleno do Congresso e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, órgão de assessoramento do governo.

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