Forças Armadas de Mianmar matam ao menos 114 em dia mais sangrento desde golpe

Exército reprimiu atos da oposição durante celebração do Dia das Forças Armadas

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Reuters

As forças de segurança de Mianmar mataram neste sábado (27) ao menos 114 pessoas, incluindo crianças, no dia mais sangrento desde o golpe militar de 1º de fevereiro, de acordo com veículos de imprensa e testemunhas. Manifestantes contrários à junta que tomou o poder no país saíram às ruas de Rangoon, Mandalay e de outras cidades, desafiando os alertas de que poderiam ser atingidos "na cabeça e nas costas", enquanto os militares celebravam o Dia das Forças Armadas.

As mortes deste sábado levaram o número de civis assassinados a quase 400 e renovaram as críticas da comunidade internacional à situação em Mianmar. O embaixador britânico Dan Chugg disse que as forças de seguranças "se desgraçaram", e o enviado dos EUA ao país classificou a violência como "horripilante".

De acordo com a mídia local, uma adolescente de 13 anos de idade está entre os 40 mortos em Mandalay, enquanto em Rangoon, a maior cidade de Mianmar, 27 pessoas foram assassinadas e um bebê de 1 ano de idade levou um tiro de bala de borracha no olho. Relatos iniciais apontavam a morte de uma criança de cinco anos em Mandalay, mas informações posteriores indicaram que a criança pode ter sobrevivido.

O portal local Myanmar Now relata que, ao todo, pelo menos 114 pessoas foram mortas neste sábado.

Parentes próximos ao corpo de Kyaw Htet Aung, 19, estudante morto em Dala pelas forças de segurança de Mianmar
Parentes próximos ao corpo de Kyaw Htet Aung, 19, estudante morto em Dala pelas forças de segurança de Mianmar - The New York Times

"Eles estão nos matando como pássaros ou galinhas, mesmo em nossas casas", disse Thu Ya Zaw, na cidade de Myingyan, onde ao menos dois manifestantes foram mortos. "Vamos continuar protestando apesar da repressão. Precisamos lutar até que a junta caia."

Aviões militares também lançaram ataques em um território controlado por um grupo armado da minoria étnica Karen, matando ao menos duas pessoas, segundo um grupo da sociedade civil. A ação ocorreu depois de a União Nacional Karen invadir um posto do Exército próximo à fronteira com a Tailândia, o que gerou a morte de dez pessoas, incluindo a de um tenente-coronel. Um porta-voz do Exército não respondeu a pedidos de comentários sobre as mortes nos atos e a invasão insurgente ao posto militar.

As Forças Armadas tomaram o poder sob a justificativa de que o pleito de novembro, em que o partido pró-militares sofreu uma derrota esmagadora para a Liga Nacional pela Democracia, liderada pela civil Aung San Suu Kyi, foi fraudado —acusação até agora sem evidências. Neste sábado, depois de liderar um desfile na capital para marcar o Dia das Forças Armadas, Min Aung Hlaing, chefe da junta que controla o país, reiterou as promessas de realizar eleições. Outra vez, não disse quando o pleito será promovido.

"O Exército busca dar as mãos a toda a nação para garantir a democracia", disse o general em uma transmissão ao vivo da TV estatal, acrescentando que as autoridades querem proteger a população e restaurar a paz no país. Até o momento, ambas as afirmações não têm base na realidade. "Atos violentos que afetam a estabilidade e a segurança para buscar demandas são inapropriados", completou.

Tiros na cabeça

Em um aviso divulgado na noite de sexta-feira (26), a TV estatal de Mianmar disse que manifestantes estavam "em grande perigo de serem atingidos na cabeça e nas costas". O alerta não afirmou especificamente que as forças de segurança receberam ordens de atirar para matar, e a junta militar já sugeriu que alguns tiroteios fatais partiram da multidão.

O aviso expressou a determinação das forças de segurança para evitar qualquer perturbação no Dia das Forças Armadas, que celebra o início da resistência à ocupação japonesa, em 1945, orquestrada pelo pai de Suu Kyi, fundador do Exército do país.

Suu Kyi, nome mais popular da política civil de Mianmar, segue presa em local não revelado, assim como muitas outras figuras do partido do qual faz parte. Detida desde o golpe de Estado, ela responde por acusações criminais que incluem importação ilegal de seis walkie-talkies e uma suposta violação dos protocolos de combate à propagação do coronavírus. Na semana passada, a ganhadora do Prêmio Nobel da Paz foi acusada de aceitar pagamentos ilegais, mas ainda não foi formalmente acusada.

Numa semana em que a comunidade internacional aumentou a pressão sobre os militares, com novas sanções dos EUA e de europeus, o vice-ministro da Defesa da Rússia, Alexander Fomin, compareceu ao desfile militar em Naypyitaw, depois de ter se encontrado com líderes da junta militar um dia antes.

"A Rússia é um amigo verdadeiro", disse o general Min Aung Hlaing. Não há sinais de que outros diplomatas tenham ido ao evento, normalmente frequentado por autoridades de nações estrangeiras.

O apoio de Rússia e China, que também se absteve de críticas à tomada de poder promovida pelos militares, é muito importante para a junta, uma vez que ambos os países são membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas e, assim, podem bloquear ações da ONU.

Por isso, ativistas pró-democracia passaram a atacar fábricas ligadas à China. No último dia 14, ataques contra 32 fábricas num subúrbio industrial geraram os comentários mais fortes de Pequim sobre a crise no país —sem classificar o ocorrido como um golpe de Estado, o regime de Xi Jinping negou, há algumas semanas, que tenha dado apoio ou consentimento tácito à tomada de poder entre os mianmarenses.

Tiros também atingiram o centro cultural dos EUA em Rangoon neste sábado, mas ninguém ficou ferido. O incidente, que está sendo investigado, segundo o porta-voz da embaixada americana em Mianmar, é simbólico porque os EUA lideram as críticas às mortes de participantes de protestos no país.

Manifestantes têm saído às ruas quase diariamente desde o golpe militar que descarrilou a lenta transição de Mianmar para a democracia. "O Dia das Forças Armadas não é um dia das forças de segurança, é o dia em que eles mataram pessoas", afirmou o general Yawd Serk, chefe do Conselho de Restauração do Estado de Shan, desde a Tailândia. "Se eles continuarem a atirar em manifestantes e a intimidar a população, não acho que os grupos étnicos vão ficar parados sem fazer nada."

No Twitter, o historiador Thant Myint-U escreveu que "um estado falido em Mianmar tem o potencial de atrair todas as grandes potências —incluindo EUA, China, Índia, Rússia e Japão— de uma forma que pode levar a uma grave crise internacional". "Assim como a uma catástrofe ainda maior em Mianmar em si."

Erramos: o texto foi alterado

O sobrenome do general Yawd Serk foi incorretamente grafado como Ser. O texto foi corrigido.

 

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