Rússia aprova lei que pode banir de eleições opositores que vão de Navalni a Testemunhas de Jeová

Com apenas um voto contrário, projeto proíbe 'extremistas' de apresentarem candidaturas

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Moscou | AFP e Reuters

Os senadores russos aprovaram, nesta quarta-feira (2), por ampla maioria, uma lei que proíbe qualquer pessoa considerada extremista de disputar eleições no país. A decisão, na prática, abre caminho para barrar a participação de opositores do presidente Vladimir Putin, como Alexei Navalni e seus aliados.

O termo "extremismo" tem uma definição muito ampla na lei russa e permite às autoridades lutar contra organizações de oposição, como a Fundação Anticorrupção fundada por Navalni, e facções racistas ou terroristas, bem como grupos religiosos como as Testemunhas de Jeová.

O projeto de lei foi aprovado por 146 senadores e recebeu apenas um voto contrário e uma abstenção. Para que entre em vigor, falta apenas a assinatura de Putin.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante videoconferência com líderes regionais em Sochi - Sergei Ilyin - 1º.jun.21/AFP

Em abril, a Justiça da Rússia —nominalmente independente, mas frequentemente alinhada ao Kremlin— ordenou a suspensão das atividades das organizações ligadas a Navalni. A medida está vinculada a um processo em que os promotores pedem o banimento definitivo dos grupos sob acusação de extremismo.

Assim, além de não poder disputar as eleições, qualquer pessoa ligada ao opositor —que ocupou manchetes no mundo todo depois de sofrer um envenenamento no ano passado— pode ser impedida de concorrer a cargos eletivos na Rússia.

A nova lei se aplica aos líderes das organizações, que perdem o direito de disputar pleitos por cinco anos, e a ativistas e dezenas de milhares de apoiadores de causas consideradas extremistas por meio de doações, que podem ser proibidos de apresentar candidaturas por três anos.

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Nesta semana, a Rússia deu novos indícios de endurecimento contra opositores a três meses das eleições parlamentares, previstas para setembro. Na segunda (31), Andrei Pivovarov, 39, foi retirado pela polícia de um voo que estava prestes a decolar de São Petersburgo com destino a Varsóvia, na Polônia, e levado sob custódia. Ele era diretor do Rússia Aberta, grupo conhecido pela posição crítica ao Kremlin que encerrou as atividades na semana passada para evitar que seus apoiadores enfrentem processos criminais.

De acordo com sua equipe, Pivovarov teve o apartamento revistado por agentes nesta terça (1º) e se tornou alvo de inquérito por suposta violação da lei russa sobre "organizações indesejáveis" —a forma como o Kremlin se refere a entidades da oposição. Ele deve permanecer preso por ao menos dois meses.

Também nesta terça, Dmitri Gudkov, 41, proeminente opositor de Putin e ex-parlamentar, foi detido sob suspeita de inadimplência em um contrato imobiliário, segundo a agência de notícias Tass. Quando legislador, Gudkov foi expulso de seu partido em 2013 por ajudar a organizar protestos contra o Kremlin.

Em suas redes sociais, disse que sua detenção, que pode se tornar uma pena de cinco anos se ele for considerado culpado pela Justiça, tem motivação política —hipótese negada pelo porta-voz de Putin.

O nome mais importante da oposição ao presidente russo continua sendo Navalni, 44. Blogueiro e advogado, ele surgiu na cena pública nos protestos contra Putin em 2012. No ano seguinte, candidatou-se à prefeitura de Moscou e conquistou 27% dos votos. Mas foi em 2017 que ele apareceu para o mundo, ao comandar via internet a convocação de uma jornada de protestos que uniu milhares nas ruas. Devido a acusações judiciais, foi impedido de concorrer contra Putin em 2018.

Passou então a uma outra tática: fomentar qualquer candidatura em nível regional contrária ao Rússia Unida, o partido governista. Ele logrou sucessos simbólicos nos pleitos locais de 2019 e 2020, mas, agora, com ele preso, há a expectativa de que sua esposa, Iulia Navalnaia, ganhe destaque na oposição a Putin.

Navalni foi envenenado em agosto de 2020 e acusou diretamente Putin pela tentativa de assassinato. Ele foi tratado em Berlim, onde os médicos afirmaram ter encontrado em seu corpo traços de Novitchok, famoso veneno utilizado pelos serviços secretos russos.

Depois, o opositor divulgou a gravação de um trote que deu em um dos agentes do FSB (Serviço Federal de Segurança, sucessor da KGB) apontados como autores do ataque —nele, o espião acredita falar com um superior e admite ter colocado veneno na cueca do ativista no quarto de um hotel. O Kremlin nega qualquer envolvimento, e Putin ironizou que, se a Rússia quisesse matar Navalni, o teria feito.

O opositor foi preso em janeiro, ao voltar à Rússia depois de receber tratamento na Alemanha contra o envenenamento. O ativista é acusado formalmente de violar os termos de sua liberdade condicional ao sair do país, ainda que a saída tenha ocorrido sob uma justificativa médica —ele estava em coma.

Navalni teve uma sentença de prisão por fraude comutada em 2014, em uma ação que classifica como perseguição judicial. A Justiça russa confirmou em fevereiro a sentença do ativista anticorrupção. No total, foi condenado a três anos e meio de prisão, dos quais já cumpriu dez meses em regime domiciliar.

No final de março, Navalni iniciou uma greve de fome reivindicando o direito de receber tratamento médico adequado na prisão. Segundo ele, os pedidos para ser examinado por um médico de sua escolha e para receber remédios para dores agudas nas costas e nas pernas haviam sido ignorados.

O opositor também acusou os guardas de tortura, alegando que estava sendo privado de sono por agentes que o acordavam de hora em hora durante a noite. A greve de fome durou 24 dias, período no qual Navalni teria perdido cerca de 22 kg.

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