Descrição de chapéu Belarus União Europeia

De olho em união com a Belarus, Putin apoia ditador que desviou avião

Lukachenko visita russo após incidente no qual forçou pouso para prender opositor

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São Paulo

Depois de passar a semana tentando manter distância do escândalo internacional causado pelo desvio do voo em que estava um blogueiro opositor do regime de Aleksandr Lukachenko na Belarus, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, apoiou o aliado nesta sexta (28). A motivação foi deixada clara pelo próprio líder russo, ao falar com repórteres antes do começo do encontro fechado.

"Estamos construindo o Estado da União", afirmou, ressaltando "passos concretos" nesse sentido.

O ditador Lukachenko e o presidente Putin se encontram no balneário russo de Sochi
O ditador Lukachenko e o presidente Putin se encontram no balneário russo de Sochi - Mikhail Klimentiev/Sptunik/AFP

Ambos se encontraram em Sochi, balneário favorito de Putin, no mar Negro. O presidente russo criticou o Ocidente pela "explosão de emoções" em torno da ação de Lukachenko, que mandou um caça interceptar e desviar o voo em que estava o blogueiro Roman Protassevich e sua namorada, no domingo (23).

Uma desculpa esfarrapada de risco de atentado a bomba no voo foi dada, e a dupla a bordo foi presa. O avião da empresa irlandesa Ryanair ia da Grécia à Lituânia, onde o opositor mora. Em reação, a União Europeia decretou novas sanções contra a ditadura belarussa, que vem sendo chacoalhada por protestos desde que Lukachenko alegadamente roubou mais uma eleição, em agosto do ano passado.

No poder desde 1994, ele é um aliado difícil, mas vital, de Putin. O enfraquecimento do ditador tem sido visto em Moscou como uma antessala à realização de um antigo sonho do russo, a criação do chamado Estado da União. Entidade supranacional criada quando Putin era premiê em 1999, ela tecnicamente aproxima os dois países —que dividem raízes culturais e linguísticas e foram parte da União Soviética.

Putin lembrou de um episódio de 2013, quando o então presidente boliviano Evo Morales teve de pousar na Áustria porque vários países europeus negaram trânsito em seu espaço aéreo por suspeitar que o líder latino-americano transportava de Moscou para La Paz o delator Edward Snowden.

"O presidente foi retirado de seu avião, e nada, silêncio", disse Putin. Na realidade, países como a França se desculparam com Evo posteriormente. "Há a intenção de perturbar o país [Belarus]", afirmou Putin, dizendo que "é claro o que esses amigos ocidentais querem de nós".

Analistas próximos do Kremlin preveem passos radicais à frente. Por mensagem, Serguei Markov, que nos anos 2000 assessorou Putin, afirmou que Moscou "espera o reconhecimento da Crimeia como parte da Rússia, um nível novo do Estado da União, moeda única e formação de governo único". Ele nega que o ex-chefe vá pressionar Lukachenko de "forma abusiva", mas afirma acreditar que o belarusso deve ceder.

Até aqui, o ditador nunca topou os termos de Putin, temendo perder o poder e o cacife que tem devido à localização estratégica do país. ​Belarus é um anteparo entre a Rússia e o Ocidente, como a Ucrânia —mas desde 2014 o governo em Kiev é hostil a Moscou. Isso levou Putin a anexar a Crimeia e a fomentar guerra civil no leste do país, impedindo sua absorção pelas estruturas de poder europeias, em especial a Otan (aliança militar). Lukachenko, significativamente, nunca reconheceu oficialmente a península como russa.

Os protestos de rua a partir de agosto do ano passado mudaram a situação. Lukachenko apoiou-se nas ofertas de suporte militar de Putin, e ambos os países intensificaram suas manobras conjuntas, alarmando o Ocidente. O ditador recrudesceu sua repressão em um momento em que Putin fez o mesmo na Rússia, com a prisão do opositor Alexei Navalni e o combate a renovados protestos de rua no país. De quebra, movimentações de tropas junto à Ucrânia levaram a uma crise com a Otan no mês passado.

Há também a questão energética, com um quarto do petróleo russo destinado à Europa passando por Belarus. Os europeus consomem 30% do produto com origem russa. Já um quinto do gás natural, que chega a 40% do mercado a oeste, transita pelas terras de Lukachenko.

Por fim, não é desprezível a proximidade da elite belarussa do vizinho ao leste, o que deixa sempre à mão a possibilidade de criação de um aliado alternativo dentro do sistema político para o russo.

A crise da prisão de Protassevich, ousada mesmo para os padrões belarussos, não parece ter agradado a Putin. Houve manifestações contidas do Kremlin ao longo da semana, colocando Lukachenko na situação de ter de render homenagens ao patrono pessoalmente.

Nesta sexta, o Kremlin negou que estivesse impedindo a chegada de voos europeus, que agora se recusam a sobrevoar a Belarus. Duas chegadas, da Air France e da Austrian Airlines, acabaram canceladas. "Foram questões técnicas" devido à mudança de rota, disse o porta-voz Dmitri Peskov. "Não precisamos de problemas adicionais, já temos os nossos."

A Europa tenta reagir, mas seu espaço de manobra é curto. Também nesta sexta, a Comissão Europeia enviou mensagem à opositora Svetlana Tikhanovskaia, que após perder a eleição para Lukachenko se refugiou na Lituânia, prometendo € 3 bilhões (R$ 19,1 bilhões) em ajuda caso a Belarus volte a ser uma democracia. "Nenhuma quantidade de repressão, brutalidade ou coerção vai trazer legitimidade para o regime autoritário", afirmou ela. Resta agora combinar com o ditador.

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