Israel muda de posição e autoriza judeus a rezar no Monte do Templo, em Jerusalém

Local era palco de orações de muçulmanos; permissão pode gerar conflito religioso

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Patrick Kingsley Adam Rasgon
Jerusalém | The New York Times

Há anos o governo israelense proíbe judeus de rezarem no Monte do Templo, um lugar visto como sagrado por judeus e muçulmanos. Mas o rabino Yehuda Glick não se esforçava para esconder o fato de que orava ali. Na realidade, transmitia tudo ao vivo.

“Ó, Senhor!”, dizia, filmando-se com seu telefone numa manhã recente. “Salve minha alma dos lábios falsos e das línguas traiçoeiras!”

Desde que Israel capturou a Cidade Velha de Jerusalém da Jordânia, em 1967, seu governo conserva um equilíbrio religioso frágil no Monte do Templo, o local mais divisivo de Jerusalém: apenas muçulmanos são autorizados a orar no local, enquanto os judeus podem fazer suas orações no Muro das Lamentações, mais abaixo.

Judeus ortodoxos no Monte do Templo, com o Domo da Rocha ao fundo, em Jerusalém - Amit Elkayam - 23.ago.21/The New York Times

Recentemente, porém, o governo começou, de forma discreta, a permitir que um número crescente de judeus orasse no Monte do Templo. A mudança de posição pode agravar a instabilidade em Jerusalém Oriental e potencialmente levar a um conflito religioso.

“É um local sensível”, explicou o ex-primeiro-ministro israelense Ehud Olmert. “Locais sensíveis como esse, com potencial explosivo enorme, precisam ser tratados com cuidado.”

O rabino Glick, ex-parlamentar de direita que nasceu nos Estados Unidos, há décadas trabalha para mudar o status quo no Monte do Templo. Ele caracteriza seu esforço como uma questão de liberdade religiosa: se muçulmanos podem orar no local, por que judeus não podem?

“Deus é senhor de toda a humanidade”, disse ele. “E quer que cada um de nós venha aqui para fazer suas orações, cada um a seu próprio modo.”

Mas a medida proibindo judeus de orarem no platô de 150 mil metros quadrados que abrigou dois templos judaicos na antiguidade fez parte de um acordo, respeitado por anos, para evitar conflitos em um lugar que é, frequentemente, palco de disputas explosivas entre israelenses e palestinos.

Pelos termos do acordo, o governo jordaniano conservou a supervisão administrativa do Monte do Templo, conhecido entre árabes como o Nobre Santuário ou o complexo de Al Aqsa.

A mesquita de Al Aqsa e o dourado Domo da Rocha, santuário visto pela tradição muçulmana como o ponto do qual o profeta Maomé ascendeu ao céu, estão situados em sua praça de calcário.

Israel é responsável pela segurança geral do Monte do Templo e mantém uma pequena delegacia policial no local. O governo autoriza oficialmente as visitas de não muçulmanos ao local por várias horas todas as manhãs, sob a condição de não rezarem ali.

Embora nenhuma lei israelense proíba explicitamente judeus de rezarem no local, os visitantes judeus que tentam fazer suas orações no monte são tradicionalmente retirados ou repreendidos pela polícia.

Nos casos em que esse equilíbrio de poder oscila, isso frequentemente leva à violência.

Quando o ex-primeiro-ministro israelense Ariel Sharon visitou o Monte do Templo em 2000, cercado por centenas de policiais, a provocação levou à segunda Intifada (insurreição) palestina.

Quando Israel instalou detectores de metal nos portões do monte, em 2017, medida que ficou em vigor por pouco tempo, levou a uma agitação que deixou vários mortos e ameaçou desencadear outra revolta de grandes proporções.

E na primavera passada, quando a polícia israelense invadiu o complexo várias vezes, isso contribuiu para as tensões que desembocaram em uma guerra de 11 dias com o Hamas, grupo militante islâmico que controla a Faixa de Gaza, além de vários dias de distúrbios em Israel.

A política começou a mudar durante o governo de Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense que passou mais tempo no poder e que comandou coalizões de partidos de direita e religiosos. Glick disse que há cinco anos policiais começaram a deixar que ele e seus aliados rezassem mais abertamente no Monte.

O número de judeus que o fazem vem crescendo discretamente, mas, para evitar reações negativas, a política que os autoriza a fazê-lo não foi amplamente divulgada. Isso mudou no mês passado, depois de Netanyahu ser substituído por Naftali Bennett.

De repente veículos noticiosos israelenses passaram a publicar imagens de dezenas de judeus rezando abertamente no Monte, entre os quais um parlamentar do partido de Bennet, obrigando o premiê a falar da questão abertamente.

Inicialmente, Bennett pareceu ter confirmado uma mudança formal na política, dizendo, para o deleite de alguns membros de seu próprio partido de direita renitente, que pessoas de todas as religiões teriam liberdade de orar no Monte do Templo.

Um dia mais tarde, após críticas da Jordânia e de membros esquerdistas e árabes de sua coalizão governante, Bennett voltou atrás, emitindo comunicado dizendo que o status quo anterior continuava a vigorar. Seu gabinete reiterou essa afirmação após uma investigação recente do jornal The New York Times, fazendo um comentário contido em cinco palavras: “Nenhuma mudança no status quo”.

Na realidade, contudo, dezenas de judeus hoje oram abertamente e diariamente em uma parte isolada do flanco oriental do lugar, e os policiais israelenses que os escoltavam já deixaram de impedi-los de rezar.

Em duas manhãs recentes, repórteres do New York Times viram policiais israelenses postados entre fiéis judeus e agentes do Waqf, o órgão comandado pela Jordânia que administra o monte, impedindo os agentes de intervir.

Muitos palestinos veem a mudança de política como injusta e uma provocação. Para eles, os muçulmanos já fizeram uma concessão grande em relação ao Muro das Lamentações, que hoje é usado principalmente por fiéis judeus, apesar de também ser importante para muçulmanos. Em 1967, Israel chegou a demolir um bairro árabe situado ao lado do Muro para criar mais espaço para judeus fazerem suas orações.

Judeus oram no Muro das Lamentacões, em Jerusalem
Judeus oram no Muro das Lamentacões, em Jerusalem - Lalo de Almeida/ Folhapress

O xeque Omar al Kiswani, diretor da mesquita, disse que Al Aqsa deve ser reservada para as orações de muçulmanos, em reconhecimento de sua importância para eles. Muitos palestinos enxergam Al Aqsa como a encarnação da identidade palestina, a força vital por trás da aspiração a uma capital palestina em Jerusalém Oriental.

“Ela é chamada de Al Aqsa desde que o profeta Maomé subiu ao céu ali”, disse Al Kiswani.

Para ele, a mudança na política não passa de uma parte de um padrão mais amplo de escárnio em relação à dignidade palestina visto em toda a extensão dos territórios ocupados.

A mudança de política também é vista como problemática por muitos judeus ortodoxos.

O Monte do Templo sediou no passado dois templos judaicos onde, segundo a tradição, a presença de Deus foi revelada. Para os ortodoxos, os judeus que ascendem o monte correm o risco de pisar sobre um local muito sagrado para ser pisado por humanos, já que a localização exata dos templos da antiguidade é desconhecida.

Por esse motivo, muitos rabinos proíbem judeus de entrarem no local. Mas, para alguns, como Glick, orar o mais perto possível dos locais dos templos que caíram em ruínas encerra grande virtude.

Ele diz que não está ali para provocar. Mas, quando atravessou o monte, escoltado por seis policiais armados, funcionários da mesquita e transeuntes o filmaram. Em pouco tempo os vídeos já estavam circulando no Twitter, legendados com comentários irados.

Parte da resistência deriva do fato de que alguns ativistas, como Glick, querem fazer mais do que apenas rezar no local. O que eles desejam, em última análise, é erguer um terceiro templo judaico no local do Domo da Rocha, o terceiro local mais sagrado do Islã. Glick diz que esse templo seria aberto a fiéis de todas as religiões e seria possibilitado por meio de diálogo com muçulmanos.

Para muçulmanos, porém, essa é uma proposta totalmente inviável e ofensiva.

“Isso levaria a uma guerra religiosa”, disse Khatib. “Se todos permanecerem em seus próprios locais de oração, teremos paz."

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