Morre Madeleine Albright, 1ª mulher secretária de Estado dos EUA, aos 84

Democrata se tornou um símbolo para uma geração de mulheres jovens que buscaram inspiração em sua luta por oportunidades

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Washington | Reuters

Morreu nesta quarta-feira (23) a ex-secretária de Estado dos EUA Madeleine Albright, primeira mulher a ocupar o posto, entre 1997 e 2001, no segundo mandato do ex-presidente Bill Clinton.

Albright tinha 84 anos e morreu de câncer, segundo familiares informaram no Twitter.​ "Estamos com o coração partido em anunciar que a dra. Madeleine K. Albright, a 64ª secretária de Estado dos EUA e a primeira mulher a ocupar esse cargo, faleceu hoje cedo. A causa foi câncer", escreveu a família.

A ex-secretária de Estado americana Madeleine Albright durante evento na Universidade de Nova York
A ex-secretária de Estado americana Madeleine Albright durante evento na Universidade de Nova York - Emmanuel Dunand - 9.fev.11/AFP

A democrata entrou na carreira diplomática ao ser nomeada embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, em 1993, cargo que ocupou até se tornar secretária de Estado. Na ONU, pressionou por uma linha mais dura contra os sérvios durante a guerra da Bósnia, após a capital, Sarajevo, ser sitiada, mas enfrentou resistência no próprio governo Clinton.

Especialistas em política externa da gestão democrata traziam as memórias das dificuldades dos EUA no Vietnã para não se envolver nos Bálcãs.

Os EUA só responderam três anos depois, quando soldados sérvios-bósnios invadiram enclaves muçulmanos e mataram mais de 8.000 pessoas. Por meio da Otan, a aliança militar ocidental, os americanos fizeram ataques aéreos para forçar o fim do conflito. Mas foi em 1999, já durante o mandato de Albright como secretária de Estado, a ação mais incisiva dos americanos, que bombardearam por 11 semanas a antiga Iugoslávia, incluindo a capital, Belgrado, durante a guerra do Kosovo.

Vjosa Osmani, presidente do Kosovo, lamentou a morte da ex-secretária, dizendo estar "profundamente chocada pela morte da grande amiga" do país, cuja intervenção "deu esperança, quando não a tínhamos".

Defensora de um "internacionalismo muscular", lembra James O'Brien, conselheiro sênior de Albright durante a guerra da Bósnia, a diplomata irritou um membro do Pentágono certa vez ao questionar por que o país mantinha mais de 1 milhão de militares se nunca os usava.

No início do governo Clinton, Albright apoiou um tribunal de crimes de guerra das Nações Unidas que acabou colocando o presidente sérvio Slobodan Milosevic e outros líderes sérvios na prisão.

Um caso de 1996, quando caças cubanos derrubaram dois aviões americanos desarmados, exemplifica seu jeito linha-dura. Na ocasião, disse: "Isso não são cojones [colhões, em espanhol], isso é covardia".

Durante os esforços para pressionar a Coreia do Norte a encerrar seu programa de armas nucleares —sem sucesso—, a secretária viajou para Pyongyang em 2000 para se encontrar com o então líder norte-coreano Kim Jong-il, tornando-se a autoridade de mais alto escalão dos EUA até então a visitar o país comunista.

Depois de deixar o posto, ao fim do governo Clinton, Albright se tornou um ícone para uma geração de mulheres jovens que buscaram inspiração em sua luta por oportunidades e respeito no local de trabalho. Ela gostava de dizer: "Há um lugar especial no inferno para as mulheres que não se ajudam".

A ex-secretária também era conhecida pelas joias que usava, tema de um dos seus livros. "Read My Pins: Stories from a Diplomat's Jewel Box" (leia meus broches: histórias da caixa de joias de uma diplomata), de 2009, foi um dos vários best-sellers que assinou ao longo da vida. Na obra, afirma que os broches funcionam como uma ferramenta diplomática: quando usava balões ou flores, estava otimista; quando usava caranguejos ou tartarugas, estava frustrada. Um de seus favoritos era um broche de cobra, em referência ao ditador iraquiano Saddam Hussein, que a chamou de "serpente sem paralelos".

O presidente americano, Joe Biden, que viajou à Europa nesta quarta para reuniões com a Otan em meio à guerra na Ucrânia, disse que as mãos de Albright "mudaram as ondas da história". "Ela era uma força em prol da bondade, da graça, da decência —e em prol da liberdade", escreveu no Twitter.

O ex-presidente Bill Clinton também lamentou a morte "de uma das melhores secretárias de Estado, excepcional embaixadora na ONU, brilhante professora e extraordinário ser humano". O comunicado do democrata lembra passagens da vida pessoal e da carreira de Albright para defini-la como "perfeitamente adequada para os tempos em que serviu".

Hillary Clinton, outra mulher que viria chefiar a diplomacia, compartilhou o comunicado do marido no Twitter dizendo que "muitas pessoas ao redor do mundo estão vivas e vivendo vidas melhores por causa dela".

Nascida Marie Jana Korbelova em Praga, na antiga Tchecoslováquia, em 15 de maio de 1937, Albright fugiu com a família em 1939 para Londres quando a Alemanha nazista ocupou o país. Aos 10, foi estudar na Suíça, onde adotou o nome Madeleine. A família voltou à terra natal ao fim da guerra, mas refugiou-se nos EUA em 1948 após os comunistas tomarem o poder em Praga.

Criada como católica, vinha de uma família judia e teve três avós mortos no Holocausto —especula-se que seus pais tenham se convertido ao catolicismo para evitar a perseguição à medida que o nazismo ganhava força na Europa, segundo o jornal The Washington Post, que revelou a história.

Seu pai, diplomata tcheco anticomunista, tornou-se professor de relações internacionais na Universidade de Denver e teve como aluna Condoleezza Rice, que se tornaria a segunda mulher a ser secretária de Estado, em 2005, sob o republicano George W. Bush. "É notável que esse professor emigrante tcheco tenha treinado duas secretárias de Estado", disse Albright ao New York Times em 2006.

Antes de enveredar para a diplomacia, entrou na política ao se juntar à equipe do senador Edmund Muskie, democrata do estado do Maine, em 1976. Dois anos depois, tornou-se membro da equipe do Conselho de Segurança Nacional do presidente Jimmy Carter. Albright frequentou o Wellesley College, em Massachusetts, e fez mestrado e doutorado na Universidade Columbia, em Nova York.

Em 1959, casou-se com Joseph Patterson Albright, com quem teve três filhas, e divorciou-se em 1982. Ela falava tcheco, francês, polonês e russo, além, claro, de inglês.

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