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Boris Perius Zabolotsky

Ocidente tentou impor visão unidimensional da história para enfraquecer a Rússia

Postura pavimentou incertezas na Europa e hoje simplifica influência de grupos ultranacionalistas na Ucrânia

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Boris Perius Zabolotsky

Doutorando do programa de pós-graduação em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em Estudos Estratégicos Internacionais pela mesma instituição e especialista em Relações Internacionais Contemporâneas pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana

No apagar das luzes da Guerra Fria, um conjunto de tratados e acordos firmados entre as autoridades soviéticas e norte-americanas garantiram que o processo de dissolução da URSS ocorresse de forma relativamente pacífica.

A promessa mais emblemática talvez tenha sido de que a Otan não se expandiria "nem uma polegada" para além da Alemanha unificada. Além disso, outros tratados como o ABM (Anti-Ballistic Missile Treaty, tratado de mísseis antibalísticos), o CFE (Treaty on Conventional Armed Forces in Europe, tratado sobre forças armadas convencionais na Europa) e o INF (Intermediate-Range Nuclear Forces Treaty, tratado de forças nucleares de médio alcance) possibilitaram um terreno de estabilidade na Europa e a paridade estratégica entre Rússia e Estados Unidos.

O presidente russo Vladimir Putin em reunião no Kremlin - Mikhail Klimentiev - 30.mar.22/Divulgação Kremlin/Reuters

Tais compromissos firmados durante a Guerra Fria foram, sucessivamente, sendo abandonados unilateralmente pelos estadunidenses.

O esvaziamento das posições russas no Conselho de Segurança da ONU, o apoio dos EUA aos separatistas nas guerras de secessão no Cáucaso, além das condicionantes humilhantes para financiamento no FMI e do Banco Mundial, associados à política de cerco à Rússia orquestrada pelo avanço da Otan, são apenas alguns exemplos que podem ser citados para demonstrar que a visão ocidental não era apenas unipolar, mas, sobretudo, unidimensional, cujo desígnio consistia no enfraquecimento de Moscou.

O processo de expansão da Otan para o Leste Europeu, além de se formular em oposição à Rússia, também se constituiu de modo ofensivo. Essa postura é evidente nas ações militares unilaterais da aliança ocidental na antiga Iugoslávia, no Iraque, no Afeganistão e em tantas outras ao redor do mundo.

A postura norte-americana, portanto, não só pavimentou o caminho para criar um terreno de incertezas na Europa como também projetou-se excluindo as demandas russas na arquitetura da segurança europeia.

Nesse processo, a Ucrânia foi utilizada pelo Ocidente como palco dessas políticas de provocação e de exclusão da Rússia. Ao longo dos anos, a Otan e a União Europeia cooptaram as elites políticas locais para alimentar e sedimentar o ódio contra os russos na sociedade ucraniana.

O resultado da insensatez e do descontrole dessas políticas é responsável pela repressão aos russos étnicos na região do Donbass repercutido em milhares de mortos sob os auspícios das autoridades ucranianas. Desde 2014 são pelo menos 14 mil mortes, em sua maioria de mulheres e crianças, para as quais não há lamento no Ocidente ou atenção midiática.

Outro efeito da tragédia no Donbass —e da russofobia artificialmente alimentada por anos na Ucrânia— foi a formação do maior regimento nazista militarizado do mundo: o Batalhão Azov, cujo apoio financeiro e militar é cortesia de Washington.

A capilaridade e a influência desses grupos na política ucraniana foi institucionalizada, permitindo que exerçam um papel central nas decisões do Executivo e do Legislativo do país. A incorporação desses batalhões ultranacionalistas à Guarda Nacional ucraniana, além de conferir as mesmas funções das Forças Armadas, outorgou-lhes, ainda, o papel de verdadeira polícia política, condicionando os processos decisórios no contexto institucional ao escrutínio dessas milícias.

As batalhas em Mariupol são a maior representação do poder de fogo e da capacidade militar que o Batalhão Azov detém em território ucraniano. Sob o ponto de vista humanitário, como ficou claro, esses grupos não hesitam em usar civis como escudos humanos e armas de guerra. De fato, tais táticas se coadunam com as próprias diretivas do governo Zelenski, revelando as ligações estreitas e espúrias entre Kiev e partidos extremistas.

A postura ocidental e de seus veículos de imprensa simplifica ou menospreza a atuação e influência desses grupos na Ucrânia.

O modus operandi é similar à postura ocidental em relação à ascensão nazista na Alemanha nos anos 1920. Naquele período, o partido nazista alemão recebeu pouco mais de 1% dos votos; nas eleições seguintes, em 1932, esta mesma agremiação política já havia conquistado mais de 36% dos votos. O resultado final dessa história é bem conhecido.

Se é notório que países ocidentais convivem ou toleram o fascismo institucionalizado no seio estatal em nome da russofobia, pelo menos desde os anos 1920, não seria possível esperar qualquer mudança na conjuntura atual.

Apesar das tentativas ininterruptas de descredibilizar a contribuição histórica da União Soviética no combate ao nazismo e do revisionismo histórico, o legado daqueles que deram suas vidas pela vitória contra o fascismo na Segunda Guerra Mundial jamais deve ser esquecido.

O cenário que ora se delineia rechaça imposições de verdades únicas e visões de mundo particulares. A agenda monocrática e os ditames civilizacionais excludentes, característicos da unipolaridade norte-americana, encontram na Rússia um freio. O redirecionamento, já há tempos desenhado, aponta para uma ordem internacional multipolar e policêntrica.

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