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STF nega pedido de extradição de refugiado turco opositor de Erdogan

Trata-se do segundo caso do tipo no Brasil; o empresário Yakup Sagar é acusado de terrorismo pelo governo turco

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São Paulo

O STF (Supremo Tribunal Federal) negou nesta terça (5), por unanimidade, pedido do governo turco para que o Brasil extradite um refugiado membro de um movimento opositor ao presidente Recep Tayyip Erdogan, num caso que advogados e ONGs de direitos humanos dizem se tratar de perseguição política.

Radicado em São Paulo, Yakup Sagar, 54, pertence ao Hizmet, organização ligada ao clérigo muçulmano Fethullah Gülen, ex-aliado que virou desafeto de Erdogan e hoje é considerado terrorista por seu governo.

O empresário turco Yakup Sagar em sua loja no Brás, em São Paulo
O empresário turco Yakup Sagar em sua loja no Brás, em São Paulo - Danilo Verpa - 31.mai.19/Folhapress

Além de efetuar um expurgo dos membros do movimento dentro do país, com demissões e prisões de milhares de funcionários públicos, juízes, jornalistas e intelectuais, o presidente turco tem buscado a extradição dos simpatizantes do Hizmet que se exilaram em outros países.

Trata-se do segundo caso do tipo no Brasil: o outro, do turco naturalizado brasileiro Ali Sipahi, também foi indeferido pelo STF por unanimidade. Sagar chegou a passar 19 dias em prisão cautelar no fim do ano passado, mas foi liberado no dia 21 de dezembro, após o ministro Alexandre de Moraes acatar um pedido da defesa para que ele respondesse ao processo em liberdade.

No pedido de extradição, Ancara acusa Sagar de crimes como "tentativa de destruir o Estado da República da Turquia ou de impedir o Estado da República da Turquia de funcionar", "fraude qualificada pelo abuso de convicções religiosas", "ato contra a Lei de Prevenção e Financiamento ao Terrorismo" e de "pertencer a organização criminosa armada", todos previstos no código penal turco.

Ele teria cometido esses crimes em 2005, na cidade onde vivia, Zonguldak, no norte do país. Onze anos mais tarde, o Tribunal Superior da região expediu mandado de prisão contra ele. O ano de 2016 marcou um novo capítulo na relação de Erdogan com o Hizmet, movimento civil que possuía muita penetração na sociedade turca, tendo fundado escolas, centros culturais, jornais, hospitais e fundações.

O presidente culpa os seguidores de Gülen por uma tentativa frustrada de golpe que deixou 250 mortos e 2.000 feridos. O clérigo, exilado nos EUA desde 1999, nega. Sagar solicitou refúgio ao Brasil em 2017. Seu caso foi avaliado em 2022 pelo Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), que aceitou o pedido.

Porta-voz do Hizmet em Zonguldak, onde tinha uma fábrica de camisas com 200 funcionários que posteriormente foi confiscada pelo governo Erdogan, ele contou que, quatro dias após sua partida, 84 empresários de sua cidade foram detidos acusados de terrorismo. A defesa de Sagar reuniu cartas de apoio a ele e ao Hizmet no Brasil, escritas por representantes de entidades como a Fundação Fernando Henrique Cardoso, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo.

A filha de Yakup, Sevinç Sagar, comemorou o resultado do julgamento. "Comprovamos que o Brasil tem a Justiça que não tem na Turquia. Estamos muito felizes de morar aqui. Sentimos como se fosse nosso país", afirmou.

Não existe um pacto de extradição entre Brasil e Turquia, mas o governo turco pode pedir o procedimento por meio de uma promessa de reciprocidade —um compromisso de que agirá da mesma maneira em relação a um eventual pedido semelhante do governo brasileiro.

Para Beto Vasconcelos, advogado de Sagar, a decisão desta terça-feira deve ajudar a evitar novos pedidos de extradição e facilitar a concessão de refúgio a outras famílias turcas na mesma situação. "A decisão consolida o entendimento do Supremo Tribunal Federal de não admitir o uso de pedidos de extradição para perseguição política e submissão de pessoas a julgamentos em tribunais de exceção. Trata-se de uma resposta clara às pretensões autoritárias do governo turco",, afirmou.

Em resposta a uma reportagem da Folha publicada em 23 de dezembro, o embaixador da Turquia no Brasil, Murat Yavuz Ates, afirmou que o Hizmet não é um movimento político ou social pacifista, mas uma organização terrorista "obscura e insidiosa".

O governo de Erdogan se refere ao Hizmet como FETO, abreviação de "organização terrorista de Fetullah". "Por meio de escolas e cursinhos preparatórios nas últimas décadas, o FETO fez lavagem cerebral na mente de jovens na Turquia e em outros países, sob o disfarce de supostas atividades de treinamento, doutrinando seguidores radicais", disse o embaixador. Segundo ele, "os seguidores do FETO se infiltraram nas instituições mais críticas do Estado turco, fraudando exames e usando outros métodos ilegais".

Ates afirmou também que todos os grandes partidos políticos do Parlamento turco, incluindo os principais de oposição, divulgaram uma nota conjunta em 2019 alertando para o perigo da organização considerada terrorista. Citou, ainda, que o Hizmet foi declarado terrorista em resoluções da OIC (Organização de Países Islâmicos), pela Assembleia Parlamentar Asiática e pela Suprema Corte do Paquistão.

"O FETO é uma ameaça à segurança dos países onde está ativo", afirmou. "A organização terrorista está usando métodos de propaganda para influenciar ONGs e a opinião pública internacional contra a Turquia. Mas não deve haver dúvida de que o sistema de Justiça criminal turco é imparcial. (...) O direito a um julgamento justo é um direito fundamental protegido pela Constituição da República da Turquia."

Desde 2014, Erdogan vem pedindo aos EUA a extradição de Gullen, mas Washington afirma que Ancara não apresentou provas suficientes para autorizar o processo. Em 2019, houve rumores de que o então presidente Donald Trump estava considerando aceitar o pedido turco, mas a Casa Branca negou.

A Turquia pediu a extradição de outros integrantes do Hizmet que se refugiaram em países europeus, nos EUA ou no Canadá, mas as solicitações também vêm sendo negadas por esses governos. Um exemplo conhecido é o do jogador de basquete Enes Kanter, da NBA, que faz críticas públicas ao governo de Erdogan e é alvo de nove pedidos de prisão por difamação e terrorismo em seu país de origem.

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