Por que a China está à frente dos EUA na corrida por influência no Pacífico

Pequim teve acordo recusado por países insulares, mas Washington pode estar enganado sobre sua posição

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Damien Cave
Suva (Fiji) | The New York Times

Em uma caminhada pela cidade onde o chanceler da China se reuniu na segunda-feira (30) com líderes de quase uma dúzia de nações insulares do Pacífico, a marca de Pequim é inconfundível.

De um lado de Suva, há uma ponte reconstruída com empréstimos chineses e inaugurada num evento em que o primeiro-ministro de Fiji posou ao lado do embaixador da China. Do outro, a nova e imensa missão diplomática de Pequim fica em uma rua reparada por trabalhadores com coletes néon estampando o nome de uma estatal chinesa.

Pairando sobre tudo isso está a Wanguo Friendship Plaza, torre de apartamentos erguida por uma empresa do gigante asiático que estava destinada a ser o edifício mais alto do Pacífico Sul —até que o governo de Fiji interrompeu a construção por questões de segurança.

O chanceler chinês, Wang Yi, acena para foto de braço dado com o premiê de Fiji, Voreqe Bainimarama, em encontro em Suva - Zhang Yongxing - 30.mai.22/Xinhua

Oito anos depois que o líder Xi Jinping visitou Fiji, oferecendo aos países insulares da região uma carona no "trem expresso do desenvolvimento", a China está entrincheirada com seu poder irreprimível, embora nem sempre aceito. E isso deixa os Estados Unidos tentando recuperar o atraso numa arena estratégica.

Em todo o Pacífico, os planos de Pequim tornaram-se mais ambiciosos, mais visíveis —e mais polarizadores. A China não está mais só procurando oportunidades nas ilhas que desempenharam um papel crítico no planejamento estratégico do Japão antes da Segunda Guerra; com o chanceler em viagem a oito nações insulares, o país busca unir a vasta região em acordos para maior acesso à sua terra, mares e infraestrutura digital, prometendo em troca desenvolvimento, bolsas de estudo e treinamento.

A China já mostrou como fazer a "captura da elite" em locais com populações reduzidas, grande necessidade de desenvolvimento e líderes que muitas vezes silenciam a mídia local. Embora tenha voltado para casa sem a assinatura do tratado apresentado a uma região que há muito enfatiza a soberania e o consenso, o ministro das Relações Exteriores Wang Yi coletou várias vitórias menores.

Mais importante, nas Ilhas Salomão, Wang assinou novos acordos —incluindo um que dá a Pequim o poder de enviar forças de segurança para reprimir distúrbios ou proteger investimentos chineses e possivelmente construir um porto para uso comercial e militar.

As autoridades chinesas negam que esse seja o plano. Mas o acordo —juntamente com outros com os salomônicos e com Kiribati, cujos detalhes não foram divulgados— foi possível por causa de outra coisa visível e muito discutida no Pacífico: uma antiga falta de urgência, inovação e recursos americanos.

Para muitos observadores, o Pacífico Sul hoje revela como é o declínio dos EUA. Mesmo que Washington tenha tentado intensificar seu jogo, ainda está atrasado, confundindo discursos com impacto e interesse com influência. "Há muita conversa", diz Sandra Tarte, chefe do departamento de governança e assuntos internacionais na Universidade do Pacífico Sul em Suva. "E não muita substância."

O americano ausente

"Os EUA não têm presença significativa no Pacífico", afirma Anna Powles, professora de estudos de segurança na Universidade Massey, na Nova Zelândia. "Sempre fico chocada que em Washington eles pensem que têm uma presença significativa quando simplesmente não têm."

Autoridades dos EUA apontam que seu país tem grandes bases militares em Guam, além de laços estreitos com países como as Ilhas Marshall. E em fevereiro Antony Blinken se tornou o primeiro secretário de Estado em 36 anos a visitar Fiji, onde anunciou que os EUA reabrirão a embaixada nas Ilhas Salomão e se envolverão mais em questões como pesca ilegal e mudanças climáticas.

O primeiro-ministro interino de Fiji na época, Aiyaz Sayed-Khaiyum, chamou o movimento de retorno americano e "um compromisso filosófico muito forte". A questão é se isso será suficiente.

Blinken disse na semana passada que "a China é o único país com a intenção de reformular a ordem internacional e, cada vez mais, tem o poder econômico, diplomático, militar e tecnológico para fazê-lo". Ele prometeu que os EUA "moldarão o ambiente estratégico em torno de Pequim para fazer avançar a visão de um sistema internacional aberto e inclusivo".

Mas essa visão nessa parte do mundo demorou a chegar. O governo de Joe Biden levou mais de um ano para lançar sua estratégia para o Indo-Pacífico, que é superficial nos detalhes e superlativa em frases diáfanas ("maximamente favorável"), que fazem sentido principalmente em reuniões de homens com ternos escuros e broches de bandeiras.

Congressistas republicanos e democratas que concordam que algo deve ser feito para combater a China estão brigando há 15 meses sobre um projeto de lei para tornar os EUA mais competitivos —e que ainda assim faria pouco ou nada por regiões disputadas como o Pacífico.

A nova embaixada nas Ilhas Salomão também parece menos impressionante em uma análise mais detalhada. Para substituir a representação que fechou na década de 1990, durante a retirada dos EUA pós-Guerra Fria, o posto avançado começará com um escritório alugado, dois funcionários americanos e cinco contratados locais.

Em comparação com a presença chinesa, não chega nem perto. Em Fiji, por exemplo, a embaixada da China fica no centro de Suva e tem funcionários que falam inglês melhor e frequentemente aparecem na mídia local. A dos EUA, por outro lado, está numa encosta afastada, em um complexo fortificado. Ela cobre cinco países (Fiji, Kiribati, Nauru, Tonga e Tuvalu), não tem embaixador em tempo integral —Biden nomeou alguém apenas na semana passada— e é conhecida por ter falta de pessoal.

Alternativa chinesa

Muitos países insulares do Pacífico não dão as boas-vindas a mais uma era de competição entre grandes potências. Como disse Matthew Wale, líder da oposição nas Ilhas Salomão, em uma entrevista recente: "Não queremos ser a grama pisoteada pelos elefantes". Mas o que eles querem, e o que a China parece oferecer melhor agora, é engajamento consistente e capacitação.

Embora os EUA tenham exibido navios da Guarda Costeira usados para combater a pesca ilegal, a China planeja construir polos de transporte marítimo e centros policiais de alta tecnologia onde se possa fornecer conhecimentos e equipamento.

Enquanto os EUA e seus aliados Austrália e Nova Zelândia prestam ajuda humanitária —após o tsunami em Tonga, por exemplo—, Pequim está oferecendo milhares de bolsas de estudo para treinamento vocacional, diplomático e de resposta a desastres, além de "cooperação em observação meteorológica".

"A China sempre sustentou que países grandes e pequenos são todos iguais", disse Xi em mensagem escrita aos ministros das Relações Exteriores do Pacífico na segunda-feira (30). "Não importa como as circunstâncias internacionais flutuem, a China sempre será uma boa amiga."

As nações das ilhas do Pacífico agora estão decidindo o quanto vão confiar nessa amizade ou resistir a ela.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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