Descrição de chapéu Mundo leu

Documentário lembra que Trump foi ruim em tudo, inclusive como perdedor

Equilibrado e por isso assustador, filme de James Fletcher revê eleição de 2016

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São Paulo

Muita gente bem informada levou um susto, em certa madrugada de novembro de 2016, quando um republicano truculento chamado Donald Trump se elegeu presidente dos Estados Unidos.

Não que ele desmerecesse os 304 votos que recebeu no Colégio Eleitoral, por mais que sua adversária, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton, com 227 dos chamados grandes eleitores, reunisse, nas urnas, 2,8 milhões de votos a mais que o concorrente vencedor.

A campanha presidencial americana de 2016 mereceu um equilibrado —e por isso mesmo assustador— documentário, sob a direção de James Fletcher. "Um Acidente de Presidente", de 2020, está desde esta quinta-feira (28) disponível no serviço Belas Artes à la Carte.

O ex-presidente americano Donald Trump durante torneio de golfe em campo que leva seu nome em Bedminster - John Jones - 28.jul.22/USA Today Sports

A previsibilidade eleitoral é sempre relativa, sobretudo num sistema como o americano, em que a diferença entre vencedor e derrotado costuma ser pequena. Mesmo assim, a "vitória de Hillary" era dada como quase favas contadas. O Partido Democrata vinha de dois mandatos presidenciais com Barack Obama, e nada indicava uma mudança de rumo, a não ser uma soma de pequenos detalhes que costuraram a inesperada derrota.

Por mais que seis anos nos separem hoje da vitória de Trump, o documentário de Fletcher funciona como uma lição, aplicável a qualquer país, sobre a louca irracionalidade gerada nas urnas pelo populismo.

Vejamos um pormenor da campanha. Hillary e Trump se enfrentaram em três debates. Especialistas apontaram a nítida superioridade dela nas técnicas de convencimento da oratória. Ele pouco ligou —e no fundo tinha razão. Debates não definem mais o voto ainda indeciso ou reforçam o já definido. Isso porque as redes sociais construíram circuitos paralelos de troca de informações que abastecem o eleitor e fornecem rumos para sua escolha.

O republicano esteve mais presente nas redes sociais, tanto com o que ele e seus partidários faziam quanto pela contribuição da Rússia —em operação que o candidato não comandou—, que achincalhou o quanto pôde a democrata.

Outro pormenor. Depois da convenção partidária que a escolheu, Hillary, com uma vantagem de dez pontos nas pesquisas, submergiu para ir atrás de grandes financiadores. Enquanto isso, Trump reunia diariamente 20 mil eleitores em comícios que não discriminavam estado importante ou pequeno. De grão em grão e com a retórica antiglobalização e a defesa do retorno dos empregos industriais, ele foi enchendo seu enorme papo.

O curioso é que o documentário passa em branco sobre a maneira pela qual os dois partidos enxergavam o eleitorado. Os democratas falavam para um público fragmentado —desempregados, gays, negros—, enquanto os republicanos construíam totalidades sociológicas que eram compactas e se contrapunham ao que vinha do estrangeiro —a concorrência, os muçulmanos, o terrorismo.

Mas voltemos ao começo de 2015, quando a campanha ainda estava embrionária. Os assessores de Hillary não achavam que Trump queria verdadeiramente se candidatar; acreditavam que ele apenas procurava agregar a disputa pela Casa Branca a sua imagem pessoal, para em seguida tirar proveito como empresário.

O engano dos assessores foi desmobilizador. Estimulava a crença de que seria mais fácil atropelar um adversário meio faz de conta. Mas Trump, ao contrário, demonstrava a fúria de um buldogue enraivecido. Nas primárias, partiu para cima de Jeb Bush, filho e irmão de ex-presidentes, qualificando-o como um candidato com baixa energia; o adjetivo o destruiu em termos eleitorais.

O republicano também atirava para todos os lados e tentava machucar os que se aproximassem do núcleo do Partido Democrata. Ressuscitou as traições conjugais de Bill Clinton, sabendo que Hillary, sua mulher, sairia inconfortavelmente em defesa dele. E ressuscitou a mentira de que Obama teria nascido no Quênia, um país estrangeiro, não no Havaí, um estado americano.

Suas ofensivas cresceram até que, a 11 dias das eleições, o FBI decidiu investigar 31 mil emails que a democrata despachou como secretária de Estado, muitos dos quais fora do provedor do governo americano. "Ela merece ir para a cadeia", vociferou o adversário. A palavra "cadeia" reverberou fundo entre os indecisos, e talvez nesse dia a disputa presidencial se decidiu para o lado conservador.

Mesmo assim, Hillary chegou a redigir um discurso como presidente eleita —e seus partidários, a organizar festejos para comemorar sua vitória. No entanto, deu Donald Trump.

O documentário se restringe ao período eleitoral. Não percorre o mandato presidencial do republicano nem se detém sobre o 6 de Janeiro, quando ele ordenou que seus partidários invadissem o Congresso para impedir a certificação de Joe Biden como novo presidente. Trump foi ruim em tudo. Inclusive como perdedor.

Um Acidente de Presidente - Como Donald Trump Ganhou a Eleição

  • Onde Disponível no Belas Artes à la Carte
  • Produção EUA, 2020
  • Direção James Fletcher
  • Duração 104 min.
  • Classificação 12 anos
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