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Trump e aliados pagam advogados de testemunhas em investigação do 6 de janeiro

Prática não é ilegal, mas lança suspeitas acerca de pressão sobre depoentes e obstrução da Justiça

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Washington | The New York Times

A organização política de Donald Trump e seus aliados pagaram ou prometeram pagar os honorários dos advogados de mais de uma dúzia de testemunhas convocadas para depor na investigação do Congresso sobre o ataque de 6 de janeiro, levantando questões legais e éticas sobre a possibilidade de o ex-presidente estar influenciando os depoimentos diretamente relacionados a ele.

O arranjo foi alvo de nova atenção nesta semana depois de Cassidy Hutchinson, ex-assessora da Casa Branca de Trump, prestar um depoimento explosivo diante do comitê da Câmara, apresentando detalhes novos e altamente negativos sobre os atos e as falas de Trump no dia da insurreição letal.

Ela depôs após demitir um advogado que lhe fora recomendado por dois ex-assessores de Trump e pago pelo Comitê de Ação Política (PAC, na sigla em inglês) do ex-presidente e contratar outra representação legal. Já contando com a nova advogada, Jody Hunt, Hutchinson se apresentou para uma quarta sabatina com o comitê, na qual fez novas revelações e concordou em ir a público para testemunhar.

O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, durante evento com apoiadores em Memphis, no Tennessee - Karen Pulfer Focht - 18.jun.22/Reuters

Não se sabe se a troca de advogados resultou na disposição de Hutchinson de comparecer a uma audiência transmitida pela TV e fazer um relato mais amplo do que testemunhou, mas alguns membros do comitê pensam que isso contribuiu, segundo duas pessoas informadas sobre o trabalho do órgão.

Trump afirmou que a nova advogada de Hutchinson pode ter incentivado a ex-assessora a dar declarações falsas. "O relato dela mudou completamente", queixou-se ele em sua plataforma própria, a Truth Social.

O episódio suscitou suspeitas de que Trump e seus aliados podem estar implícita ou explicitamente pressionando testemunhas a não divulgar informações cruciais que podem incriminar o ex-presidente ou mostrá-lo sob ótica negativa. Trump e seus assessores já foram acusados anteriormente de tentar influenciar testemunhas em investigações passadas que o envolveram.

Hutchinson disse ao comitê do 6 de Janeiro que é uma das testemunhas já contatada por ao menos uma pessoa próxima a Trump —que teria sugerido que seria melhor para ela continuar leal ao ex-presidente.

A deputada republicana Liz Cheney, do Wyoming, vice-presidente do comitê, citou duas testemunhas que teriam feito as mesmas afirmações e indicou que os congressistas estão investigando a possibilidade de o ex-presidente ou seus aliados estarem tentando obstruir as investigações. Ela destacou: "A maioria das pessoas sabe que tentar influenciar depoentes a apresentar testemunho falso é motivo de preocupação".

Diferentemente da manipulação de testemunhas, que é um crime, não há nada de ilegal em uma terceira parte pagar os honorários dos advogados de uma testemunha. Assessores do ex-presidente Bill Clinton relataram ter ficado sobrecarregados com honorários de advogados devido aos vários inquéritos sobre os assuntos pessoais e comerciais de Clinton e sua família; ficaram consternados quando um fundo de defesa legal criado por aliados de Clinton para ajudar a primeira família a pagar suas dívidas legais de muitos milhões de dólares não os ajudou. Clinton mais tarde prometeu ajudar a levantar fundos para cobrir as despesas legais de seus ex-assessores, mas não fez um grande esforço nesse sentido.

No caso de Trump, vários ex-assessores pediram que ele pague os honorários de seus advogados, muitos deles citando dificuldades financeiras e o custo exorbitante da representação legal ligada a uma grande investigação congressional. Mesmo assim, dada a potencial exposição criminal de Trump e seu interesse nos resultados da investigação, a prática vem sendo alvo de atenção redobrada.

Segundo declarações financeiras, apenas em maio o PAC de Trump, "Save America", pagou cerca de US$ 200 mil a firmas de advocacia. Esse total incluiu US$ 75 mil pagos à JPRowley Law, que representa Cleta Mitchell, advogada pró-Trump que moveu uma ação para tentar bloquear a intimação judicial para depor diante do comitê, e US$ 50 mil à Silverman, Thompson, Slutkin & White, que tem representado Steve Bannon, aliado de Trump que se recusou a comparecer ao comitê e foi acusado de desacato criminal.

Não ficou claro se esses pagamentos se destinaram a cobrir honorários legais ligados ao inquérito sobre o 6 de Janeiro, mas pessoas informadas sobre a questão disseram que o PAC tem pago pela representação legal de vários ex-funcionários e assessores na investigação, incluindo alguns de perfil alto, como Stephen Miller, ex-assessor sênior de Trump. O sócio gerente da firma de advogados que representa Bannon se negou a dar declarações. Um porta-voz de Trump também se negou a comentar o assunto.

Mais de uma dúzia de testemunhas diante do comitê do 6 de Janeiro já receberam assessoria jurídica gratuita e tiveram seus honorários advocatícios pagos pelo "Fundo da Primeira Emenda" da União Conservadora Americana, que aconselha a equipe de Trump sobre quais honorários deve cobrir com suas reservas financeiras "de sete dígitos". A informação é do presidente da organização, Matt Schlapp.

"Temos advogados que trabalham ‘pro bono’ e conversam com os advogados das pessoas que querem ajuda", disse Schlapp. "Quase todos já foram pagos." Ele disse que Matt Whitaker, ex-secretário interino da Justiça, está trabalhando com o grupo "e já passou muitas noites ajudando funcionários mais novos".

Trump já foi questionado antes por aparentemente interferir em investigações sobre sua conduta. Em 2017, um advogado dele na investigação que buscou determinar se sua campanha conspirou com funcionários russos durante a disputa presidencial de 2016 levantou a perspectiva de indultos para duas pessoas sob investigação, Michael Flynn e Paul Manafort.

Em 2018, quando Trump parou de pagar os honorários de Michael Cohen, investigado pelo Distrito Sul de Nova York, o advogado pessoal do ex-presidente acabou se confessando culpado e começou a cooperar com o promotor especial que investigou uma possível conspiração entre a campanha de Trump e russos.

Christopher Bartolomucci, advogado que representa Judd Deere, ex-secretário de imprensa da Casa Branca, disse que espera receber algum pagamento do fundo de Schlapp, que tem um processo para a solicitação de assistência financeira. Segundo ele, a ajuda oferecida é incondicional. "Ninguém tentou influenciar a mim ou a meu cliente", disse.

Contando com mais de uma dúzia de promotores federais, o comitê do 6 de Janeiro enfrentou alguns obstáculos iniciais no ano passado quando começou sua investigação e alguns dos principais aliados de Trump se recusaram a cooperar. Os investigadores então se inspiraram no exemplo de processos contra o crime organizado, transferindo sua investigação para figuras em posição mais baixa na hierarquia e, agindo discretamente, convertendo pelo menos seis ex-funcionários de baixo nível no governo Trump em testemunhas que forneceram informações sobre as atividades de seus chefes.

Hutchinson já recebera uma intimação quando abordou a equipe de Trump para pedir ajuda para pagar sua representação legal, segundo duas pessoas familiarizadas com a questão. Num primeiro momento, Trump se negou a cobrir os custos dos advogados de vários ex-assessores, mas concordou quando funcionários seniores lhe disseram que ele atrairia cobertura negativa da imprensa se não o fizesse.

Em alguns casos, advogados que aconselharam Trump tentaram em vão ter seus honorários ou custos relacionados cobertos por entidades que apoiam o ex-presidente. Isso aconteceu com Rudy Giuliani, ex-advogado pessoal de Trump que o incentivou a tentar subverter os resultados da eleição. Aliados de Giuliani reclamaram publicamente que ele tinha custos advocatícios altos que estava tendo que pagar sozinho. Não houve nenhuma iniciativa para cobrir seus gastos.

Um dos aliados de Trump pode também estar financiando a defesa legal de um dos extremistas acusados de ajudar a orquestrar a invasão do Capitólio. Uma disputa sobre esses honorários emergiu em um dos processos mais ligados ao ataque ao Capitólio –o de Stewart Rhodes, líder da milícia Oath Keepers, que, juntamente com oito de seus subordinados, está sendo processado por conspiração sediciosa.

Na semana passada, promotores apresentaram documentos que, citando artigos publicados na imprensa, alegam que honorários dos advogados de Rhodes e de alguns de seus coréus estão sendo pagos pela organização sem fins lucrativos Defending the Republic, liderada pela advogada pró-Trump Sidney Powell.

Powell é conhecida por ter movido uma série de ações judiciais baseadas em teorias conspiratórias, alegando que Trump perdeu a eleição devido a uma suposta fraude envolvendo urnas eletrônicas e cédulas de voto alteradas. Ela também esteve envolvida com Michael Flynn, ex-assessor de segurança nacional de Trump, numa tentativa aberta de persuadir o ex-presidente a usar seu aparato de segurança nacional para apreender urnas eletrônicas em todo o país, num esforço para se conservar no poder.

Embora os promotores não tenham acusado Powell de infração ética, pediram ao juiz Amit P. Mehta para examinar a possibilidade de ela estar pagando os honorários e de existir um conflito de interesses.

Luke Broadwater , Maggie Haberman , Annie Karni e Alan Feuer

Tradução de Clara Allain

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