Descrição de chapéu The New York Times China

China usa censura para silenciar assédio contra mulheres

Partido Comunista derruba das redes sociais comentários de apoio a quem denuncia violência de gênero

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Alexandra Stevenson Zixu Wang
Hong Kong | The New York Times

Quando uma mulher destacada no movimento #MeToo chinês processou um homem poderoso, foi o acusado, não a acusadora, a ser retratado como vítima. Quando várias mulheres foram espancadas depois de resistir a abordagens indesejadas num restaurante, a notícia foi tratada na mídia sob o enfoque da violência de gangues, não de gênero. E quando uma mãe de oito filhos foi encontrada acorrentada à parede de um barraco, o foco foi sua saúde mental, não o cárcere privado.

Cada um desses incidentes viralizou na internet na China, tendo inicialmente desencadeado uma onda de indignação pela violência contra mulheres. Mas em todos os casos a discussão foi prontamente censurada.

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Passageiras em vagão só para mulheres no metrô de Guangzhou, na China; assédio sexual no país ainda é silenciado - Giulia Marchi - 5.fev.22/The New York Times

Há anos o Partido Comunista Chinês promove a igualdade de gênero como um de seus princípios fundamentais, mas, ao mesmo tempo que casos como esses continuam nas manchetes, Pequim tem feito pouco para atender ao clamor pela responsabilização. Em vez disso, temendo a agitação social, vem usando censores nas redes sociais para sufocar críticas e promover comentários que apoiam a narrativa de harmonia social.

Quando um assunto se populariza online, o departamento de propaganda do partido envia diretrizes aos diretores de grandes plataformas para lhes indicar o tratamento que deve ser dado ao tópico, explica King-Wa Fu, professor do Centro de Estudos de Jornalismo e Mídia da Universidade de Hong Kong. Censores então removem comentários ou contas que expressem opiniões que se afastam demais da posição do regime.

"Já vimos isso ocorrer com muitos casos nos últimos dez anos em que esse tipo de reivindicação ou insatisfação local cresce e passa a fazer parte da agenda nacional."

A enxurrada de manifestações de preocupação com a violência contra mulheres pressionou as autoridades. Temendo qualquer dissenso que fuja do controle, elas estreitaram o espaço para discussão —a tática foi usada recentemente para manipular o debate em torno de um dos casos que se inserem no movimento #MeToo.

A ativista Zhou Xiaoxuan perdeu em agosto a apelação que registrara contra Zhu Jun, âncora de TV a quem ela acusara de violência sexual. Quando Zhou primeiro veio a público fazer a denúncia, em 2018, seu caso inspirou outras mulheres a falar publicamente de suas experiências de assédio. Pouco depois, ela foi banida do Weibo, popular plataforma chinesa, e comentários positivos a seu respeito foram removidos.

"O governo não quer que as pessoas criem hashtags para falar livremente do #MeToo", diz Liu Lipeng, que trabalhou no Weibo de 2011 a 2013. Ele conta que integrou uma equipe de 200 censores instruídos pelo governo a deletar comentários de feministas. "Depois de o governo dar o tom, o Weibo imediatamente deleta posts que destoem dele."

Após o primeiro julgamento, os juízes decidiram que Zhou não apresentara provas suficientes contra Zhu. Veredicto semelhante foi dado em 10 de agosto, no julgamento de um recurso. Ela argumentou que os juízes lhe deram poucas oportunidades de detalhar suas acusações e rejeitaram tentativas de sua advogada de apresentar evidências.

Ela foi repreendida por críticos online, que a acusaram de inventar "historinhas" que teriam arruinado a vida de Zhu. Censores usaram o Weibo para promover comentários de apoio à decisão do tribunal contra Zhou, deletando e abafando mensagens em apoio a ela.

O âncora nunca chegou a aparecer no tribunal, "mas fora dele foi protegido pela censura", diz Huang Simin, advogada de direitos humanos que já trabalhou em processos envolvendo violência de gênero na China. Zhou, para ela, "foi censurada, não importa o quanto quisesse se manifestar. Ficou invisível e ausente".

Zhu negou as acusações e moveu um processo contra Zhou por difamação. O Weibo não comentou.

Sumiço de tenista e espancamento de mulheres

Uma das tenistas mais famosas da China, Peng Shuai, desapareceu repentinamente da internet e da vista do público por semanas no ano passado depois de acusar um membro de alto escalão do partido de agressão sexual. Mais recentemente, em junho, os censores entraram em ação outra vez depois de um grupo de homens espancar brutalmente várias mulheres num restaurante na cidade de Tangshan —duas delas precisaram ser hospitalizadas.

Vídeos do ataque se disseminaram, chocando espectadores e levantando questões sobre as atitudes sexistas que permitiram esse comportamento. Mas outras vozes não demoraram a minimizar a ideia de que o gênero tivesse tido papel na violência —para elas, o que ocorreu foi um problema de segurança pública.

Nos dias seguintes, a mídia estatal destacou a importância de combater a violência de gangues no país. Foram promovidos nas redes sociais comentários que descreveram o ataque como "meramente relacionado a gangues". Mensagens que mencionaram sexismo foram silenciadas. O Weibo fechou mais de mil contas, entre elas as que, segundo a empresa, estariam "incitando ao conflito entre gêneros".

Na semana passada, depois de as autoridades terem acusado 28 pessoas de 11 crimes após uma investigação, a emissora estatal CCTV pôs no ar uma reportagem de 11 minutos dominada por policiais descrevendo o que ocorreu durante o espancamento. Uma das vítimas apareceu rapidamente.

Mas, quando o narrador perguntou sobre uma possível agressão sexual, a reportagem cortou para um policial que descartou a pergunta, descrevendo tais sugestões como "informação falsa inventada".

A mesma coisa se deu com uma mulher encontrada em janeiro acorrentada à parede com uma corrente metálica em volta do pescoço. Um vídeo dela viralizou, desencadeando uma busca de jornalistas e cidadãos para localizá-la. Internautas questionaram a narrativa do regime, segundo a qual ela seria uma mãe com uma deficiência intelectual; muitas pessoas temiam que ela fosse vítima de tráfico de pessoas.

Mas quando ativistas tentaram visitar a mulher para lhe dar a oportunidade de fazer seu relato, foram detidos e espancados por autoridades locais. Suas contas de mídia social foram removidas. Outros que tentaram compartilhar posts sobre a mulher acorrentada foram assediados pela polícia.

Tradução de Clara Allain  

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