Gays de Singapura cultivam esperança após revogação de veto a sexo entre homens

Grupos veem mudança anunciada pelo premiê como vitória pequena em caminho longo até igualdade plena

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Sui-Lee Wee
Singapura | The New York Times

O clínico-geral Roy Tan, 63, se recorda do medo que sentia em Singapura nos anos 1980 e 1990 por ser gay. Ter relações sexuais consensuais com outro homem era passível de prisão. Policiais à paisana abordavam gays em praias e parques, esperavam até que eles sugerissem sexo e então os prendiam.

"Havia uma espada de Dâmocles pendurada sobre minha cabeça, esse risco de ser flagrado pela polícia", diz. "A proibição do sexo entre homens afetou minha vida profundamente quando eu era jovem, assim como a de muitos outros singapurianos."

Na semana passada o primeiro-ministro Lee Hsien Loong proferiu as palavras que Tan e milhares de outros gays esperaram décadas para ouvir: disse que o governo vai revogar a Seção 377A, uma lei da era colonial que proibia o sexo consensual entre homens —ela não se aplicava às mulheres.

Homens sentados em mesa de bar com iluminação colorida
Homens conversam ao redor de uma mesa em boate gay de Singapura - Ore Huying - 25.ago.22/The New York Times

O momento foi fruto de anos de ativismo e de uma aceitação crescente da homossexualidade. Autoridades sondaram a opinião de entidades religiosas e da comunidade LGBTQIA+ por meses antes do anúncio. Mas nem todos enxergaram a revogação como motivo para comemorar.

Em seu discurso, Lee deixou claro que Singapura não vai se tornar um baluarte dos direitos LGBT, destacando que muitos benefícios sociais vão continuar disponíveis apenas a casais heterossexuais. Disse também que o governo vai emendar a Constituição para proteger a definição de casamento como um acordo entre um homem e uma mulher e para impedir que ela seja contestada na justiça. Ativistas descreveram a revogação como uma vitória pequena no caminho longo para a igualdade plena.

"Foi estranho, porque sentimos que deveríamos ficar felizes, mas não ficamos", diz Mick Yang, 25, universitário transgênero. A decepção, explica, se deve ao que descreveu como o "ideal normativo" do governo em torno da identidade: "um homem, uma mulher, cis, hétero, não transgênero, não queer".

O órgão de regulamentação da mídia de Singapura ainda proíbe a exibição na TV pública de filmes "que promovem ou justificam um estilo de vida homossexual". Filmes com conteúdo LGBTQ geralmente recebem classificação etária mais alta. Organizações que defendem os direitos dessa população não são autorizadas a registrar-se junto ao governo, fato que limita a possibilidade de arrecadar fundos e pedir alvarás para eventos.

A questão da Seção 377A divide progressistas e conservadores em Singapura há anos. Os que se opõem à revogação pediram que a lei fosse mantida até serem definidas "salvaguardas adequadas" do casamento e da família. A Aliança de Igrejas Pentecostais e Carismáticas considerou a decisão "extremamente lamentável".

Em 2007 o governo se comprometeu a deixar de implementar a lei contra o sexo gay, mas ativistas disseram que o simples fato de ela continuar vigente já contribuía para a discriminação. Num país onde a maioria se pauta pelas políticas oficiais ditadas pelo governo, o texto era visto como endosso tácito da ideia de que os gays são pervertidos sexuais.

O consultor Bryan Choong, 45, serviu na Força Aérea de 2000 a 2008. Na época, temia ser exposto como gay e receava o efeito que isso poderia ter sobre sua carreira. Ele conta que no alistamento lhe perguntaram se ele já havia feito sexo com outro homem. Como aos 23 anos ele nunca tivera um namorado, falou a verdade: "Não".

Choong foi um de três querelantes, ao lado de Tan, que em 2018 e 2019 contestaram na Justiça a legalidade da Seção 377A. Numa decisão anunciada em fevereiro, a Suprema Corte de Singapura se negou a revogar a lei. Confrontados com as pressões, alguns gays simplesmente optaram por deixar Singapura.

Jeremy Tiang, escritor casado com um americano, conta que se mudou para Nova York porque não podia ser legalmente casado em Singapura e seu companheiro não teria tido direito a um visto de cônjuge. "De vez em quando a gente lia no jornal que mais um gay havia sido preso", diz. "Isso contribuiu para a opressão que eu sentia quando era jovem."

Para a geração mais jovem de gays singapurianos, a revogação pode levar alguns desses estigmas a diminuir. Hoje eles poderão andar de cabeça um pouco mais erguida, segundo Johnson Ong, que também contestou a lei no tribunal. "Os gays não vão ter que passar pela vida pensando que são cidadãos de segunda categoria", afirma o DJ e cofundador de uma agência de marketing digital.

Homem com camiseta branca sentado a frente de mesa preta, com fundo escuro
Johnson Ong, que entrou na Justiça contra a regra que proíbe sexo entre homens no país - Ore Huiying - 15.ago.22/The New York Times

Tan tem a esperança de que a revogação acabe levando a modificações em outras políticas públicas que discriminam contra os gays. Ele não se abalou com o fato de o governo declarar que não vai ceder nas questões mais amplas, dizendo que a gestão está "pisando em terreno muito instável".

"As pessoas vão questionar por que, já que os singapurianos gays agora são vistos como tão idôneos quanto os heterossexuais. Essas diferenças discriminatórias ainda permanecem."

Não está claro quando a revogação vai entrar em vigor. O Parlamento vai se reunir em setembro e outubro e pode tomar uma decisão nos próximos meses. Mas muitos gays dizem que o que querem agora é superar os anos de sofrimento causados pela lei.

Juntamente com seu parceiro, Kenneth Chee, Gary Lim, 54, contestou a Seção 377A na Justiça em 2013. Ele afirma que a revogação significa que ele não precisa mais "se sentir como criminoso" se demonstrar carinho em público. "Seria maravilhoso se eu pudesse andar de mãos dadas com ele. Estamos juntos há 25 anos e nunca fiz isso."

Tradução de Clara Allain

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