Descrição de chapéu

Livro sobre Trump é anedotário assustador, mas não muda faceta criminosa de republicano

Declaração a jornalista Maggie Haberman sobre cartas de Kim Jong-un tem potencial de complicar enrolado ex-presidente

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Lúcia Guimarães
Nova York

O trem desgovernado que foi a Presidência de Donald Trump volta a produzir um candidato a best-seller. Era inevitável, já que a autora, Maggie Haberman, teve mais acesso ao empresário que era conhecido em Nova York como "The Donald", do que qualquer outro repórter.

O título do livro, lançado na última terça-feira (4) nos Estados Unidos, revela a ambição da empreitada: "Confidence Man: The Making of Donald Trump and the Breaking of America" (vigarista: a criação de Donald Trump e a fratura da América). Entre várias revelações oferecidas pela jornalistas nova-iorquina, a mais grave talvez seja a de que o republicano repetiu para assessores que não desocuparia a Casa Branca no dia da posse do democrata Joe Biden, 20 de janeiro de 2021.

Como tudo o que o que diz o septuagenário, cujo declínio cognitivo pode ser acompanhado em vídeos no YouTube, é difícil saber se ele teria tentado levar a cabo a ameaça. Duas semanas antes da posse, a violenta invasão do Capitólio colocou na defensiva os protetores do presidente derrotado nas urnas —e hoje ainda pode colocar alguns deles atrás das grades.

O ex-presidente dos EUA Donald Trump em evento de campanha de republicanos na Pensilvânia - Ed Jones - 3.set.22/AFP

"Confidence Man" é baseado em mais de 200 entrevistas feitas por Haberman, que passou pelos dois principais tabloides de Nova York e pelo site Politico antes de chegar à editoria de política do New York Times, em 2015.

Recém-contratada, ela recebeu um telefonema. "Trump vai anunciar a candidatura no dia 16 de junho e queremos que você dê esse furo", disse um assessor do pré-candidato, em referência ao jargão do jornalismo para uma informação exclusiva. Haberman, que em 2011 já tinha feito cobertura das ambições presidenciais de seu frequente entrevistado, decidiu não arriscar e esperou o anúncio oficial.

O livro contém anedotas que encheriam monólogos de comediantes, como Trump gritando com seu advogado Rudy Giuliani pelo odor deixado no banheiro de seu jato particular. Mas é difícil rir do testemunho, acompanhado de fotos, de que o então presidente jogava documentos oficiais na privada, tanto na Casa Branca como em viagens —para desgosto de encanadores de plantão.

Ou da mentira que contou a um visitante ao mostrar seu "banheiro secreto", garantindo que havia sido todo reformado. "Você entende do que estou falando", teria dito, o que o convidado interpretou como uma recusa em usar o mesmo vaso que seu antecessor, Barack Obama.

O racismo que o então ainda candidato tornou marca registrada na sua ascensão política reaparece logo depois da posse na Presidência, numa recepção oferecida a delegações do Congresso. Trump confundiu assessores não brancos da deputada Nancy Pelosi e do senador Chuck Schumer com garçons, perguntando: "Por que não trazem a comida?".

Mais grave foi a resposta ouvida por um aliado ao insistir, durante a campanha, que ele deveria denunciar urgentemente os supremacistas brancos e simpatizantes da Ku Klux Klan que pediam apoio a ele. Não há pressa, argumentou Trump, afinal "muitos deles votam".

Do exílio na rede Truth Social, Trump se antecipou ao lançamento do livro para atacar Maggie Haberman, que descrevera, numa das três entrevistas que concedeu de bom grado para o livro, como sua psiquiatra e agora apelida de "maggot" (verme). Ele desmentiu furiosamente a revelação de que quase demitiu a filha Ivanka e o genro Jared Kushner com um tuíte.

Considerando os apuros legais de Trump, é outra revelação que deve deixá-lo mais nervoso. Em setembro de 2021, o republicano se gabou para a repórter de ter levado da Casa Branca "coisas incríveis" como as cartas do norte-coreano Kim Jong-un —que pertencem aos arquivos do governo federal, como tantos documentos alvo da ação judicial de busca de agosto em Mar-a-Lago. Ao notar a expressão incrédula de Haberman, Trump tentou voltar atrás e balbuciou: "Acho que elas estão nos arquivos".

A jornalista tem dito que "Confidence Man", com pelo menos um terço de suas 600 páginas dedicadas à origem familiar e profissional de Donald Trump em Nova York, é um estudo de caráter exposto por reportagem, não juízo histórico.

O livro serve como anedotário assustador para historiadores e não vai mudar a avaliação da Presidência mais criminosa da história americana.

Cinco revelações do livro de Maggie Haberman

1. Trump queria fazer cosplay de Super-Homem. Ele mandou um assessor comprar uma camiseta do Super-Homem antes de ter alta do hospital militar onde estava internado com Covid. O plano, inspirado numa rotina de palco do cantor James Brown, era sair de cadeira de rodas e arrancar a camisa social diante das câmeras, revelando o logo do super-herói.

2. Trump dava exemplos de transfobia e homofobia. Ao receber visitantes, ele fazia adivinhações sobre quem seria homossexual. Quando uma estudante trans perguntou se o então presidente concordava que ela usasse o banheiro feminino, ele reagiu: "Com ou sem pênis?", usando um termo chulo.

3. Trump mandou seu advogado agir com selvageria. Frustrado porque não conseguia reverter a derrota para Joe Biden, o presidente colocou Rudy Giuliani no comando da estratégia legal dizendo: "Faça qualquer coisa, eu não me importo".

4. Trump acha documentos secretos sexy. Assessores tentaram, em vão, impedir que ele publicasse a foto de uma instalação no Irã sem antes bloquear detalhes que o governo queria manter em segredo. "Se remover o que é secreto, perde a parte sexy."

5. Trump queria bombardear laboratórios de traficantes no México. Depois de o republicano insistir várias vezes num plano para atacar território mexicano, assessores, em vez de tentar demovê-lo, pediram ao subsecretário de Saúde Brett Giroir, que também era almirante, para não mais usar uniforme militar nas reuniões sobre saúde pública no Salão Oval.

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