Com apoio do Brasil, ONU condena anexação de partes da Ucrânia à Rússia

Embaixador brasileiro diz que referendos realizados por Moscou são ilegítimos e pede retomada de negociações de paz

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Guarulhos

Com ampla maioria, a Assembleia-Geral da ONU aprovou nesta quarta-feira (12), em Nova York, um texto que condena a anexação de porções do território da Ucrânia pela Rússia.

A moção proposta por Kiev foi analisada em mais uma das sessões de emergência para debater o conflito. Ao todo, 143 nações votaram a favor, incluindo o Brasil, e 5, contra. Outras 35 se abstiveram.

Havia certa expectativa em relação à posição brasileira, depois de a diplomacia ser alvo de pressões de potências ocidentais após se abster em debates recentes sobre o conflito. Sob Jair Bolsonaro (PL), o país defende uma alegada neutralidade na guerra.

Embaixador da Rússia na ONU, Vasili Nebenzia, durante sessão da Assembleia-Geral, em Nova York, que decidiu por condenar a anexação russa de partes da Ucrânia - Ed Jones - 12.out.22/AFP

Na última semana de setembro, o Conselho de Segurança, mais alto colegiado das Nações Unidas, rechaçou texto semelhante, que condenaria a anexação, com o veto da Rússia, um dos cinco membros permanentes; o Brasil, membro rotativo, absteve-se na ocasião.

Moscou tentou, sem sucesso, fazer com que a votação desta quarta na Assembleia-Geral fosse incomumente realizada de maneira secreta. O país alegava que, com a pressão exercida por nações do Ocidente, tornava-se difícil que países menores exercessem seu posicionamento livremente. Na ocasião, o Brasil foi um dos 107 países que votaram contra os russos.

A Rússia formalizou há duas semanas aquela que é considerada a maior anexação forçada de territórios na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Após realizar referendos de fachada, absorveu o que corresponde às duas autoproclamadas repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk), no leste, e as províncias de Zaporíjia e Kherson (sul).

Em resposta, Kiev formalizou o pedido de ingresso na Otan, a aliança militar ocidental que aparece no centro dos discursos de Putin para justificar a invasão do território vizinho no final de fevereiro.

Durante discurso após a votação desta quarta, o embaixador brasileiro João Genésio de Almeida Filho afirmou que o país se soma à defesa de que civis em áreas de conflito não são livres para expressar opiniões. Portanto, os resultados dos referendos, disse ele, "não constituem uma expressão válida e devem ser considerados ilegítimos".

Também criticou, porém, a recusa dos Estados-membros em acolher, durante o processo de negociação, uma emenda ao texto para conclamar as pastes a cessar as hostilidades e retomar negociações.

Diplomatas fizeram falas enfáticas contra as ações de Moscou. Sobraram ainda discursos críticos à própria ONU. A representação da Croácia, por exemplo, disse que a anexação mostra a "fraqueza de nossas capacidades de proteger países, especialmente quando a nação agressora é membro permanente do Conselho de Segurança".

Também houve, claro, manifestações de aliados de Moscou, como a ditadura da Síria, que conta com apoio russo na guerra civil que assola o país. A representação de Damasco acusou nações do Ocidente de manipular o espaço por interesses econômicos. "Estão promovendo polarização entre os membros da ONU com um discurso hostil à Rússia."

A China pediu que a comunidade internacional abandone o que chamou de mentalidade de Guerra Fria, defendeu que sanções econômicas não resolvem a situação e justificou que se absteria porque o texto apresentado "não ajudaria em nada a diminuir a tensão".

Nações como as latino-americanas Bolívia, Honduras e Cuba, as africanas Eritreia, Moçambique e África do Sul e as asiáticas Índia e Paquistão também se abstiveram.

A Rússia, por sua vez, chamou a resolução de hipócrita, politizada e provocativa, com o condão de "destruir qualquer esforço em favor de uma solução diplomática". Segundo Moscou, a população das regiões anexadas "não quer voltar para a Ucrânia". Junto ao país, votaram pelo "não" ao texto as ditaduras de Belarus, Venezuela, Coreia do Norte e Nicarágua, todas aliadas de Moscou.

Sob a ótica do direito internacional, os referendos realizados por Moscou para dar verniz legal à anexação são ilegítimos. Segundo a Constituição ucraniana, ações do tipo só podem ser realizadas na ex-república soviética caso sejam solicitadas por ao menos 3 milhões de pessoas e convocados pelo Rada, o Parlamento, e o presidente.

A medida contraria o chamado texto-base do direito internacional, a Carta da ONU. O documento diz: "Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência de qualquer Estado".

A expectativa prática em torno da votação na ONU, no entanto, é baixa. Em 2014, a Assembleia-Geral aprovou uma moção, com ampla maioria —ainda que menor do que a desta quarta—, em defesa da integridade territorial da Ucrânia e contra a anexação da península da Crimeia. Na ocasião, foram 100 votos em prol do texto, 11 contra e 58 abstenções, incluindo a do Brasil.

Na prática, porém, Vladimir Putin assimilou a região sem grandes dificuldades.

A embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, lembrou da ocasião em seu discurso e disse que cabia às Nações Unidas manter posição enfática no mesmo sentido. "Hoje é a Rússia invadindo a Ucrânia, mas amanhã você pode ser o próximo a ser invadido", disse. "Nossa mensagem é clara: não importa se falamos de uma nação rica ou pobre, nova ou velha; se for membro da ONU, não permitiremos que seu território seja redesenhado pela força."

No Twitter, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, celebrou a aprovação do texto na ONU. "O mundo deu sua opinião: a tentativa de anexação é inútil e nunca será reconhecida por nações livres", disse ele. "A Ucrânia vai recuperar todas as suas terras."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.