Merkel diz que Europa teve vácuo de poder no fim de seu mandato para lidar com Putin

Ex-primeira-ministra relata ter se sentido sem poder e conta que teria insistido em diálogo se tivesse sido candidata

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Berlim | DW

Angela Merkel, que foi primeira-ministra da Alemanha de 2005 a 2021, afirmou que estava "sem poder" para influenciar o presidente russo, Vladimir Putin, na reta final de seu mandato, segundo reportagem publicada pela revista alemã Der Spiegel.

Em sua última visita oficial a Moscou, em agosto de 2021, quando se reuniu com Putin no Kremlin, Merkel disse ter percebido que, "em termos de poder político, tinha acabado". E completou: "[E] para Putin, somente o poder conta".

A ex-líder alemã costumava conversar a sós com o homólogo russo, mas afirmou que, nesse último encontro, ele trouxe para a reunião o seu ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov.

A ex-primeira-ministra da Alemanha Angela Merkel em cerimônia em Lisboa - Carlos Costa - 13.out.22/AFP

Tentativa de envolver a UE fracassou

Merkel, que vem sendo criticada por não admitir erros em sua política sobre a Rússia no período em que chefiou o governo alemão, disse a Der Spiegel que, no final de seu governo, tentou convencer outros líderes europeus da necessidade de estabelecer um novo formato para dialogar com Putin a respeito da Ucrânia, mas se deu conta que já não tinha influência para tanto.

Ela disse que os Acordos de Minsk, criados para evitar a escalada das tensões entre Moscou e Kiev após a anexação da península da Crimeia, em 2014, estavam esvaziados.

Segundo Merkel, em meados de 2021, depois de uma reunião entre Putin e o presidente americano, Joe Biden, ela tentou, ao lado do presidente francês, Emmanuel Macron, estabelecer um diálogo europeu independente com o líder russo no âmbito do Conselho da União Europeia, mas não teve sucesso.

"Alguns colocaram objeções, e eu já não tinha forças para me impor, porque todos sabiam que eu sairia no outono [do hemisfério Norte]", afirmou, referindo-se às eleições alemãs em setembro do ano passado.

Merkel disse ter perguntando a outros líderes no Conselho da UE: "'Por que [você] não se manifesta? Diga algo.' Um respondeu: 'Isso é muito grande para mim'. O outro apenas deu de ombros: 'Isso é o que os grandes deveriam fazer'. Se eu fosse candidata novamente em setembro, teria insistido mais".

A política alemã relatou também compartilhar da mesma avaliação do ex-presidente americano Barack Obama sobre Putin. "Depois da anexação da Crimeia por Moscou, tentamos de tudo para impedir novas incursões russas na Ucrânia e coordenamos nossas sanções detalhadamente."

Fim de 'fase eufórica' na história

Ela avaliou que a invasão russa da Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, marcou o fim de uma "fase eufórica" da história. "Hoje estamos diante de um mundo que novamente está cheio de complicações", afirmou Merkel. "A história não se repete, mas creio que padrões se repetem. O horror desaparece com as testemunhas. Mas o espírito de reconciliação também desaparece."

A ex-primeira-ministra disse ainda que Berlim não deveria ser o primeiro a enviar os tanques mais modernos à Ucrânia, porque "ainda é possível criar um bom sentimento em relação à Alemanha" na Rússia.

Ao mesmo tempo, elogiou a resistência dos ucranianos e demonstrou admiração pelo presidente do Cazaquistão, Kassim-Jomart Tokaiev, que se recusou a apoiar a guerra de Putin. "Creio que é necessário uma força incrível para um homem como esse se colocar contra a Rússia."

Era a hora de uma 'nova abordagem'

A ex-primeira-ministra alemã disse não se arrepender de não ter se candidatado a mais um mandato. "Alguém novo tinha que assumir. A política interna já estava velha. E na política externa no final eu não havia conseguido um milímetro de progresso em tantas coisas que tentamos insistentemente", disse. "Não somente em relação à Ucrânia. Transdnístria e Moldova, Geórgia e Abkházia, Síria e Líbia. Era a hora de uma nova abordagem."

O ucraniano Volodimir Zelenski, a alemã Angela Merkel e o russo Vladimir Putin em entrevista coletiva após cúpula em Paris em 2019 - Charles Platiau - 10.dez.19/Pool/Reuters

Em seguida, ponderou: "Mas você não pode agora fingir que é necessário somente ter a atitude correta que dará certo". Questionada pela Spiegel se se referia à atual ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, e sua política externa orientada por valores, Merkel apenas esboçou um leve sorriso e ficou em silêncio.

Em outro momento da entrevista, a política alertou contra fazer exigências altas demais a outros países em política externa. "Temos que ser cuidadosos em não colocar o nível tão alto que no final não sobra ninguém que possa satisfazer nossos padrões."

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