Descrição de chapéu The New York Times

George Santos fez bicos, acumulou dívidas e foi alvo de processos antes de ser eleito

Filho de brasileiros eleito para a Câmara dos EUA mentiu sobre seu passado, segundo jornal

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Michael Gold Grace Ashford Ellen Yan
Nova York | The New York Times

O jovem e bem-educado funcionário do serviço de atendimento ao cliente da Dish Network em Queens falava inglês e português, e por isso, quando os imigrantes brasileiros tinham problemas com suas faturas ou antenas parabólicas, suas ligações eram encaminhadas a ele.

O ano era 2012, e o homem em questão era George Santos, um filho de imigrantes brasileiros que, pouco mais de uma década mais tarde, venceria uma eleição crucial para a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos.

O deputado eleito nos EUA George Santos - Wade Vandervort 19.nov.22//AFP

Mas durante a campanha eleitoral, Santos contava uma história diferente sobre seu passado: dizia que, na época em que os registros da Dish Network mostram que trabalhava para a empresa, ele em lugar disso estaria galgando a hierarquia do Citigroup, como primeiro passo de uma longa e lucrativa carreira em Wall Street que também incluiu uma passagem pelo banco Goldman Sachs.

Nem o Citigroup nem o Goldman Sachs conseguiram identificar qualquer registro de Santos como empregado, noticiou o The New York Times na segunda-feira (19). As descobertas do jornal —entre as quais uma acusação criminal contra Santos no Brasil e potenciais omissões ou distorções em suas declarações financeiras— colocaram em questão o que é sabido sobre a vida e os negócios do novo congressista republicano.

Santos se recusou a abordar diretamente a reportagem do The New York Times ou a fornecer um currículo detalhado que poderia ajudar a verificar seus empregos passados, definindo a solicitação dessas informações como um esforço de "difamação de seu bom nome".

Na quinta-feira (24), depois que muitos integrantes do Partido Democrata e até mesmo alguns republicanos começaram a pedir respostas, Santos declarou via Twitter que "tenho minha história para contar e ela será contada na semana que vem". Ele prometeu aos seus eleitores que "responderia às suas perguntas". (O advogado de Santos em seguida se recusou a responder a uma lista de perguntas do The New York Times.)

Mas entrevistas com antigos amigos e colegas de trabalho, e registros adicionais obtidos pelo jornal, oferecem uma imagem mais completa da vida de Santos, com novos detalhes que não foram revelados em sua biografia de campanha eleitoral.

Antigos amigos recordam um jovem ambicioso e de gosto refinado, cujas descrições luxuosas sobre os imóveis que diz possuir no Brasil, Nova York e Nantucket, Massachusetts, parecem muito distantes dos apartamentos alugados nos quais ele morou em Queens, entre os quais um que ele dividia com sua irmã e sua mãe, que trabalhava como empregada doméstica.

John Rijo, que informou ter trabalhado na central de atendimento da Dish Network em College Point por aproximadamente uma década, disse que Santos atendia a telefonemas em inglês e português. Santos trabalhou lá de outubro de 2011 a julho de 2012, na área de "atendimento ao cliente", de acordo com a empresa.

A remuneração dos atendentes era de no máximo US$ 15 por hora, acredita Rijo, e o conhecimento de um idioma estrangeiro podia aumentar esse valor em US$ 1 a US$ 2 por hora. O site de notícias locais Patch também noticiou que Santos trabalhou na Dish.

Naquele período, recordam alguns de seus amigos, Santos vivia modestamente em Queens, e ocasionalmente tinha de aceitar colegas de apartamento adicionais para conseguir bancar o aluguel.

Peter Hamilton conheceu Santos por volta do início de 2014, ele disse. Hamilton recorda que Santos não reconheceu o nome da escola de administração de empresas em que dizia ter se formado na Universidade de Nova York. Mesmo assim, Hamilton o achava carismático e inteligente. "Ele parece saber o que dizer às pessoas, e como dizê-lo", Hamilton recordou em uma entrevista.

Ele não hesitou quando Santos lhe pediu alguns milhares de dólares emprestados para alugar um apartamento com seu namorado, e lhe transferiu o dinheiro em setembro de 2014, de acordo com documentos judiciais. Pouco tempo depois, disse Hamilton, Santos parou de responder às suas mensagens de texto e telefonemas.

Nos meses anteriores ao empréstimo, Santos e sua família estavam envolvidos em um processo de despejo em Jackson Heights, Queens, de acordo com registros judiciais. Em junho de 2014, o locador da família acusou Santos, sua mãe e sua irmã de estarem devendo três meses de aluguel. As partes chegaram a um acordo, mas a família foi despejada em agosto depois que o proprietário declarou que não tinham pago em tempo o dinheiro devido, mostram os registros judiciais.

Hamilton abriu um processo em um tribunal de pequenas causas de Queens para reaver seu dinheiro, em 2015. Em outubro daquele ano, Santos respondeu dizendo que o dinheiro tinha sido pago e que não se tratava de um empréstimo, mas de um favor. O juiz acatou o pedido de Hamilton, no entanto, e ordenou que Santos pagasse US$ 5 mil acrescidos de juros.

Em uma entrevista, Hamilton disse que, embora a ideia de recuperar o dinheiro ainda o interesse, ele não se preocupava tanto assim com dívidas passadas. "Lamento não ter me pronunciado antes que a eleição acontecesse", ele disse, acrescentando, mais tarde, que "a esta altura, é como se ele estivesse fraudando o público".

Os registros judiciais mostram que as dificuldades financeiras de Santos se estendiam para além das dívidas junto a amigos. No mesmo ano em que ele esteve envolvido na disputa com Hamilton, um proprietário em Queens entrou com uma ação de despejo contra ele, afirmando que Santos lhe devia US$ 2.250 em alugueis.

Menos de dois anos depois, ele foi alvo de mais uma ação de despejo em outro apartamento, quando um proprietário no bairro de Sunnyside, Queens, afirmou que Santos lhe devia meses de aluguel e uma taxa de reembolso por um cheque devolvido. Santos terminou condenado a pagar mais de US$ 12 mil.

No ano seguinte, em dezembro de 2018, o Discover Bank obteve um veredicto de inadimplência contra Santos no valor de US$ 1.927,45, por faturas não pagas de cartão de crédito, de acordo com registros judiciais. O último pagamento dele, no valor de apenas US$ 34, tinha sido realizado em fevereiro daquele ano.

Em 2019, quando Santos estava se preparando para iniciar sua primeira campanha por uma cadeira na Câmara dos Deputados, registros judiciais mostram que ele esteve envolvido em um novo processo em um tribunal de Queens, dessa vez de divórcio.

Registros municipais obtidos pela organização sem fins lucrativos Reclaim the Records mostram que Santos se casou em Manhattan, em 2012. Sua ex-mulher pediu o divórcio em junho de 2019, e Santos não contestou o pedido.

As circunstâncias de seu casamento não são claras: casos de divórcio são sigilosos e as tentativas de contatar a ex-mulher de Santos em Nova Jersey não tiveram sucesso. Mas o divórcio foi concluído no quarto trimestre, mostram os registros judiciais. Em novembro, Santos declarou sua candidatura à cadeira do 3º Distrito Eleitoral de Nova York no Congresso; a área cobre o nordeste de Queens e norte de Long Island.

No início dessa primeira campanha, Santos registrou como endereço um apartamento do bairro de Elmhurst, em Queens. Essa residência, que não fica no distrito que ele estava batalhando para representar, apareceu em uma lista oficial de candidatos compilada pelo Conselho Eleitoral de Nova York em 2020 e em documentos financeiros federais sobre a campanha.

Mais tarde, Santos se mudou para uma casa no bairro de Whitestone, o distrito em que ele atualmente está registrado como eleitor mas onde já não mora.

A proprietária da casa, Nancy Pothos, disse que Santos e seu marido haviam se mudado para lá em julho de 2020. O casal alugou o apartamento duplex de dois quartos por US$ 2.600 ao mês, ela disse. Pothos ocupava o andar de baixo da edificação.

O apartamento atraiu atenção quando Santos afirmou que o imóvel tinha sido vandalizado em janeiro de 2021, depois que ele e seu marido retornaram de um evento de gala de Ano Novo em Mar-a-Lago, Flórida, o clube particular do ex-presidente Donald Trump. Um artigo do New York Times tinha links para fotos que Santos postou no Instagram registrando sua presença no evento, mostrando que os convidados não estavam usando máscaras apesar das restrições relacionadas ao coronavírus.

George Santos posa com noivo em janeiro de 2021 em Mar-a-Lago
George Santos posa com noivo em janeiro de 2021 em Mar-a-Lago - Reprodução/Instagram

Santos também disse ao jornal Newsday que planejava se mudar para Oyster Bay, Nova York. Em lugar disso, ele parece ter se instalado em uma casa em Huntington, uma cidade fora dos limites de seu distrito eleitoral. (Congressistas têm a obrigação de viver no estado que representam, mas não precisam morar em seu distrito eleitoral.)

Na quarta-feira (21), três vizinhos disseram que tinham visto Santos ou seu marido na casa em Huntington, em um bairro de colinas repleto de casas atraentes, de classe média, algumas das quais transformadas em imóveis para locação. Um homem que mora do outro lado da rua disse que Santos havia se mudado para a casa em algum momento de agosto.

Nem Santos e nem seu marido têm seus nomes mencionados nos registros de propriedade da casa, e o proprietário da casa não respondeu a um telefonema e mensagens nas redes sociais buscando mais informações.

Tradução de Paulo Migliacci  

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