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Castillo tem prisão preventiva decretada no Peru, e Dina diz que não rejeita antecipar eleição

Diplomacia mexicana confirma tratativas após pedido de asilo de presidente destituído

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São Paulo

A nova presidente do Peru, Dina Boluarte, cumpriu seu segundo dia de mandato com tentativas de baixar a temperatura da crise institucional levada ao ápice em uma quarta-feira de convulsão política no país. Primeira mulher a ocupar o cargo, ela fez suas primeiras declarações após o discurso de posse ainda sem indicar a formação do gabinete ministerial, esperada para os próximos dias.

Em fala a jornalistas em frente ao palácio nesta quinta-feira (8), Dina comentou principalmente especulações sobre uma possível antecipação das eleições gerais, proposta por críticos do agora ex-presidente Pedro Castillo. Ela disse que a ideia seria "democraticamente respeitável", mas que deseja discutir com outras forças políticas para chegar a uma conclusão.

"Assumir a Presidência é uma oportunidade de reorientar o que deve ser feito com o país", afirmou, voltando a pedir uma trégua ao Legislativo. A nomeação do gabinete, que deverá ser aprovado pelo Parlamento, é cercada de expectativa, já que os nomes permitirão sentir o pulso da orientação do novo governo e estimar as possibilidades de que o país viva enfim algum período de estabilidade.

A nova presidente do Peru, Dina Boluarte, chega a entrevista na frente do palácio - Divulgação Presidência do Peru - 8.dez.22/Reuters

Na quarta, Castillo promoveu uma tentativa de golpe de Estado, mandando dissolver o Congresso e decretando um estado de exceção. O movimento fracassou depois que o Parlamento ignorou as ordens e destituiu o político com uma moção de vacância —a terceira que foi analisada na Casa em 16 meses de mandato.

Preso, o ex-presidente foi transferido na madrugada da Prefeitura de Lima, onde estava detido, para a sede da Direção de Operações Especiais (Diroes) —mesmo centro em que está Alberto Fujimori, ditador que comandou o Peru de 1990 a 2000. Nesta quinta, a Justiça ordenou que Castillo fique preso preventivamente pelos próximos sete dias, depois de o Ministério Público sustentar que a soltura poderia atrapalhar as investigações.

Segundo o jornal El Comercio, o procurador Marco Huamán argumentou que a medida ajudaria a identificar outros funcionários públicos que possam ter participado da tentativa de golpe. Juízes em duas cortes, uma delas constitucional, negaram pedidos de habeas corpus baseados nos argumentos de detenção arbitrária e de que o político ainda teria imunidade por formalmente ainda ser presidente, porque a nomeação de Dina não teria sido publicada no Diário Oficial.

Acusado dos crimes de rebelião e conspiração, que têm penas previstas de 10 a 20 anos de prisão, Castillo compareceu de forma virtual à audiência que determinou a prisão preventiva. Mostrando abatimento, ele ficou calado, com seus advogados falando por ele. A defesa alega que os delitos de que ele é acusado supõem o uso de armas ou violência, o que não ocorreu.

O ex-presidente ainda é alvo de seis investigações do Ministério Público, uma das quais já resultou na acusação de que ele liderava uma organização criminosa que buscava obter propinas em troca de contratos de obras públicas —denúncia que já tinha chegado ao Congresso.

Também nesta quinta surgiram detalhes do suposto plano que Castillo tinha de fugir para o México. A medida, segundo El Comercio, só não teria se concretizado porque o comandante-geral e o chefe de Estado Maior da Polícia Nacional —instituição que, ao lado das Forças Armadas, não topou embarcar na tentativa de golpe— acionaram a equipe de segurança do próprio político.

A ordem, então, chegou ao motorista da van que transportava o líder peruano, que se desviou da rota prevista até a embaixada. Essa informação também foi usada pelo Ministério Público para pedir a manutenção de Castillo na prisão.

Paralelamente, o presidente Andrés Manuel Lopéz Obrador disse que chegou a receber um telefonema do político antes de ser detido. "Ele me disse que estava a caminho da embaixada, mas com certeza já haviam grampeado seu telefone", afirmou o mexicano em entrevista, defendendo o peruano. "Desde que ganhou, ele foi vítima de assédio, confronto, seus adversários não aceitavam que ele governasse."

Na tarde desta quinta, o chanceler Marcelo Ebrard confirmou que iniciou consultas com as autoridades peruanas sobre um pedido formal de asilo feito por Castillo. Segundo ele, o embaixador do país no Peru se reuniu com o político na Diroes.

O impacto que isso poderia ter na vida política do país é incerto. O dia registrou protestos pontuais contra a detenção e a destituição de Castillo, com críticas ao Congresso —que de resto é reprovado por cerca de 80% dos peruanos. Em Lima, o ato reuniu milhares de pessoas, segundo a AFP. Em outros locais, como Puno e Ayacucho, a polícia interveio com gás lacrimogêneo para dispersar confusões na manifestação.

Dina Boluarte reconheceu o momento atribulado, dizendo que "a instabilidade política não é de agora" e reconhecendo que "as circunstâncias em que essa responsabilidade [chegar à Presidência] foi assumida não foram as ideais".

Ao reforçar a promessa de um governo de unidade nacional e um "gabinete de todos os matizes", a nova presidente reiterou que pretende cumprir seu mandato, que vai até 28 de julho de 2026 –o que a diferiria de quase todos os seus antecessores desde 2016, um retrato do nível de instabilidade do Peru.

Nesta quinta, ela defendeu a manutenção de uma cúpula em Lima com Colômbia, Chile e México, adiada após os eventos de quarta, e realizou uma série de reuniões, com autoridades políticas, do Congresso, religiosas e de outras áreas —incluindo a procuradora-geral do país, Patricia Benavides, que liderou as diligências após a detenção de Castillo. Dina ainda exaltou o papel das Forças Armadas e da Polícia Nacional, chamando de fundamental a ação das instituições de se afastar do golpismo do ex-presidente.

A nova chefe do Executivo foi uma das primeiras a chamar os atos de Castillo pelo nome na quarta-feira. "É um golpe que agrava a crise política e institucional", escreveu no Twitter. Horas depois, ela chegaria ao Congresso convocada pelo Legislativo para fazer o juramento que a consagrou como a nova ocupante da Casa de Pizarro, sede da Presidência.

A quarta-feira começou a se desenhar como o dia mais tumultuado da história recente do Peru quando Castillo fez um pronunciamento à nação decretando estado de exceção e ordenando a dissolução do Parlamento e a convocação de novas eleições. Ao fazê-lo, distorceu prerrogativas previstas pela Constituição e, portanto, viu seu ato receber o rótulo de tentativa de golpe.

O Congresso na prática ignorou os desmandos e deu prosseguimento à votação da terceira moção de vacância contra o líder populista –uma espécie de processo de impeachment.

Até a véspera, tudo indicava que o presidente sobreviveria mais uma vez à tentativa de destituição, mas as medidas inconstitucionais que ele adotou horas antes inverteram o jogo. A moção foi aprovada com 101 votos a favor, 6 contra e 10 abstenções –eram necessários 87 votos para a destituição.

O presidente deposto permaneceu detido na Prefeitura de Lima por mais de sete horas. Ainda na noite de quarta, foi transferido junto com o ex-premiê Aníbal Torres, que integra sua defesa, para o quartel Los Cibeles, no distrito de Rimac e, de lá, partiu de helicóptero para a sede da Diroes.

Além do ditador Fujimori, pai de Keiko, a principal adversária de Castillo, derrotada na última eleição com cerca de 50 mil votos de diferença, outro ex-líder peruano ficou detido no mesmo centro. Ollanta Humala, que presidiu o país de 2011 a 2016, passou nove meses em prisão preventiva sob acusação de lavagem de dinheiro em escândalo envolvendo a empreiteira brasileira Odebrecht.

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