Descrição de chapéu Partido Republicano

Câmara dos EUA adia votação após racha republicano levar a impasse inédito em 100 anos

Dissidências em torno de Kevin McCarthy levam escolha de presidente da Casa a mais de uma rodada pela 1ª vez desde 1923

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Washington

Não houve quem acordasse tranquilo na alta cúpula do Partido Republicano nesta terça-feira (3), e o que era para ser uma vitória acabou se tornando uma dor de cabeça nos corredores do poder em Washington —que, por fim, terá novos capítulos nesta quarta (4).

Com a posse do novo Congresso dos Estados Unidos, eleito nas midterms de novembro, a legenda voltou a ter maioria na Câmara dos Representantes após quatro anos. A mudança deve representar um aumento expressivo na oposição ao presidente Joe Biden, que até aqui tinha o controle das duas Casas no Congresso.

Nesta terça, com o início da legislatura sob a nova configuração, estava agendada a eleição para presidente da Câmara —um dos cargos mais poderosos do país, segundo na linha de sucessão, atrás da vice-presidente, Kamala Harris. Mas, pela primeira vez em cem anos, o partido no controle da Casa não conseguiu formar consenso em torno de um nome e ninguém foi eleito na primeira votação. Nem na segunda. Nem na terceira.

O deputado Kevin McCarthy, da Califórnia, no primeiro dia do novo Congresso dos EUA, em Washington
O deputado Kevin McCarthy, da Califórnia, no primeiro dia do novo Congresso dos EUA, em Washington - Jonathan Ernst/Reuters

O principal candidato republicano para o cargo é Kevin McCarthy, 57, deputado pela Califórnia. Com oposição da ala mais radical da legenda, ele não alcançou os 218 votos necessários, em uma derrota considerada humilhante para um líder de partido, cuja eleição em tese deveria ser simples. Nas duas primeiras rodadas, ele obteve 203 apoios, com 19 republicanos votando em outros candidatos. Na terceira, a pressão subiu e 20 correligionários optaram por outro nome.

A falta de consenso na escolha trava a pauta na Câmara, e os deputados têm de votar quantas vezes forem necessárias até que o novo presidente seja escolhido. A última vez que um chefe da Casa não foi eleito logo na primeira votação foi em 1923, quando a seleção de um republicano demandou nove rodadas. Em 1849, foram 60 votações até chegar a um consenso e em 1856 a Câmara parou por dois meses porque ninguém conseguia alcançar a maioria.

McCarthy é o atual líder da bancada republicana de deputados e por isso tinha a vitória dada como certa meses atrás. Mas o impasse desta terça é resultado direto das midterms, nas quais se esperava um desempenho muito superior da legenda. O partido tem agora 222 cadeiras das 434 da Câmara (são 435, mas há um posto vago), apenas 4 a mais do que o mínimo necessário para a maioria de 218, tornando pequena a margem de dissidência.

Com oposição aberta da ala da ultradireita republicana, McCarthy foi desafiado internamente por Andy Biggs, do Arizona, ex-chefe do Freedom Caucus (bancada da liberdade), grupo radical da legenda. Biggs teve dez votos na primeira votação, mais do que os cinco necessários para travar o nome do rival.

Na segunda rodada, as dissidências se uniram em torno de Jim Jordan (Ohio), mesmo após o deputado negar a candidatura e afirmar que apoiaria McCarthy. Jordan obteve 19 votos, levando a eleição a um terceiro turno —no qual a pressão subiu e ele chegou a 20 votos, mostrando que o apoio a McCarthy caía à medida que o impasse aumentava.

Sem saída à vista, a Câmara encerrou a sessão. As rodadas de votação serão retomadas nesta quarta (4).

A indefinição mostra o estado de ânimos do Partido Republicano, dividido entre apoiadores radicais do ex-presidente Donald Trump e os que defendem deixá-lo para trás.

É um contraste visível com os democratas. Em novembro, a eleição de Hakeem Jeffries como novo líder, para suceder a poderosa Nancy Pelosi, não teve contestação. Nesta terça, como era esperado, os 212 deputados eleitos da legenda votaram em Jeffries para presidente da Câmara —algo difícil de se concretizar sem a maioria. Também não há hoje outro nome suficientemente forte entre os democratas para desafiar uma tentativa de reeleição de Biden, que terá quase 82 anos no próximo pleito.

Já os republicanos não obtêm consenso nem sequer para eleger um líder a um cargo já garantido. McCarthy, porém, não pretende tirar seu nome da lista —até aqui não há, de toda forma, um adversário capaz de vencê-lo. Outros nomes surgem nas bolsas de apostas, o mais claro deles sendo o de Steve Scalise, deputado por Louisiana e número 2 do partido na Câmara. Scalise, porém, apoiou o líder da legenda nas votações desta terça.

Outro voto em McCarthy partiu de mais uma figura controversa da legenda, o filho de brasileiros George Santos. Depois de confessar ter mentido no currículo na campanha, o deputado por Nova York tomou posse enfrentando pressão significativa de legisladores de ambas as legendas, além de investigações abertas ou com a intenção de serem reabertas por promotorias nos EUA e no Brasil. Nesta terça, ele teve presença discreta no plenário, mas foi cercado por jornalistas nos corredores —sem responder a perguntas.

Nascido na Califórnia, McCarthy foi eleito deputado pela primeira vez em 2006 e rapidamente galgou espaço na política interna republicana. No começo da carreira era tido como representante da ala jovem moderada, os "young guns" (armas jovens), e chegou a lançar um livro com esse título, clamando por mais consenso bipartidário para avançar pautas importantes para o país.

No governo Trump foi se aproximando da agenda conservadora e se transformou em forte aliado do então presidente. Dias após o pleito de 2020, ainda durante a apuração, chegou a dizer à Fox News que o republicano havia vencido, antes de o resultado oficial apontar Biden como eleito.

A maré virou na sequência da invasão do Capitólio, quando uma multidão insuflada por Trump tentou impedir à força a confirmação da vitória do democrata. McCarthy se voltou contra o então presidente e, em conversas privadas que vazaram à imprensa, pediu sua renúncia. No púlpito da Câmara fez um discurso duro, em que afirmou que Trump era "responsável pelo ataque" e "deveria ter denunciado imediatamente a multidão quando viu o que estava acontecendo".

Esse é um dos principais motivos para a bancada radicalizada do partido temer que ele não seja fiel aos ideais trumpistas. Habilidoso politicamente, porém, o líder soube ler o cenário e se reaproximou do ex-presidente, inclusive jogando na fogueira seu antigo braço direito, a deputada Liz Cheney —que votou pelo impeachment do republicano e integrava a comissão do Congresso que investigou o 6 de Janeiro.

Para tentar contornar as dissidências, McCarthy passou a acenar à ala radical e prometeu abrir uma série de investigações contra a gestão Biden, mirando do secretário de Segurança Interna pela crise da imigração na fronteira com o México à retirada das tropas do Afeganistão e aos negócios de um dos filhos do presidente, Hunter Biden. Ele também prometeu investigar o que considera limitação à liberdade de expressão por empresas de tecnologia e o que chama de doutrinação nas escolas.

Até agora, isso não bastou para vencer a resistência a ele, como esta terça-feira de caos político deixou claro.

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