Descrição de chapéu Partido Republicano

Mentiras e omissões complicam George Santos e elevam pressão sobre Partido Republicano

Deputado eleito nos EUA confessa que inventou currículo, mas dificuldade para explicar finanças abre brecha para novas investigações

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Lúcia Guimarães
Nova York

Ao confessar ter mentido sobre o currículo e a formação profissional durante a campanha para as midterms de novembro, o deputado eleito nos EUA George Santos deixou uma série de omissões que oferecem mais lendas para serem investigadas sobre ele.

Escondido desde a publicação de uma reportagem do jornal The New York Times antes do Natal, o trumpista filho de imigrantes brasileiros e primeiro republicano abertamente gay a se eleger para a Câmara, deu entrevistas à amistosa mídia conservadora de Nova York num esforço possivelmente orquestrado por seu partido. Mas o que ele não fez nelas é o que chamou mais a atenção.

Perguntando sobre algumas das denúncias, Santos se referiu ao falso currículo como "embelezado", não como uma série de mentiras, e falou muito —deixando de seguir a norma de que a mentira requer consistência, já que falsos fatos precisam às vezes ser revisitados numa mesma versão.

O deputado eleito dos EUA George Santos, que admitiu ter mentido no currículo, discursa em evento judaico em Las Vegas
O deputado eleito dos EUA George Santos, que admitiu ter mentido no currículo, discursa em evento judaico em Las Vegas - Scott Olson - 19.nov.22/Getty Images/AFP

O político não conseguiu, por exemplo, explicar em detalhes a origem da doação de ao menos US$ 600 mil que fez à própria campanha. Contou apenas, de maneira vaga, que o dinheiro veio da empresa que abriu na Flórida, onde a lei determina que titulares de empresas tenham domicílio no estado. A firma de análise de dados financeiros Dun & Bradstreet, porém, estima que até julho deste ano a companhia de Santos, cuja lista de clientes permanece um mistério, teve receita de apenas US$ 43.688.

A incógnita deve se tornar o principal flanco de pressão dos democratas para que o Departamento de Justiça investigue Santos. Ainda que a Constituição americana torne muito difícil impedir a posse e mesmo expulsar congressistas, falsificar finanças de campanha é um crime federal.

A procuradora do estado de Nova York, Letitia James, filiada ao Partido Democrata, já se dedica a apurar outra invenção do político fabulista: uma ONG de proteção animal que ele usou para arrecadar fundos e que não foi registrada na Receita, como manda a lei.

Santos negou o passado sujo na Justiça brasileira: "Não sou um criminoso aqui [EUA], no Brasil ou em qualquer jurisdição do mundo". O fato é que ele escapou depois de ter sido indiciado por estelionato, por ter furtado um talão de cheques que usou para fazer compras em Niterói (RJ), em 2008 —os cheques de R$ 2.144 não tinham fundo.

Mas ele confessou ter inventado que cursou faculdade e que trabalhou em Wall Street. Depois de tecer uma rebuscada narrativa sobre avós judeus que emigraram da Ucrânia para o Brasil fugindo do nazismo (ambos na verdade nasceram no Rio antes da ascensão de Adolf Hitler), agora ele alega que ouvia histórias da avó judia mais tarde convertida ao catolicismo e que é claramente católico.

Repetiu para o tabloide New York Post que é "jew-ish", trocadilho que significa "mais ou menos judeu". Em seguida, à rádio WABC insistiu na história de que seus avós eram imigrantes. Não há qualquer evidência de que ele tenha ascendência judaica ou foi exposto à religião —mas, como ele mesmo falou a um veículo judaico anteriormente, estava contente de poder representar um distrito de Nova York especialmente "rico em eleitores judeus".

Outra mentira confessada foi a de que era dono de inúmeros imóveis, apesar de ter sido despejado duas vezes nos últimos anos por atrasar o aluguel e morar de favor com a irmã. Admitiu ainda, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, que "George Santos não é dono de nenhuma propriedade".

Se o deputado eleito estava em sua segunda campanha —concorreu, contando variações das mentiras, e perdeu para um democrata em 2020—, por que o Partido Republicano não optou por um candidato mais sólido para representar um distrito abastado que inclui parte de um bairro da cidade de Nova York?

"É difícil recrutar republicanos para concorrer em áreas com grande chance de derrota", diz à Folha Grant Lally, membro do partido que perdeu para um democrata em 2014. A questão, segundo ele, é que uma ação judicial determinou, em junho, o redesenho do distrito pelo qual Santos se lançou. Sua candidatura, antes considerada fútil, subitamente se tornou competitiva, mas era tarde para articular um nome alternativo.

Declarações à imprensa de Nova York, sob a proteção do anonimato, sugerem que a liderança do partido estava ciente de que tinha uma aposta cujo currículo era um queijo suíço de furos. "Qualquer republicano que teve contato com Santos ou prestou atenção a ele sabia que o homem era uma fraude", diz Lally, que teve um longo almoço com o então candidato e saiu dele perplexo.

Um membro do comitê editorial do principal jornal de Long Island, onde fica o distrito que o deputado eleito vai representar, levantou suspeitas sobre ele já na campanha de 2020. Mark Chiusano, do Newsday, contou à Folha que na época telefonou para Santos quando a contagem de votos que confirmou a esperada vitória do democrata Tom Suozzi foi encerrada.

O político estava em Washington, participando do tradicional dia de orientação para deputados e senadores que vão iniciar um primeiro mandato. Ele sabia que a vantagem que tinha sobre Suozzi dias antes era temporária e artificial, porque a Covid levou a um aumento de votos dados pelo correio e a uma contagem mais lenta. Mesmo assim, se apresentou ao Capitólio como deputado eleito, copiando o manual negacionista de Donald Trump.

A questão é que agora o Partido Republicano precisa que Santos tome posse, no próximo dia 3, garantindo a maioria apertada da legenda na Casa. E não é preciso ter a imaginação do deputado eleito para especular que ele pode se contorcer solitário ao vento depois de dar seu precioso voto para eleger Kevin McCarthy presidente da Câmara —num momento em que o republicano enfrenta uma pequena rebelião à sua direita.

O desgaste, porém, está dado. A Coalizão Judaica Republicana disse nesta terça (27) que Santos não será mais bem-vindo a eventos do grupo. O democrata Robert Zimmerman, derrotado por ele, voltou a pedir que o rival não tome posse e dispute novamente uma eleição especial. Lideranças do partido de Joe Biden engrossaram as críticas, enquanto republicanos em sua maioria se calaram até aqui.

Dois dos deputados que assumirão assentos por outros distritos de Nova York, porém, já deram sinais de descontentamento com a postura do futuro colega —Nick LaLota chegou a sugerir uma apuração pelo comitê de ética do partido. Jason Miller, aliado próximo e porta-voz informal de Trump, também reagiu de forma seca às entrevistas de Santos postando na Truth Social: "Livrem-se desse perdedor".

Além do mandato na Câmara, os problemas judiciais de George Santos estão apenas começando.

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