Guerra da Ucrânia derruba ministra da Defesa da Alemanha e expõe dilema da Otan

Reino Unido pressiona Berlim e confirma primeiro envio de tanques para o conflito

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São Paulo

A ministra da Defesa da Alemanha, Christine Lambrecht, renunciou nesta segunda-feira (16) após enfrentar uma série de críticas acerca da resposta de Berlim à Guerra da Ucrânia, iniciada há quase 11 meses, quando o russo Vladimir Putin invadiu o país vizinho.

Mais do que isso, a crise alemã expõe um dilema crescente entre os membros europeus da Otan, a aliança militar liderada pelos EUA acerca do fornecimento de armas pesadas para Kiev combater os russos.

Lambrecht durante entrevista coletiva após visita a um batalhão de infantaria blindada em Marienberg
Lambrecht durante entrevista coletiva após visita a um batalhão de infantaria blindada em Marienberg - Odd Andersen - 12.jan.23/AFP

A queda de Lambrecht ocorre na semana em que a Otan discutirá o envio de tanques modernos para ajudar a Ucrânia. O Reino Unido confirmou nesta segunda que enviará 14 modelos Challenger-2 para a Kiev —é a primeira vez que isso ocorre na guerra. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, prometeu que serão "incinerados" se forem a campo.

O governo de Volodimir Zelenski já pediu ao menos 300 blindados do tipo para tentar conter as forças russas no Donbass, o leste do país onde Moscou colhe suas primeiras vitórias em meses.

Os Challenger-2 anunciados no Parlamento em Londres pelo secretário Ben Wallace (Defesa) não mudarão o rumo da guerra, mas servem para pressionar a Alemanha. A questão é que o principal modelo de tanque em operação na Europa, com cerca de 2.500 unidades em 15 países, é o alemão Leopard-2.

Até por estarem no mesmo continente, seriam a opção mais óbvia de blindado pesado para ser fornecido a Kiev. Mas Berlim hesita em se envolver mais. Até aqui, concordou em enviar 40 blindados leves Marder, bastante letais, mas numa categoria inferior à dos tanques. Os EUA seguem a mesma política, tendo se comprometido a fornecer 50 blindados Bradley, assim como os franceses anunciaram a doação de um número incerto de tanques leves AMX.

A Ucrânia operava, antes da guerra, 957 tanques de origem soviética, a maioria dos quais T-72. A Polônia enviou cerca de 230 desses modelos para ajudar os ucranianos. Ao todo, segundo o site de monitoramento holandês Oryx, 449 já foram perdidos de forma documentada.

A pressão está sobre Berlim também porque o país precisa autorizar que outras nações operadoras de seus tanques os transfiram para um terceiro país. Nesta segunda, o governo finlandês pediu tal aval —em processo de adesão à Otan, o país tem uma frota de mais de 200 Leopard-2.

No domingo (15), o jornal Bild am Sonntag publicou uma entrevista com o presidente da Rheinmetall, a fabricante do tanque, que explicitou outra face da questão. "Mesmo que a decisão de enviar nossos Leopard fosse tomada amanhã, a entrega demoraria até o começo de 2024", disse Armin Papperger.

Ele se referia aos tanques em estoque na Alemanha: 22 Leopard-2, o que não faria exatamente diferença nos combates, e 88 modelos antigos Leopard-1. Eles teriam de ser desmontados e remontados para se tornarem operacionais. Ou seja, para que algo seja feito de forma mais eficiente, teriam de ser enviados tanques de arsenais ativos dos países europeus. Também no domingo, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, prometeu que a reunião do grupo na sexta (20) marcaria o "envio de armas mais pesadas".

Até dezembro, dos US$ 40 bilhões enviados em armas e ajuda militar a Kiev, US$ 24 bilhões vieram dos EUA, que querem maior participação europeia. Os países do continente temem o desabastecimento de seus arsenais e a escalada da tensão com a Rússia, arriscando uma Terceira Guerra Mundial.

Como as frotas europeias não são exatamente volumosas como a russa, que tinha mais de 3.000 tanques pesados antes da guerra, perdendo o equivalente à metade disso mas mantendo sua produção, a Otan precisa fazer um "catado" desses blindados entre vários de seus membros para não desguarnecê-los.

O temor de provocar os russos é testado gradualmente. Antes, americanos só enviaram mísseis portáteis. Depois, obuseiros, seguidos por sistemas de artilharia de precisão. Agora, preparam a entrega de sistemas de defesa antiaérea. Mas caças ainda são um tabu, tanto que a Polônia não conseguiu doar seus MiG-29.

Além dessa questão, a queda de Lambrecht acentua as críticas internas ao premiê alemão, Olaf Scholz. Ela sempre foi considerada uma política de pouca estatura para o cargo, e quando o chefe anunciou um pacote de € 100 bilhões para reavivar as Forças Armadas na esteira da guerra, pouco fez na prática.

Até aqui, apenas parece ter andado a aquisição de 35 caças de quinta geração americanos F-35, ainda assim de forma atabalhoada. Além disso, a hesitação simbolizada no envio imediato de 5.000 capacetes para ajudar os ucranianos sempre pesou contra a agora ex-ministra.

Ela também protagonizou um episódio constrangedor no Ano-Novo, quando publicou um vídeo agradecendo os militares de seu país com fogos de artifício abafando o áudio. E ainda disse: "Que tipo de ano é 2022? Nos apresentou muitos desafios incríveis. Há uma guerra no meio da Europa. Associado a isso, houve para mim muitas impressões especiais, muitos encontros com gente interessante".

O próprio estado das forças militares alemãs é alvo de crítica. No mês passado, 18 veículos de infantaria Puma, os mais avançados do país, tiveram de ser retirados de um exercício da Otan por problemas técnicos de operação. Ainda não se sabe quem irá substituir Lambrecht, mas as apostas são de que será outra mulher, para manter a proporção feminina no gabinete de Scholz.

Na Ucrânia, seguem as trocas de acusação pelo bombardeamento de um prédio residencial em Dnipro no sábado (14), matando dezenas de pessoas. Moscou diz que o edifício foi atingido por fogo antiaéreo de Kiev, que acusa um ataque com míssil balístico russo.

Nesta segunda, a tensão foi redobrada no norte do país invadido com o início de um exercício conjunto de forças aéreas da Rússia e de Belarus. O estreitamento da cooperação militar entre os aliados sugere que a ditadura de Minsk possa entrar na guerra ao lado do Kremlin, o que por ora é negado apesar das evidências. Até aqui, Putin usou o território vizinho como base para suas ações.

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