Investigação sobre documentos foca últimos dias frenéticos da Vice-Presidência de Biden

Justiça tenta descobrir responsáveis por armazenar papéis sigilosos que deveriam ter sido levados para Arquivos Nacionais

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Peter Baker Michael D. Shear
Washington | The New York Times

Foram dias de atropelo de telefonemas, reuniões, eventos de despedida e viagens à Ucrânia e à Suíça. Em janeiro de 2017, enquanto encerrava seu mandato de vice-presidente, Joe Biden tentava fazer o máximo possível em pouco tempo. A pergunta que se impõe agora é: o que mais estava sendo incluído em seus afazeres e suas malas? Quem o estava incluindo? Por quê? Para onde tudo isso estava sendo enviado?

Joe Biden, presidente dos EUA, desembarca em New Castle, em Delaware - Joshua Roberts - 15.jan.23/Reuters

A nomeação de um procurador especial na última quinta (12) redobrou a atenção aos últimos dias de Biden na Casa Branca depois de oito anos como vice de Barack Obama. Por alguma razão, um pequeno número de documentos acabou não indo para os Arquivos Nacionais, seu destino correto, mas para a residência de Biden em Wilmington e, posteriormente, para um escritório particular em Washington.

Com Biden na Casa Branca novamente, ele agora está tendo dificuldade em explicar o que aconteceu.

Sua administração escondeu da população a descoberta dos documentos por dois meses, até ela ser levada à tona pela imprensa, e na última semana foi obrigada a corrigir sua versão dos acontecimentos várias vezes. E a Casa Branca disse que, depois de haver informado previamente que uma página de material sigiloso fora encontrado numa sala ao lado da garagem da casa em Wilmington, cinco outras páginas foram descobertas por funcionários do Departamento de Justiça que foram buscar o material.

Robert Hur, nomeado procurador especial pelo secretário de Justiça, Merrick Garland, para investigar a manipulação incorreta dos documentos, sem dúvida terá trabalho para reconstruir o que aconteceu naqueles dias de inverno de 2017, quando membros da equipe do vice-presidente em final de mandato estavam correndo para embalar seus papéis, entregar seus crachás, cooperar com a equipe do novo governo e procurar empregos novos. A Casa Branca ainda não ofereceu nenhuma explicação de como os documentos foram parar nas mãos de Biden, cidadão comum.

Para Biden, janeiro de 2017 foi um período de incertezas. Pela primeira vez em 44 anos ele estaria fora do governo. Não era mais senador, não seria mais o vice, não estaria mais ao centro da ação, já não tinha um futuro evidente. Ele escreveria um livro e fundaria um think tank. Meses mais tarde ele tomaria a decisão de candidatar-se à Presidência outra vez. Durante aquele período de transição, alguma coisa deu errado.

Biden disse na última semana: "Fiquei surpreso ao saber que há documentos do governo que foram levados àquele escritório". Não há evidências públicas de que ele soubesse que os papéis tinham sido levados incorretamente. Se o vice-presidente não os removeu pessoalmente quando deixou a Casa Branca, Hur sem dúvida vai tentar determinar quais assessores encaixotaram seus papéis.

Antes mesmo da indicação de Hur, funcionários do Departamento de Justiça já haviam entrevistado várias pessoas ligadas a Biden. Uma delas foi Kathy Chung, assistente-executiva de Biden quando ele era vice-presidente e hoje funcionária do secretário da Defesa, Lloyd Austin, segundo a NBC News.

Chung teria ajudado a encaixotar o que havia na sala de trabalho de Biden em 2017, mas não se sabe publicamente se ela manuseou os documentos em questão ou se sabia que qualquer coisa que estivesse guardando para ser transferido para outro local era oficial. A Casa Branca tem se negado a responder perguntas, exceto por dar declarações limitadas na última semana. "Fomos transparentes nos últimos dois dias", disse na sexta-feira (13) a secretária de imprensa Karine Jean-Pierre.

Mas a Casa Branca não foi transparente nos últimos dois meses. Os primeiros documentos foram encontrados em 2 de novembro e uma segunda leva, em 20 de dezembro. Após a descoberta inicial, a Casa Branca informou prontamente a Administração Nacional de Arquivos e Registros, que, por sua vez, notificou o Departamento de Justiça.

Mas advogados vinham resistindo a levar a informação a público, alegando que queriam esperar até que emergisse um quadro mais completo. E eles não queriam desagradar ao Departamento de Justiça, passando a impressão de estar litigando a questão na mídia. Quando Biden se preparava para deixar o setor público, seu chefe de gabinete vice-presidencial, Steven Richetti, e outros assessores o ajudaram a traçar um plano para uma vida pós-Casa Branca para a qual pudesse canalizar seus esforços e energias.

Um desses esforços foi um livro de memórias que Biden lançou em novembro de 2017, intitulado "Promise Me, Dad". O título alude a seu filho Beau, morto por um câncer no cérebro em 2015 e que teria pedido encarecidamente a seu pai que continuasse a ser ativo na vida pública. Muitos ex-presidentes e vices consultam documentos governamentais, por meio de um processo regular, para escrever seus livros de memórias. Mas não está claro se os papéis encontrados foram usados em pesquisas para um livro.

Outro projeto que Biden assumiu depois de deixar a Casa Branca foi a criação de um think tank ligado à Universidade da Pensilvânia, chamado Centro Penn Biden para Diplomacia e Engajamento Global, e aberto em fevereiro de 2018. A primeira leva de documentos foi encontrada na sala do político na sede em Washington do centro, mais de três anos depois de ele ter se afastado formalmente do think tank para se candidatar à Presidência.

A Casa Branca de Obama e Biden estabeleceu um processo regular para o manuseio de papéis secretos, e o Escritório de Administração de Arquivos da Casa Branca cooperou estreitamente com os Arquivos Nacionais para assegurar a transferência correta dos materiais.

Qualquer coisa que fosse submetida ao presidente era arquivada. Os papéis seriam devolvidos e colocados no sistema do Conselho de Segurança Nacional ou, se envolvessem política interna, no sistema do Escritório de Administração de Arquivos. O gabinete do secretário de pessoal da Casa Branca tinha a incumbência de verificar que os documentos fossem corretamente encaminhados.

Não está claro até que ponto Biden esteve envolvido no destino dado aos documentos nos dias que antecederam sua saída da Casa Branca em 2017. Sua agenda estava lotada; ele estava tentando incluir o máximo possível de atividade no tempo que lhe restava.

Tradução de Clara Allain 

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