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Ministério Público do Peru abre investigação contra presidente por suspeita de genocídio

Em dia de debates para voto de confiança a gabinete de Dina, país decreta toque de recolher em região com 18 mortos em protestos

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São Paulo

O Ministério Público do Peru anunciou na noite desta terça (10) a abertura de uma investigação preliminar sobre diversas autoridades, incluindo a presidente Dina Boluarte e o primeiro-ministro Alberto Otárola.

De acordo com o comunicado, eles são suspeitos de terem cometido os crimes de genocídio, homicídio qualificado e lesões graves na repressão aos protestos que tomam o país desde a destituição de Pedro Castillo da Presidência, há pouco mais de um mês. A medida foi confirmada enquanto o Parlamento realizava sessão que aprovou o voto de confiança ao gabinete de Dina.

O dia de agravamento da convulsão social que se torna estrutural no Peru incluiu ainda um decreto de toque de recolher noturno na cidade de Puno, novo epicentro dos protestos que voltaram a ganhar corpo nos últimos dias. A medida foi motivada pelo dia mais letal desde o início dos atos: na véspera, 18 pessoas morreram em confrontos na região de Juliaca, a 60 km de Puno —a conta não inclui um recém-nascido que também morreu depois de não ter podido chegar ao hospital devido a bloqueios nas rodovias.

Apoiador de Pedro Castillo em confronto com policiais na região de Juliaca, no Peru
Apoiador de Pedro Castillo em confronto com policiais na região de Juliaca, no Peru - Hugo Courotto - 9.jan.23/Reuters

A maior parte dos óbitos foi registrada em um embate na região do aeroporto de Juliaca, que os manifestantes tentavam tomar —14 pessoas teriam morrido no local, segundo a Defensoria do Peru.

Numa tentativa de enfraquecer o governo Dina, apoiadores de Castillo têm bloqueado estradas e infraestruturas importantes para o país. Outras três pessoas morreram em um shopping center. Segundo as autoridades, elas teriam atacado o estabelecimento. O corpo de um policial foi encontrado carbonizado em um veículo. Jorge Angulo, porta-voz do Ministério do Interior, afirmou que o agente foi "vítima de criminosos" ainda não identificados. A autópsia deverá esclarecer as circunstâncias da morte.

Na tentativa de frear os atos, o primeiro-ministro Alberto Otárola anunciou o toque de recolher em Puno, que deveria entrar em vigor ainda nesta terça, às 20h (no horário local, 22h de Brasília), e perdurar até as 4h. A medida, a princípio válida por três dias, pode ser prorrogada.

O premiê passou boa parte do dia no Parlamento, Casa na qual discursou por mais de duas horas apresentando o plano do governo para o voto de confiança de investidura —requisito constitucional para que o gabinete se mantenha no cargo e que foi aprovado no Congresso com 73 votos a favor e 43 contra.

Além de Dina e Otárola, o Ministério Público vai apurar o papel dos ministros Víctor Rojas (Interior) e Jorge Chávez (Defesa) e dos ex-ministros Pedro Ángulo (chefe do gabinete) e César Cervantes (Interior). A nota da procuradora-geral do Peru cita como objeto central da ação episódios ocorridos em dezembro de 2022 e neste mês de janeiro nas regiões de Apurímac, La Libertad, Puno, Junín, Arequipa e Ayacucho.

Ao menos 40 pessoas morreram desde o início das manifestações, em dezembro, mas os casos de violência não têm coibido a organização de novos atos. Ao menos 53 trechos de rodovias foram bloqueados nesta terça, segundo as autoridades peruanas. Piquetes que impedem a circulação de veículos foram registrados nas regiões de Puno, Cusco, Apurímac, Arequipa, Madre de Dios e Amazonas.

Membros da oposição a Dina Boluarte mostram cartazes ao premiê Alberto Otárola acusando o governo de ter um 'gabinete da morte' em sessão no Parlamento - Sebastián Castañeda - 10.jan.23/AFP

Em Puno, onde os protestos se concentram, autoridades relataram novos ataques contra estabelecimentos comerciais e veículos da polícia. Os atos voltaram a ganhar adesão depois de uma trégua de duas semanas durante as festas de fim de ano. Os manifestantes exigem a renúncia da atual chefe do Executivo, a dissolução do Congresso, mudanças na Constituição e a libertação de Castillo —preso em dezembro depois de ser destituído após uma tentativa fracassada de golpe de Estado.

Antes vice de Castillo, Dina é chamada de traidora pelos manifestantes. No mês passado ela declarou estado de emergência e assinou decreto para que as Forças Armadas se juntem à polícia na repressão.

A forte tentativa de contenção dos manifestantes, contudo, tem aumentado a pressão sobre a presidente. Nesta terça, o governo regional de Puno decretou três dias de luto devido às mortes nas últimas horas e pediu a renúncia de Dina. Otárola, horas depois, determinou luto nacional nesta quarta.

O arcebispo de Huancayo, Pedro Barreto, afirmou que a crise no Peru se assemelha a uma zona de guerra. "A verdade é que estamos nas mãos da barbárie", disse à rádio RPP. Outras lideranças e organizações pedem a investigação das mortes. Nesta quarta, o Peru deve receber uma missão da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), que pretende monitorar o cenário dos direitos humanos no país.

O premiê afirmou ainda que criminosos financiados por "dinheiro obscuro" foram responsáveis pelas mortes recentes e acrescentou que ao menos 143 pessoas —68 manifestantes e 75 policiais— ficaram feridos só na segunda-feira. Em meio à crise, o Peru proibiu a entrada do ex-presidente boliviano Evo Morales em seu território. Ele é acusado pela gestão de Dina de interferir nos assuntos da política interna.

Presidente da Bolívia de 2006 a 2019, Evo tem expressado apoio aos manifestantes. O líder teve presença ativa na política peruana desde que Castillo assumiu a Presidência, em julho de 2021, até sua destituição.

Na semana passada, Dina pediu ao líder da Bolívia que parasse de interferir em assuntos peruanos. Já o ministro da Defesa, Jorge Chávez, afirmou que cinco bolivianos que estariam incentivando os protestos no país foram identificados. Castillo cumpre 18 meses de prisão preventiva enquanto é investigado pelos crimes de rebelião e conspiração após tentar fechar o Congresso ilegalmente —ele nega as acusações.

Com Reuters e AFP

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