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Protestos no Peru acumulam quase 50 mortos e acirram cerco político e jurídico a Dina

Novos ministros renunciam, Ministério Público e Parlamento apertam cerco, e premiê diz que presidente não renunciará

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Petrópolis (RJ)

Entre as tradições políticas do Peru está a de o governo de turno definir um mote para o ano que se inicia. Nesta sexta (13), a presidente Dina Boluarte bem que tentou estabelecer um espírito positivo para 2023, emitindo um decreto para chamá-lo de "ano da unidade, da paz e do desenvolvimento". Falta combinar com as ruas —nas quais a onda de protestos só faz ganhar força—, com a Justiça e com o mundo político.

O dia foi de novas mobilizações em diferentes cidades, sempre convocadas por apoiadores de Pedro Castillo, líder deposto da Presidência e preso. Nem a cifra acumulada de mortos, que chegou a 49, de acordo com a Defensoria Pública do país, freia os atos —nos quais 531 pessoas já ficaram feridas, entre civis e policiais, e 329 foram presas.

Na quinta (12), bloqueios de estradas foram reportados em 10 das 25 regiões, enquanto milhares marcharam na capital, Lima. Arequipa, uma das maiores cidades do país, passou a manhã de sexta praticamente isolada, sem comunicação por terra com as vizinhas, e atos continuaram em outras partes.

A tensão crescente nas ruas desembocou em novos elementos de pressão sobre o governo. Três ministros apresentaram sua renúncia e tiveram os substitutos empossados à noite —um deles na pasta do Interior, chave no contexto atual por estar ligada às forças policiais; Victor Rojas deu lugar ao general da reserva Vicente Romero. A instabilidade no gabinete foi uma das marcas de Castillo, e Dina já tinha sido forçada a trocar os titulares da Educação e da Cultura, em meados de dezembro, e o premiê.

Caixões de papelão com nomes de mortos em protestos no Peru são deixados diante de forças de segurança durante manifestação em Lima - Sebastian Castaneda - 12.jan.23/Reuters

Mais cedo, o Ministério Público peruano tinha confirmado a abertura de 11 investigações acerca das mortes causadas por enfrentamentos entre manifestantes e as Forças Armadas nos protestos, que voltaram com força redobrada após uma trégua na virada do ano. No início da semana, o órgão já tinha iniciado uma apuração preliminar envolvendo Dina, o primeiro-ministro, Alberto Otárola, e outras autoridades, suspeitos dos crimes de genocídio, homicídio qualificado e lesões graves.

Outra frente de pressão veio do Parlamento, onde uma deputada apresentou uma denúncia constitucional contra todo o gabinete, também citando os delitos de homicídio e lesões na região de Puno. Segundo Kelly Portalatino, o governo infringiu uma série de trechos da Carta ao combater os protestos.

Também uma missão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, encerrada nesta sexta, fez críticas à gestão Dina. O chefe do grupo, o guatemalteco Stuardo Ralón, exigiu investigações imparciais sobre a suspeita de que os militares fizeram uso excessivo da força em suas ações.

Em paralelo a todos esses movimentos, autoridades regionais e entidades de classe, a exemplo de 12 associações de advogados e o Colégio Nacional de Professores, engrossaram o coro contra a presidente. "Quantos mortos mais vai custar sua permanência no poder? Peruanos de esquerda ou direita devem fazer essa pergunta. Cargo nenhum está acima de vidas", disse o governador de Puno, Richard Hancco.

A deputada Susel Paredes classificou as renúncias dos ministros do Interior, do Trabalho e das Mulheres de "princípio do fim" do governo. "A renúncia de Dina está amadurecendo."

Na quinta, Otárola negou essa possibilidade. "Não porque ela [Dina] não queira", mas em razão de exigências constitucionais. "Deixar a Presidência abriria uma brecha muito perigosa para a anarquia e a desordem."

Sem fornecer provas, ele disse que as manifestações fazem parte de uma tentativa de golpe de Estado supostamente orquestrada por Castillo e financiada pelo narcotráfico. E afirmou que, em um eventual ensaio de tomada do poder, as forças de segurança defenderiam o atual governo.

Nas ruas, a multidão em Lima na quinta-feira carregou retratos das vítimas e caixões de papelão, clamando por justiça pelos mortos e chamando Dina de assassina. Ex-vice de Castillo, ela assumiu após o afastamento pelo Congresso do líder que tentou um golpe de Estado, e é considerada traidora pelos manifestantes.

Eles exigem sua renúncia, a libertação do ex-presidente, a dissolução do Parlamento e a antecipação das eleições para este ano —o pleito já foi adiantado de 2026 para 2024. Outra demanda é a convocação de uma Assembleia Constituinte. Promulgada em 1993 pelo ditador Alberto Fujimori, a Carta atual é vista pelos correligionários de Castillo como um dos fatores responsáveis pela desigualdade no país.

A passeata na capital, organizada por sindicatos e grupos camponeses dos Andes peruanos —epicentro dos protestos e região em que se concentrou o eleitorado do populista nas eleições passadas—, transcorreu sem incidentes. O mesmo cenário, porém, não ocorreu na cidade de Cusco, que serve de base para visitas ao sítio arqueológico de Machu Picchu, principal destino turístico do país.

Um protesto na noite de quarta (11) já tinha terminado com mais de 50 feridos, incluindo 19 agentes de segurança, e o hotel Marriott foi alvo de pedras. O aeroporto internacional foi fechado para evitar que manifestantes invadissem a pista —o que tem ocorrido mesmo depois da instauração de um estado de emergência. O serviço de trens até a cidade histórica foi suspenso até segunda ordem.

Em nota nesta sexta, o Itamaraty recomendou a brasileiros que avaliem a possibilidade de adiar visitas ao Peru, uma vez que a convulsão social tem dificultado a assistência a viajantes. No início dos protestos, cerca de 5.000 turistas chegaram a ficar presos na região de Cusco devido ao fechamento do aeroporto e dos piquetes em estradas.

Bloqueios ainda foram registrados em Arequipa, Madre de Dios, Tacna e Puno. Autoridades chilenas chegaram a fechar postos de fronteira devido à tensão. A província de Puno, por sua vez, ainda se vê às voltas com os funerais de 19 pessoas mortas em decorrência dos confrontos na segunda-feira (9), dia em que foi registrado o recorde de óbitos em atos até agora.

Uma das vítimas tinha 16 anos, e outra, um policial, morreu calcinado após, segundo o relato da corporação, manifestantes atearem fogo à viatura em que ele estava.

Grupos de direitos humanos acusam as forças de segurança —que, desde a instauração de um estado de emergência, combinam polícia e Exército— de uso excessivo de força na repressão aos participantes dos atos. O jornal La Republica noticiou que foram encontrados fragmentos de projéteis no corpo de nove pessoas mortas em Juliaca. As corporações, por sua vez, dizem ser alvo de armas caseiras e explosivos.

Já mergulhado em um estado de crise permanente e estrutural, com seis presidentes em seis anos, o Peru está imerso em convulsão social desde 7 de dezembro, quando Castillo fracassou numa tentativa de golpe ao mandar dissolver o Parlamento, antecipar eleições e decretar estado de exceção. Destituído pelo Congresso, foi sentenciado à prisão preventiva por 18 meses, acusado de rebelião e conspiração.

Com Reuters e AFP

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