Descrição de chapéu The New York Times

Cidade resiste a terremoto e se torna oásis de estabilidade na Turquia

Prédios não desabaram e nenhuma morte foi registrada em Erzin, próxima do epicentro do sismo

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Cora Engelbrecht Nimet Kirac
Erzin | The New York Times

Num raio de quilômetros em torno da pequena cidade turca de Erzin, a terra está rachada e construções desabaram ao chão. O terremoto de 7,8 graus da semana passada converteu cidades grandes e pequenas em túmulos de concreto.

Mas Erzin continua em pé, como um oásis de estabilidade perto do Mediterrâneo, e a população está curiosa para entender o motivo para a cidade resistir ao terremoto e a um tremor secundário —enquanto muitas outras não, tanto que há mais de 40 mil mortos na Turquia e Síria.

Segundo o prefeito, ninguém morreu e nenhum prédio desabou.

Homens passam em frente a mesquita danificada por terremoto na cidade de Erzin, na Turquia
Homens passam em frente a mesquita danificada por terremoto na cidade de Erzin, na Turquia - Nicole Tung - 17.fev.23/The New York Times

O prefeito aproveitou o momento para dizer que ele sempre impediu a construção malfeita, algo que agora virou foco de atenção de autoridades. Mas engenheiros e cientistas apontaram outros fatores que teriam contribuído para salvar a cidade, como a construção de melhor qualidade após a adoção dos códigos mais recentes e o fato de Erzin ter a sorte de estar localizada em solo firme.

"A condição do solo é o principal motivo de não termos sofrido danos pesados", diz Omer Emre, geomorfologista que há 40 anos estuda as falhas geológicas da região.

Erzin fica a menos de 80 km do epicentro do terremoto, mais perto dele do que cidades ao sul como Iskenderun e Antakya. Mas Antakya foi devastada, e Iskenderun gravemente impactada, com um grande incêndio no porto, água do mar inundando as ruas e lojas e apartamentos destruídos.

Muitas cidades e vilas da região foram erguidas sobre as camadas de areia, sedimentos e argila de um antigo leito de rio. Segundo Emre, esse solo é mais suscetível a abalos, o que também é o caso do solo costeiro macio de Iskenderun. "Esses sedimentos tornam as cidades altamente vulneráveis a terremotos."

Já Erzin está situada em altitude maior em relação ao nível do mar e foi erguida sobre "solo firme composto de rocha estratificada e grãos mais grossos que areia", diz o geógrafo Tamer Duman. O solo firme atua como amortecedor, absorvendo os choques entre as estruturas e as ondas de um sismo.

Situada numa das regiões de maior atividade sísmica do mundo, a Turquia sempre teve códigos sísmicos para as construções, e eles foram atualizados nas últimas décadas. Autoridades estão voltando a atenção à identificação de empreiteiras que possam ser responsabilizadas pelos desabamentos e detiveram dezenas de pessoas.

Empreiteiros foram acusados de usar materiais baratos e desrespeitar os códigos de construção, para acelerar obras e engordar lucros –e, com isso, erguer estruturas que não poderiam resistir a terremotos.

Pegando carona nesse tema, o prefeito de Erzin, Okkes Elmasoglu, está se caracterizando como um herói não reconhecido, alguém que barrou empreiteiros que fariam construções de baixa qualidade.

"Com determinação séria, nos últimos quatro anos o prefeito não permitiu qualquer construção ilegal", diz um assessor do prefeito, Eray Guner, acrescentando que sua repartição denunciou empreiteiros à Justiça e ordenou demolições de obras com qualidade baixa.

Vários engenheiros minimizaram as falas do prefeito, mas admitiram que a cidade tem bons engenheiros e que a implementação insuficiente das leis contribuiu para a devastação fora de Erzin.

"Este é o nosso problema: qualquer pessoa neste país que tenha um terreno pode decidir construir nele –um açougueiro, um sitiante, um cozinheiro", diz um engenheiro civil de Iskenderun. Ele não quis se identificar, temendo represálias por criticar a falta de fiscalização governamental. O engenheiro disse que muitos construtores são inexperientes e ignoram as normas, como o código relativo a alicerces fortes.

"Já peguei concreto que escorreu por meus dedos como se fosse areia", diz o engenheiro, que viajou a Iskenderun para vistoriar escombros em busca de provas de imperícia. Ele descreveu vigas finas demais, feitas de aço de baixa qualidade e ligadas por conectores frágeis. "O terremoto não foi o verdadeiro assassino aqui. A culpa é a má qualidade de nossa construção."

Outros ecoaram críticas recentes ao governo do presidente Recep Tayyip Erdogan por uma legislação promulgada alguns anos atrás que autorizou donos de terrenos a pagar uma taxa para que violações nos códigos de construção fossem perdoadas, sem a necessidade de serem adotadas as medidas previstas.

"Falamos ao governo que era preciso impor fiscalizações da engenharia antes de dar uma anistia", diz Orhan Sarialtun, da União de Câmaras de Engenheiros e Arquitetos da Turquia, entidade que frequentemente está em desacordo com o partido do presidente.

Sarialtun disse também que os empreiteiros que quisessem contornar os regulamentos criavam firmas de inspeção privadas em nome de parentes. "Começaram a fiscalizar a si mesmos."

Agora, segundo ele, as firmas de inspeção e as prefeituras deveriam ser investigadas ao lado das empreiteiras. "Penalizar apenas os construtores significa tirar a responsabilidade que cabe ao governo."

Sarialtun atribui a boa condição de Erzin ao fato de boa parte da cidade ter sido construída nas duas últimas décadas, com construções de melhor qualidade após a adoção dos códigos mais recentes. "Os prédios foram erguidos em conformidade com as normas. Não fosse assim, também teriam desabado."

Muitos moradores de Erzin aplaudiram os engenheiros locais. Hasan Aksoy, 39, conta que acordou durante o terremoto sentindo seu apartamento no sexto andar oscilar. Seu edifício é um dos mais altos da área. "O prédio estava dançando."

Ele aguardou vários minutos para o movimento se acalmar e então levou sua mulher e dois filhos para fora. No dia seguinte telefonou ao engenheiro responsável pelo prédio, que é seu amigo, para agradecer. "Este terremoto é uma prova do bom trabalho dele."

Outros moradores não poupam críticas às autoridades municipais. "Isto daqui não tem nada a ver com nosso prefeito", afirma um funcionário local, Seref Vural. "A fanfarronice do nosso prefeito apenas impede que chegue assistência a nossos moradores que ainda estão dormindo na rua", prossegue, falando dos milhares de residentes que ainda não se sentem em segurança para voltar para suas casas.

O prefeito não comentou as críticas. Mas, mais de dez dias após o sismo, ao mesmo tempo em que a vida retorna a certo grau de normalidade, muitas pessoas ainda sentem medo dos edifícios instáveis.

"Pensamos que fosse o dia do juízo final", comenta Ayse Al, 46, abrigada numa das muitas barracas de emergência montadas nos parques e esquinas. Ela diz que, assim como outras pessoas, ainda está com medo de voltar para casa, mas acrescenta: "Claro que sentimos que tivemos sorte: ninguém morreu."

Tradução de Clara Allain 

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