Como a maior empresa de comunicação do mundo ajudou canal de extrema direita pró-Trump

Análise de processos judiciais mostra o papel da AT&T no financiamento da One America News

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John Shiffman
San Diego (EUA) | Reuters

O canal de TV americano de extrema direita One America News, cuja fortuna e audiência cresceram em meio ao triunfo e o tumulto do governo Donald Trump, floresceu com o apoio de uma fonte surpreendente: a AT&T, maior empresa de comunicação do mundo.

Uma análise feita pela agência de notícias Reuters de processos judiciais mostra o papel que a AT&T desempenhou na criação e no financiamento da OAN, rede que continua espalhando teorias da conspiração sobre a eleição de 2020 nos Estados Unidos e sobre a pandemia de Covid-19.

Montagem mostra telas da One America News
Canal de TV americano One America News tornou-se o preferido de Donald Trump e seus apoiadores - Reprodução/Reuters

O fundador e executivo-chefe da OAN, Robert Herring, disse em depoimento que a inspiração para lançar o canal, em 2013, veio de executivos da AT&T.

"Eles nos disseram que queriam uma rede conservadora", afirmou Herring em um depoimento em 2019 visto pela Reuters. "Eles só tinham uma, que era a Fox News, e havia sete do outro lado. Quando eles disseram isso, na mesma hora formei uma."

Desde então, a AT&T foi crucial fonte de fundos para a OAN, fornecendo dezenas de milhões de dólares em receitas, segundo mostram os registros judiciais. Noventa por cento das receitas da OAN vieram de um contrato com as plataformas de televisão de propriedade da AT&T, como a transmissora via satélite DirecTV, segundo depoimento juramentado feito em 2020 por um contador da AT&T.

Herring afirmou ao tribunal que lhe ofereceram US$ 250 milhões pela OAN em 2019. Sem o acordo da DirecTV, disse o contador, o valor da rede "seria zero".

A AT&T, sediada em Dallas, no Texas, é uma provedora de telefonia celular e internet e também possui a gigante do entretenimento Warner Media, que inclui a CNN e a HBO. A AT&T adquiriu a DirecTV em 2015, e em agosto criou o serviço de satélite, retendo uma participação de 70% na nova companhia, com administração independente. A base total de assinantes de televisão da AT&T nos EUA, incluindo serviços de satélite e streaming, caiu de 26 milhões em 2015 para 15,4 milhões em agosto passado.

Jim Greer, porta-voz da AT&T, não quis comentar no depoimento os fluxos de receitas da OAN, citando acordos de confidencialidade. Ele disse que a DirecTV transmite "muitos canais de notícias que oferecem pontos de vista de todo o espectro político".

"Sempre tentamos oferecer uma ampla variedade de conteúdo e programação que pudesse interessar aos clientes, e não ditamos ou controlamos a programação nos canais que oferecemos", disse Greer. "Qualquer sugestão diferente é errada."

Embora os contratos sejam confidenciais, no processo judicial Herring citou honorários mensais incluídos num acordo de cinco anos com a AT&T. Segundo um registro da AT&T que cita os números de Herring, esses honorários totalizariam cerca de US$ 57 milhões. Greer disse que o número não é exato, mas se recusou a dizer quanto a empresa pagou para transmitir a OAN.

Herring e seus filhos adultos são sócios e operam a OAN, subsidiária da Herring Networks situada em San Diego, empresa de capital fechado. O acordo com a AT&T inclui outra rede de Herring, o canal de estilo de vida AWE, de baixa audiência. A família recusou os pedidos de entrevista da reportagem.

Herring, que acaba de completar 80 anos, é um self-made man, empresário que começou por baixo e fez fortuna na indústria de placas de circuito antes de se dedicar à televisão e à promoção do boxe.

A influência da OAN aumentou no final de 2015, quando começou a cobrir os comícios de Trump ao vivo, época em que parte da mídia ainda via o famoso empresário de Nova York como um candidato presidencial sem chances. A rede continua dando grande atenção a Trump e muitas vezes oferece uma plataforma amigável aos aliados republicanos do ex-presidente.

Como presidente, Trump frequentemente exortava seus apoiadores a assistirem à OAN. Em seus últimos dois anos no cargo, Trump divulgou pelo menos 120 vezes a rede para seus 88 milhões de seguidores no Twitter.

"Espero que todos estejam assistindo @OANN agora", Trump tuitou em 1º de dezembro, citando uma reportagem questionada sobre um caminhão que transportava mais de 100 mil cédulas eleitorais falsas. "Outros meios de comunicação têm medo de mostrar."

Os documentos judiciais estaduais e federais analisados pela Reuters detalham um relacionamento lucrativo para a OAN com a AT&T, mesmo quando as duas ocasionalmente se enfrentaram na justiça.

Os registros incluem uma oferta relatada pela AT&T para adquirir uma participação acionária de 5% na OAN e na AWE, mas os dois lados assinaram um acordo diferente. Os documentos judiciais também citam uma promessa da OAN de "jogar uma luz positiva" sobre a AT&T nos noticiários.

Os registros financeiros confidenciais da OAN são extraídos em parte de depoimentos, inclusive de Herring e do contador, feitos durante uma ação trabalhista movida contra a OAN por um ex-funcionário e não relacionada à AT&T. Quando o caso foi a julgamento no ano passado, o advogado da rede disse ao júri que a AT&T estava mantendo a OAN viva.

"Se a Herring Networks, por exemplo, saísse ou não fosse renovada na DirecTV, a empresa fecharia as portas amanhã", disse o advogado da OAN, Patrick Nellies, segundo uma transcrição do tribunal.

Os pesquisadores que acompanharam a ascensão de Rush Limbaugh e da Fox News, pilares da mídia conservadora, veem semelhanças entre os fundadores da One America News e outros novos canais de direita, especialmente em seus anos de formação.

Kathleen Hall Jamieson, diretora do Centro de Políticas Públicas Annenberg da Universidade da Pensilvânia, diz que o nascimento da Fox News e da OAN têm pontos em comum: dinheiro e oportunidade. Ela observa que o falecido executivo republicano Roger Ailes foi previdente na década de 1990 ao recomendar que a Fox criasse uma rede de notícias conservadora.

"Se alguém reconhece que existe um mercado para algo e há muito dinheiro vinculado a esse mercado, você consegue um canal de notícias", diz Jamieson. "Então, esta é a AT&T fazendo o papel de Roger Ailes."

Greer, porta-voz da AT&T, chamou essa comparação de "uma afirmação ridícula", observando que outras distribuidoras também oferecem a OAN.

Ajuda da insurreição

O tumulto pós-eleitoral nos Estados Unidos, pontuado pela insurreição de 6 de janeiro no Capitólio, continua corroendo o país.

Dezenas de autoridades eleitorais em estados onde Trump perdeu e em que não há maioria definida de republicanos ou democratas receberam uma enxurrada de ameaças de morte. Uma pesquisa da Reuters em maio mostrou que um quarto dos americanos —e 53% dos republicanos— acreditam erroneamente que Trump venceu as eleições de 2020.

A OAN atende a esse público. A derrota de Trump foi a vitória da OAN, mostram dados de redes sociais.

A audiência online da OAN disparou em novembro, depois que o pilar conservador e sua concorrente, Fox News, confirmou a vitória de Joe Biden. Trump e seus seguidores atacaram a Fox. Um recorde de 767 mil pessoas instalaram o aplicativo da OAN naquele mês, nove vezes mais que em outubro, de acordo com a empresa de dados Sensor Tower. Em janeiro, os apoiadores de Trump, incluindo pelo menos um que carregava uma bandeira da OAN, invadiram o Capitólio dos EUA. Naquele mês, as instalações de aplicativos aumentaram novamente, para 517 mil.

O site da OAN recebe em média 8 milhões de visitas por mês de usuários de desktop e dispositivos móveis, com pico de 15 milhões de novembro a janeiro, segundo a empresa de dados Similarweb em análise para a Reuters. Duas em cada três pessoas em desktop retornam ao site depois de uma visita inicial, quase a mesma taxa de fidelidade que a Fox News e a Newsmax, outro canal de notícias conservador.

A audiência da One America na televisão é mais difícil de medir, em parte porque está disponível em apenas cerca de um quarto das 121 milhões de residências com televisores nos Estados Unidos, segundo estimativa. Os serviços de classificação Nielsen e Comscore, que mostram que a Fox News continua líder na TV a cabo, não divulgam números da OAN. Em um e-mail interno, um diretor de notícias da OAN disse à equipe que a semana do ataque ao Capitólio teve as "melhores [audiências] de todos os tempos" da rede, mas não apresentou estatísticas.

A OAN afirma ser a quarta maior rede de notícias, atrás de Fox, CNN e MSNBC, e à frente de CNBC, BBC e Newsmax, mas não forneceu números para comprovar isso. Cada uma dessas redes, incluindo a One America News, paga taxas à Reuters para publicar reportagens, vídeos e/ou fotos da agência de notícias.

Mesmo assim, o número de telespectadores que a OAN atinge pode ser menos importante do que o tipo de observadores que atrai e galvaniza, diz John Watson, professor de jornalismo na Universidade Americana especializado em ética e direito da mídia.

"Se você tem 12 americanos sendo alimentados com uma dieta de mentiras, esse número já é demais —e aqui são literalmente milhões", diz Watson sobre o público da OAN. "Quando você tem esse tipo de influência tóxica na mídia de massa, é um problema. Como as eleições nos Estados Unidos tendem a ser tão disputadas, alguns pontos percentuais aqui ou ali podem realmente fazer a diferença."

Pelo menos uma pessoa que se diz telespectadora habitual da OAN enviou recentemente uma nota ameaçadora a uma autoridade eleitoral. Em agosto, Sheila Garcia, do condado de Riverside, na Califórnia, enviou à secretária de Estado do Colorado, Jena Griswold, uma mensagem contundente. Biden venceu Trump no Colorado, e Garcia acusou Griswold, a principal funcionária eleitoral do estado, de traição, alertando-a de que as punições por esse crime são enforcamento e "injeção legal". "Dentro de alguns meses você terá que decidir entre os dois", escreveu Garcia.

Em entrevista, Griswold disse que considera uma mensagem como a de Garcia uma ameaça real à sua vida. Essa e dezenas de outras a levaram a buscar medidas extras de segurança, afirmou.

Garcia, 55, disse à Reuters que a OAN é sua principal fonte de notícias e que está convencida de que Biden roubou a eleição. Comparou a grande mídia dos EUA aos veículos de propaganda estatal na China e em Cuba. Sua mensagem para Griswold, disse ela, era legal. "Se você tem medo de uma velhinha em um parque de trailers na Califórnia, sinto muito por você", afirmou em entrevista.

Neil W. McCabe, ex-chefe do escritório da OAN em Washington e hoje correspondente político nacional do The Tennessee Star, rejeita a ideia de que a rede seja uma influência tóxica. Ele disse que a OAN desempenha um papel público importante e conquistou a lealdade de telespectadores que compartilham uma visão de mundo semelhante.

"Quando você dá voz aos que não têm voz, você se liga a eles", disse McCabe à Reuters. "Quem mais está fazendo essas reportagens?" Em vários casos, segundo registros, a rede transmitiu declarações e teorias comprovadamente falsas.

O YouTube suspendeu o faturamento da OAN em seu canal na plataforma no ano passado porque, entre outras coisas, a rede violou repetidamente sua política sobre a Covid-19, que proíbe conteúdo afirmando que há uma cura garantida. A OAN apregoa a hidroxicloroquina medicamento antimalárico promovido por Trump, sem evidências científicas— como cura para a Covid.

Durante os protestos do Black Lives Matter no ano passado, a OAN divulgou um relato não confirmado de que um manifestante idoso em Buffalo, estado de Nova York, que foi derrubado e gravemente ferido pela polícia, estava tentando bloquear os rádios dos policiais. Trump, citando a história da OAN, tuitou que o homem "poderia ser um provocador Antifa".

A falsa acusação viralizou. Nos dois dias após a transmissão da OAN, um terço de todas as referências online citavam a rede, como revelou uma análise compilada pelo Zignal Labs para a Reuters.

Em 6 de janeiro, depois que os apoiadores de Trump invadiram o Capitólio dos EUA, um diretor de notícias da OAN alertou a equipe por e-mail: "Por favor NÃO digam 'Apoiadores de Trump invadem o Capitólio...' Simplesmente os chamem de manifestantes... NÃO CHAMEM ISSO DE REBELIÃO!!!"

No dia seguinte, Herring sugeriu que o tumulto poderia ser uma operação de "bandeira falsa" do movimento de esquerda Antifa. "Queremos relatar tudo o que a Antifa fez ontem. Não acho que tenha sido o pessoal de Trump, mas vamos investigar", disse ele em e-mail aos produtores da OAN. O FBI (Agência Federal de Investigação) diz que não há evidências do envolvimento da Antifa no motim. Todos, exceto alguns dos cerca de 600 suspeitos acusados até agora, eram apoiadores de direita de Trump.

No dia seguinte, Herring tuitou: "Se alguém pensa que jogaremos embaixo do ônibus o melhor presidente que os EUA tiveram em meus 79 anos está enganado. Continuaremos a lhe dar cobertura honesta".

O canal passou a apoiar Trump de uma maneira incomum: a OAN permitiu que dois repórteres arrecadassem US$ 605 mil para ajudar a financiar uma auditoria "privada" da votação presidencial no Arizona, apesar das garantias das autoridades republicanas de que Biden ganhou no estado. De acordo com um executivo da OAN, eles fizeram isso com a aprovação da rede, mas em caráter privado.

Uma repórter da OAN, Christina Bobb, também trabalhou meio período para a equipe jurídica de recontagem de Trump, conforme um depoimento recente do então advogado de Trump, Rudolph Giuliani. Um executivo da OAN confirmou o acordo. Bobb, uma advogada e ex-funcionária do governo Trump, não respondeu a um pedido de comentário.

Cinco ex-produtores da OAN disseram em entrevistas que consideraram antiética a prática de repórteres arrecadarem fundos para eventos que cobrem, mas disseram que a ação da OAN não os surpreendeu.

"Se houvesse alguma história envolvendo Trump, tínhamos que nos concentrar apenas nas informações positivas, ou basicamente criar informações positivas", disse Marissa Gonzales, produtora da OAN de 2019 a 2020, quando se demitiu. "Nunca, nunca foi a verdade completa."

Desde março, a OAN vendeu horas da programação para o CEO da MyPillow, Mike Lindell, um dos principais disseminadores de falsas denúncias de que a eleição foi roubada. Lindell usou esse tempo na OAN para transmitir repetidamente seus "docufilmes" de conspiração eleitoral. O principal alvo de Lindell é a Dominion Voting Systems Inc, cujas máquinas contam votos em 28 estados americanos e usam cédulas e registros de papel para auditoria.

Em agosto, a Dominion processou a OAN por difamação. "A OAN viu uma oportunidade de negócios" e alimentou falsas conspirações sobre supostas adulterações de votos, alegou a Dominion. "A OAN ajudou a criar e cultivar uma realidade alternativa onde as coisas se invertem, onde porcos têm asas", disse o processo.

Os advogados da rede disseram em cartas à Dominion que a cobertura eleitoral é protegida pela liberdade de expressão e que os programas de Lindell incluem uma isenção de responsabilidade de que são "apenas opiniões e não se destinam a ser adotadas ou interpretadas pelo telespectador como fatos comprovados".

Outros apoiadores de Trump, incluindo Lindell e os advogados Giuliani e Sidney Powell, fizeram uma defesa semelhante da liberdade de expressão em ações judiciais relacionadas, movidas pela Dominion. Em agosto, um juiz federal disse que os casos de Lindell, Giuliani e Powell deveriam seguir para julgamento, observando que a Constituição não oferece necessariamente "imunidade geral para declarações de natureza política".

A rede costuma exibir poucos comerciais em comparação com suas concorrentes, e o ex-chefe da OAN em Washington, McCabe, disse que a escassez de publicidade é uma espécie de superpoder. A dependência de pagamentos de provedores de cabo, satélite e streaming, em vez de comerciais, protege a rede de boicotes de anunciantes enfrentados por outras redes como a Fox News e o site de notícias de direita Breitbart, na opinião dele.

"Como eles vivem basicamente das taxas de cabo e satélite, ninguém pode organizar um protesto contra a One America News", disse McCabe.

AT&T e OAN: a história original

Do início dos anos 1970 ao final dos 1990, Robert Herring pai, com os filhos Charles e Robert Jr., criaram empresas de placas de circuito altamente bem-sucedidas e lucrativas. Eles venderam um desses negócios em 1988 por cerca de US$ 52 milhões, e outros dois em 2000 por US$ 122 milhões.

Em 2004, eles criaram um canal de televisão chamada WealthTV, canal dedicado a estilos de vida luxuosos —iates, mansões e jatos particulares.

A maioria dos provedores de cabo e satélite, porém, se recusou a transmiti-lo, mesmo quando os Herring ofereceram a WealthTV com desconto, ou mesmo de graça, apenas para colocá-la no ar. "Fomos a todos os lugares que você poderia imaginar, implorando para entrar", disse Herring no ano passado em seu canal.

Em 2007 e 2008, Herring pediu ajuda à Comissão Federal de Comunicações (FCC) e aos tribunais, alegando que os grandes provedores de cabo favoreciam as redes de que eram donos ou sócios, discriminando emissoras independentes como a dele. Os provedores argumentaram que tinham o direito de transmitir os canais que acreditavam fornecer o melhor conteúdo.

A FCC concluiu que os fornecedores haviam exercido a discrição comercial apropriada, e um tribunal federal confirmou a decisão. O litígio de Herring irritou alguns provedores, disseram os advogados de duas operadoras à Reuters, tornando ainda mais difícil colocar a WealthTV no ar.

Ainda assim, os Herring dizem que desenvolveram um bom relacionamento com a AT&T, que começou a transmitir a WealthTV em 2006 por meio do U-verse, serviço de decodificador de internet que pode acessar TV ao vivo e vídeo sob demanda. Em 2012, a WealthTV havia evoluído, trazendo atualizações de notícias e boxe ao vivo. Os Herring estavam ansiosos para alavancar suas instalações de produção em San Diego para lançar uma segunda rede, um canal de boxe ou uma agência de notícias.

Em um momento crucial para a empresa, afirmaram os Herring em ações judiciais, depoimentos e declarações juramentadas, executivos não identificados da AT&T disseram que havia audiência para mais uma rede conservadora de notícias. Herring aproveitou a oportunidade.

Em seu depoimento de 2019 no processo trabalhista não relacionado à AT&T, Herring pai disse que criou a OAN por dois motivos:

"Para ganhar dinheiro, número um", disse. "Mas o número dois é que a AT&T nos disse... que queria uma rede conservadora."

O advogado que questionava Herring, Rodney Diggs, prosseguiu: "Então", disse ele, "a AT&T praticamente ditou o tipo de rede que eles queriam. Porque havia uma oportunidade, você pulou nela?"

"Sim, senhor", respondeu Herring.

Equidade, celebração, surpresa

Poucos meses após o lançamento da OAN, em julho de 2013, a AT&T propôs adquirir uma participação de 5% na Herring Networks.

Em declaração juramentada, o presidente da OAN, Charles Herring, disse que aceitou a oferta verbal em outubro de 2013. E-mails mostram que os dois lados firmaram um acordo de sigilo em dezembro e que os executivos de due diligence da AT&T visitaram os Herring em San Diego em janeiro de 2014.

Mas a proposta de participação não se materializou em um contrato assinado. Em vez disso, em abril de 2014 os dois lados assinaram um acordo mais convencional: a AT&T concordou em pagar aos Herring US$ 0,18 por assinante do U-verse por mês, durante cinco anos. A AT&T tinha 5,7 milhões de assinantes U-verse.

De repente, após anos de rejeição, os Herring estavam no jogo.

A alegria durou menos de um mês. Em maio de 2014, a AT&T anunciou que planejava adquirir o serviço de satélite DirecTV, que tinha 20 milhões de assinantes de TV na época.

Isso alarmou os Herring porque seu negócio com a AT&T se limitava ao U-verse. Se a AT&T transferisse todos os seus clientes U-verse para a DirecTV, os Herring temiam não receber nada, segundo mostram os documentos judiciais. A OAN perderia milhões de espectadores potenciais.

Para evitar isso, Charles Herring correu para Los Angeles para se encontrar com um importante executivo da AT&T.

Lobby para a AT&T

Esse executivo, de acordo com o relato juramentado de Charles Herring em um processo que os Herring moveriam mais tarde contra a AT&T, era Aaron Slator, então presidente de conteúdo e publicidade da AT&T.

Slator disse a ele que sua companhia precisava de ajuda para acalmar a preocupação da FCC e de outras autoridades de que o acordo com a DirecTV —uma consolidação de provedores— poderia dificultar a veiculação de redes independentes, disse Charles Herring.

Então, afirmou ele no depoimento, Slator propôs um novo acordo: se os Herring fizessem lobby em nome da AT&T, a transmissora exibiria a OAN e a WealthTV tanto no U-verse quanto na DirecTV. Os Herring receberiam um terço a menos por assinante, mas como a DirecTV tinha muito mais assinantes o negócio poderia valer US$ 100 milhões em cinco anos.

Os Herring começaram a trabalhar.

Charles Herring contratou um lobista em Washington e se reuniu com funcionários da FCC, mostram os registros da comissão. Ele disse que assinou um documento de apoio "escrito supostamente pela AT&T" e o enviou para a FCC. Disse ainda que participou de uma arrecadação de fundos republicana de US$ 50 mil por pessoa como parte da campanha.

Os Herring até se ofereceram para transmitir notícias positivas sobre a AT&T na OAN, disse a rede em seu processo contra a AT&T, que afirmou não poder comentar o litígio.

"O apoio de Herring à AT&T era profundo", escreveram os advogados de Herring. "Herring convidou a AT&T para utilizar os programas de notícias da OAN para lançar uma luz positiva sobre a aquisição e defendeu outras questões que afetam os negócios da AT&T."

Nos autos do tribunal, a AT&T negou ter feito tal acordo para transmitir a OAN na DirecTV se os Herring fizessem lobby pela fusão. "O apoio à fusão nunca foi uma condição ou parte de qualquer acordo de conteúdo", disse recentemente à Reuters um porta-voz da AT&T. Slator, que não trabalha mais na AT&T, não foi encontrado para comentar.

Outro ex-executivo da AT&T disse à Reuters que a empresa nunca fez ofertas ligando acordos de rede a apoio político. "Você simplesmente não mistura as duas coisas", disse ele.

De qualquer forma, disse o ex-executivo, esse lobby de um canal de notícias conservador seria implausível ou ineficaz porque teria ocorrido durante a presidência de Barack Obama, um democrata. "Os Herring não teriam influência sobre o pessoal de Obama", disse o ex-funcionário da AT&T.

A FCC aprovou o acordo AT&T-DirecTV em julho de 2015.

Os Herring dizem que a AT&T ainda se recusou a colocar a OAN e a WealthTV na DirecTV, deixando-os apenas na plataforma U-verse, que está encolhendo. Em março de 2016, os Herring processaram a AT&T, alegando que ela quebrou uma promessa verbal.

A AT&T negou qualquer irregularidade, emitindo um comunicado na época que dizia: "Este processo é simplesmente uma manobra de Herring para negociar um acordo tendencioso".

Os Herring ganharam uma decisão importante de um juiz federal antes do julgamento, entretanto, e em março de 2017, o caso foi encerrado em termos não divulgados. Um mês depois, OAN e WealthTV (agora chamada AWE) começaram a aparecer na DirecTV.

Mantendo sua rede

Em 5 de fevereiro de 2020, o Senado dos EUA, atuando como júri durante o primeiro julgamento de impeachment de Trump em Washington, o absolveu da acusação de abuso de poder por pedir ao presidente da Ucrânia que iniciasse uma investigação sobre o então candidato Biden.

Na mesma tarde, em um tribunal de San Diego, Robert Herring sentou-se perante outro júri, que ouviu depoimentos do contador da OAN no caso trabalhista.

O júri já havia decidido que a OAN tinha demitido injustamente o ex-produtor por registrar uma queixa racial. Agora, o júri estava discutindo a punição. Para ajudar a determinar uma pena apropriada, a lei permitiu que o júri ouvisse depoimentos sobre a situação financeira da OAN.

Além de testemunhar que a AT&T fornecia 90% da receita da Herring Networks, o contador disse que o valor contábil da empresa —o valor líquido de seus ativos— era de modestos US$ 16,6 milhões.

Quando Herring testemunhou, disse que o valor de mercado da OAN era muito maior. Ele confirmou uma reportagem do Wall Street Journal de 2020 de que investidores de private equity pró-Trump tentaram comprar a OAN por US$ 250 milhões. Herring disse ao tribunal que deu ao grupo alguns meses para conseguir o dinheiro, mas que ele havia arrecadado apenas US$ 35 milhões.

"De jeito nenhum eu venderia por US$ 35 milhões", afirmou Herring.

Durante quase quatro décadas, Herring trabalhou em estreita colaboração com seus filhos para construir várias empresas de sucesso, incluindo a OAN. A rede tinha um valor sentimental, disse ele.

"Não tenho certeza se quero vendê-la por valor nenhum", disse.

Colaboraram Elizabeth Culliford, Linda So, Jason Szep e Brad Heath; edição de Ronnie Greene Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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