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Confrontos entre Exército e paramilitares no Sudão crescem, e mortes vão a 97

Generais que se uniram para dar golpe de Estado no país se enfrentam na capital e em cidades pelo território

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Cartum | Reuters

Iniciados neste sábado (15), choques entre o Exército do Sudão e paramilitares que tentam derrubar o regime deixaram ao menos civis 97 mortos —incluindo três funcionários da ONU— e combatentes de ambos os lados. As informações são do Comitê Central de Médicos dos Sudão, que afirmou neste domingo (16) que cerca de metade dos óbitos se deu em províncias fora de Cartum, a capital.

A disputa é entre soldados leais ao general Abdel Fattah al-Burhan, que comanda o país desde o golpe de Estado em 2021, e a milícia liderada pelo também general Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti.

Fumaça preta se ergue sobre prédios residenciais em Cartum no segundo dia de batalhas entre generais rivais - AFP

Os dois militares haviam unido esforços para derrubar um governo civil há cerca de dois anos. Nos últimos meses, porém, vinham discordando sobre a participação do RSF (Forças de Apoio Rápido, em português), chefiado por Hemedti, nas Forças Armadas —embora o regime não rejeite a sua integração ao Exército, quer impor condições e limitar seu escopo de atuação.

As facções comandadas pelos dois generais ainda disputam a formação de um eventual governo de transição. Tensões entre as partes fizeram com que a assinatura de um acordo de passagem para a democracia endossado pela comunidade internacional fosse adiada.

Tanto os Estados Unidos como seus rivais no xadrez global, China e Rússia, pediram por um fim imediato das hostilidades, assim como organizações multilaterais como ONU e União Europeia, além do próprio papa Francisco, que em sua audiência semanal na praça São Pedro, no Vaticano, afirmou estar rezando para que "as armas fossem abaixadas e o diálogo prevalecesse".

O Sudão do Sul —que se separou do restante do Sudão em 2010— e o Egito chegaram a se oferecer para mediar uma negociação entre as partes. Já o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, Faisal bin Farhan bin Abdul, disse ter conversado por telefone com os generais do Exército e do grupo paramilitar para ouvir demandas e pedir o fim das hostilidades.

Diante da pressão internacional, o Exército do Sudão aceitou proposta feita pela ONU que estabeleceu uma pausa de três horas no conflito. A medida estava prevista para começar às 16h no horário local (11h em Brasília) e previa cessar-fogo temporário, além da criação de corredores humanitários para a retirada de civis das zonas mais críticas. Ambos os lados ameaçaram reagir caso o acordo fosse violado.

Sudaneses transportam seus pertences na capital, Cartum, em meio a batalhas entre o Exército e o grupo paramilitar RSF - AFP

O Exército sudanês afirma que não dialogará com o RSF até que ele desmobilize suas tropas. O grupo é a maior milícia do país, e conta com cerca de 100 mil integrantes segundo projeções.

Ainda neste domingo (16), habitantes afirmaram ter atravessado a madrugada ouvindo trocas de tiros e explosões de artilharia pesada. Registros veiculados pela emissora de TV Al Arabyia mostram nuvens densas de fumaça sobre distritos de Cartum. Já a rede Al Jazeera relatou que os conflitos persistiam em pontos estratégicos, como nos arredores do aeroporto de Merowe, ao norte da capital, além de ataques com caças.

A transmissão da televisão estatal sudanesa foi interrompida —os motivos do corte não estão claros. Autoridades ainda afirmaram à agência de notícias Reuters que a empresa de telecomunicações nacional bloqueou o acesso a internet por ordem das autoridades. O regime também estipulou que empresas, escolas, bancos e escritórios do governo fechassem no domingo.

Diversas pessoas afirmam ter ficado presas em áreas próximas ao palácio presidencial e a bases militares —o RSF inicialmente afirmou ter tomado a sede do governo, a residência do chefe do Exército e a estação televisiva estatal, além de aeroportos em Cartum, na cidade de Merowe, no norte, e no estado de Darfur Ocidental, incluindo sua capital, El-Fasher. O regime nega.

Entre os que ficaram sem ter onde ir estavam 250 estudantes e 25 professores, que passaram dia e noite em uma escola a menos de um quilômetro do palácio presidencial. Cerca de 50 estudantes continuavam no local na manhã do domingo, e uma criança pequena teve seu peito atingido por uma bala no pátio do colégio, mas sobreviveu.

Três funcionários do Programa Mundial de Alimentos, da ONU, não tiveram a mesma sorte, e morreram durante conflitos em Kabkabiya, em Darfur Norte, enquanto trabalhavam no sábado.

Volker Perthes, representante especial da organização no Sudão, afirmou em comunicado estar "extremamente chocado com os relatos de projéteis atingindo escritórios da ONU e outras organizações humanitárias, além de relatos de saques em vários desses mesmos locais em Darfur". Mais tarde, as Nações Unidas anunciaram a suspensão do programa de alimentação no país de forma temporária.

Apesar da escalada da violência, o Conselho de Paz e Segurança da União Africana, fórum que reúne 55 países do continente, se manifestou contra qualquer interferência externa no Sudão, alegando que tal medida poderia agravar ainda mais a situação de caos.

Analistas alertam que a situação está se deteriorando rapidamente no Sudão, que pode estar à beira de uma guerra civil. Apontam também que o conflito pode agravar a crise humanitária no país africano, um dos países mais pobres do mundo.

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