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El Faro, maior jornal de El Salvador, denuncia ameaças do governo e se muda para Costa Rica

Veículo relata série de ataques, vigilância e tentativas de intimidação no país sob comando de Nayib Bukele

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São Paulo

Maior jornal de El Salvador e um dos mais importantes da América Central, El Faro anunciou nesta quinta-feira (13) que decidiu mudar toda sua estrutura administrativa e jurídica para a Costa Rica.

O veículo alega falta de condições para a permanência no país governado por Nayib Bukele, populista de direita que atua para silenciar a imprensa independente e é acusado de perseguir jornalistas.

"O desmantelamento da democracia, a falta de freios e contrapesos [...], os ataques contra a liberdade de imprensa e o fechamento de todos os mecanismos de transparência e prestação de contas ameaçam gravemente o direito dos salvadorenhos de serem informados", diz trecho da nota divulgada pelo Faro.

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, discursa a militares em San Juan Opico
O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, discursa a militares em San Juan Opico - Marvin Recinos - 23.nov.22/AFP

O jornal informou que teve a sede registrada em San José, a capital da Costa Rica, no último dia 1º. Já a Redação principal continua em El Salvador, a despeito das tentativas de intimidação feitas pelo governo Bukele. "Não deixaremos de reportar no país que historicamente está no centro da nossa cobertura."

A mudança foi o culminar de meses de ofensiva. El Faro afirma que tem sido alvo de campanhas difamatórias lançadas pelo presidente, de ameaças que incluem vigilância e tentativas de invasão com spywares, arquivos espiões instalados em computadores ou celulares sem consentimento do usuário.

"O presidente até usou a televisão e a rádio do Estado para nos acusar falsamente de lavagem de dinheiro", diz o jornal. "Estamos respondendo e apelando em múltiplas audiências de acusações criminais forjadas em diferentes tribunais e foros administrativos."

Há um ano, o jornal suspendeu a publicação de conteúdos em protesto contra uma lei proposta por Bukele e aprovada pelo Legislativo cujo objetivo declarado era conter a atividade criminosa de gangues, mas que, na prática, limitava a atividade jornalística. A legislação estabeleceu uma reforma penal para punir com penas de 10 a 15 anos de prisão a divulgação de mensagens de gangues na mídia.

É comum que jornalistas especializados em segurança pública usem como material fotografias e vídeos que mostram violência explícita cometida pelos grupos criminosos, além de mensagens deixadas por supostos membros das gangues em redes sociais. Sem essa possibilidade de apuração e checagem, a tendência é que o tema suma dos noticiários.

Segundo a nota divulgada pelo jornal nesta quinta, a lei faz parte de um esforço do governo para impedir que a mídia noticie as negociações secretas entre o presidente e as três principais gangues do país.

Em 2021, o Departamento do Tesouro dos EUA emitiu sanções contra dois funcionários do governo de El Salvador por supostamente negociarem com a gangue MS-13 para que apoiasse o partido do presidente, Nuevas Ideas, nas eleições legislativas daquele ano. Em troca, a gangue teria obtido do governo dinheiro e privilégios para seus líderes presos, como acesso a telefones celulares e prostitutas, segundo a acusação. Bukele afirmou que tudo era mentira e rebateu a acusação a governos anteriores.

A principal bandeira política de Bukele, que já se autodenominou o "ditador mais cool" do mundo, é o enfrentamento da criminalidade. Outrora um dos países mais violentos do mundo, El Salvador vem registrando queda da taxa de homicídios —diminuição que é acompanhada pelo aumento expressivo da população presa. Em 2018, o país tinha uma taxa de 52 homicídios a cada 100 mil habitantes. No ano passado, o índice foi de 8 em 100 mil, queda de 85%.

El Faro afirma ainda que o regime de exceção que vigora em El Salvador há mais de um ano eliminou múltiplas garantias constitucionais. Por fim, menciona retrocessos à liberdade de imprensa em outros países da região, caso de Guatemala, Honduras e Nicarágua.

Relatório do instituto sueco V-Dem, referência na análise de regimes políticos, mostra que El Salvador foi um dos países que mais sofreu retrocessos democráticos em 2022, quando caiu 13 posições e ficou em 132º em um ranking que avalia a qualidade da democracia em 179 países. O Brasil é o 58º.

Hoje, a organização considera a nação de Bukele uma autocracia eleitoral —há eleições multipartidárias, mas outros pilares democráticos estão ausentes.

Bukele está no poder desde 2019 e deve concorrer outra vez à Presidência no ano que vem, contrariando a Constituição salvadorenha, que veta a reeleição direta. "Que chance de defesa existe quando o presidente faz acusações sem provas e controla todo o aparato judicial e os Três Poderes?", questiona o Faro.

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