Fritura de chefe da OEA aumenta, e México quer que Brasil se some à pressão

Luis Almagro é acusado de violar código de ética, mas Estados-membros querem alargar escopo da investigação

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Washington e São Paulo

O processo de fritura do secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Luis Almagro, tem ganhado musculatura, e países mais críticos ao uruguaio, como o México, buscam no Brasil o apoio para forçar sua renúncia.

Chanceler do Uruguai entre 2010 e 2015, no governo de José Mujica, Almagro é secretário-geral da OEA, organização que congrega 35 países das Américas, desde 2015 e foi reeleito em 2020.

Ele é acusado de cometer arbitrariedades contra desafetos políticos e sofre pressão, sobretudo de países liderados pela esquerda, que o acusam de defender a agenda de líderes da direita predominante até há alguns anos atrás, como Donald Trump e Jair Bolsonaro.

O uruguaio Luis Almagro, secretário-geral da OEA, durante evento em Los Angeles, nos EUA
O uruguaio Luis Almagro, secretário-geral da OEA, durante evento em Los Angeles, nos EUA - Anna Moneymaker - 8.jun.22/Getty Images via AFP

Na segunda-feira (10), a fritura pode escalar com a conclusão do relatório de uma investigação independente que apura se ele violou o código de ética da OEA ao se relacionar com uma assessora.

A pressão ganhou novo capítulo na última quarta-feira (5), quando oito deputados americanos pediram ao secretário de Estado americano, Antony Blinken, apoio a outras investigações contra o uruguaio. Procurada pela Folha, a OEA afirmou que não iria se manifestar.

Críticos de Almagro reprovam pontos específicos em sua gestão. Um deles, a desmobilização em 2018 de uma missão anticorrupção em Honduras que era considerada um dos poucos órgãos de controle no país dominado pelo crime organizado. O então presidente Juan Orlando Hernández está preso nos EUA acusado de tráfico de drogas e armas.

A ação mais questionada de sua gestão é o resultado da missão de observação eleitoral na Bolívia em 2019, que apontou fraude na tentativa de Evo Morales de conquistar seu quarto mandato.

A conclusão da OEA foi considerada um dos gatilhos para a mobilização que levou à renúncia de Evo e à chegada de Jeanine Áñez ao poder, no que a Justiça boliviana considerou depois um golpe de Estado. Diversos estudos posteriores à missão eleitoral questionaram as conclusões da OEA sobre fraude naquele pleito.

Outra acusação é a de perseguição ao brasileiro Paulo Abrão, até 2020 secretário-executivo da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), um braço da OEA. Secretário Nacional de Justiça no governo Dilma Rousseff, Abrão era alvo de pressão do governo Bolsonaro por denúncias de violações de direitos humanos no país.

Após quatro anos no cargo, Abrão não teve o contrato renovado por Almagro mesmo após manifestação unânime da comissão favorável à renovação. Em 2022, uma corte administrativa da OEA decidiu que o órgão causou danos morais, pessoais e profissionais ao brasileiro por declarações feitas por Almagro e que a entidade deveria indenizá-lo.

Procurado pela Folha, Abrão diz que perdeu "um cargo internacional conquistado por concurso público por motivos reconhecidamente arbitrários e políticos". "Agradeço que congressistas americanos e governos de outros países importantes tenham essa clareza e defendam essa consistência institucional da OEA."

"Espero que o governo Lula e a sua diplomacia se posicionem claramente em favor do avanço dessa nova investigação, tanto por uma questão de dever de integridade, quanto pela dignidade de defender o respeito aos direitos integrais de um funcionário internacional brasileiro que foi perseguido e atacado pelo governo Bolsonaro."

Durante a gestão bolsonarista, Almagro também abrigou Arthur Weintraub, irmão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, em uma secretaria na instituição. Houve ainda outra demissão que críticos apontam como perseguição política: a do americano Steven Griner, alvo de fritura do governo Trump.

Tudo isso engrossou o caldo contra o atual secretário-geral, que tem mandato até 2025. A iniciativa contra Almagro é liderada sobretudo pelo México de Andrés Manuel López Obrador.

"A OEA necessita ser refundada, e isso tem de começar com a renúncia do secretário-geral", diz Efraín Guadarrama, diretor geral de Organismos Regionais na chancelaria mexicana. A demanda também é defendida por AMLO abertamente.

Guadarrama afirma que a insatisfação começou com o apoio de Almagro à autoproclamada Presidência de Juan Guaidó na Venezuela em 2019. "O México se retirou do agora extinto Grupo de Lima [países que se uniram para pressionar Nicolás Maduro] e foi isolado. Ficou claro que a posição do grupo e da OEA era completamente inviável, sem nenhum tipo de resultado ou utilidade, e hoje as negociações entre Maduro e oposição acontecem no México."

Depois, veio a missão eleitoral da OEA na Bolívia. Após renunciar, Evo se refugiou na embaixada mexicana na Bolívia e depois se exilou no México, o que abriu uma crise diplomática. "Tivemos até 500 militares ao redor da embaixada do México em La Paz com uma ameaça permanente. E o secretário-geral nunca fez nada, apesar dos nossos pedidos", alega Guadarrama.

Em março, o mexicano esteve no Brasil e se reuniu com Celso Amorim, assessor especial de Lula para política externa. Guadarrama disse à Folha que tratou do assunto e que Amorim também "não está de acordo" com a gestão de Almagro.

Procurado, o ex-chanceler disse que o encontro com o mexicano foi informal e que, durante a conversa, não apresentou nenhuma posição oficial dele ou do governo brasileiro sobre o caso.

Outros países também questionam o comando de Luis Almagro, como Bolívia e Argentina. Há queixas ainda sobre uma suposta falta de transparência de salários no gabinete do secretário-geral, endossada recentemente pela Colômbia.

A posição do Brasil, no entanto, é indefinida. Em partes porque o governo Lula 3 designou um novo embaixador para a OEA no fim de março —o diplomara Benoni Belli— que ainda não foi confirmado pelo Senado. O Itamaraty não respondeu a questionamentos da reportagem.

Uma posição importante para a sustentação política de Almagro são os EUA. Desde o início do governo de Joe Biden, porém, há insatisfações com o uruguaio, segundo interlocutores de Washington, expressadas nos bastidores sobretudo por Juan González, o responsável por Américas no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca.

O que impede críticas mais expressivas do governo do democrata seria a pressão de parlamentares como o senador Bob Menendez, democrata que preside o Comitê de Relações Exteriores do Senado e é figura mais linha-dura em relação a regimes autoritários na América Latina.

À Folha um porta-voz do Departamento de Estado americano afirmou que o país apoia a investigação em curso, mas não respondeu sobre outras apurações ou sobre o pedido dos deputados americanos.

A investigação em curso na OEA apura a relação de Almagro com uma assessora, com quem, segundo a Associated Press, ele teria realizado 34 viagens a trabalho. Mesmo críticos do uruguaio reconhecem, porém, que, por mais que as alegações tenham validade e que ele tenha rompido o código de ética da instituição, tirá-lo do cargo é tarefa difícil.

A situação tem sido comparada à da remoção de Maurício Claver-Carone da presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no ano passado. O americano ex-membro do governo Trump foi acusado de cometer uma série de arbitrariedades e acabou removido do cargo após investigação por envolvimento com uma funcionária.

Pessoas com conhecimento dos dois casos, porém, avaliam que Almagro é mais habilidoso politicamente que Claver-Carone, além de nunca ter escondido o relacionamento íntimo.

Um empecilho para o pleito dos adversários do uruguaio é que não há no regimento da OEA um roteiro para a remoção do secretário-geral por violação ao código de ética. A Carta da OEA prevê, porém, que "quando o exigir o bom funcionamento da instituição", a Assembleia-Geral pode remover o chefe do órgão com dois terços dos votos. Nesse caso, assume o adjunto.

O número 2 da OEA hoje é o belizenho Nestor Mendez. Nações caribenhas, como Belize, compõem a maioria dos 35 Estados-membros da OEA, o que poderia dar força a um pleito de Mendez de permanecer no cargo ao menos até o fim do mandato. Outra opção seria organizar uma nova eleição.

Nos bastidores, argumenta-se que o desgaste da figura de Almagro contribuiu para o alargamento da crise de legitimidade da OEA. Foi durante a gestão do uruguaio que países como Nicarágua e Venezuela, governados por regimes autoritários, abandonaram a organização, fechando, na prática, canais de diálogo.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior do texto dizia que não há roteiro para remoção do secretário-geral da OEA. Na verdade, não existe previsão para removê-lo em caso de quebra do código de ética, mas a Carta da organização prevê que dois terços da assembleia-geral podem destitui-lo em votação "pelo bom funcionamento" da instituição. O texto foi corrigido.

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