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Implosão do Titan lança sombra sobre futuro do turismo submarino

A exemplo de empreendimentos espaciais, operações no oceano profundo, como as da OceanGate, carecem de regulação

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São Paulo

A implosão do submersível Titan durante visita aos destroços deixados pelo naufrágio do Titanic, mais do que compor um enredo de tragédia sobre tragédia, lança sombra sobre o futuro do turismo de aventura em expedições submarinas de alto risco.

O problema maior nem é o risco assumido por participantes. Qualquer tirolesa sobre as florestas do Alasca exige que o participante assine um termo em que basicamente diz: "se eu morrer, tudo bem". E, às vezes, embora raro, acontece. Quantos já não se perderam escalando o Everest? O mundo continua a girar, sem grandes impactos.

Stockton Rush, CEO da OceanGate, durante um de seus primeiros mergulhos com o submersível Titan em Everett, Washington; Rush foi um dos mortos na implosão do veículo
Stockton Rush, CEO da OceanGate, durante um de seus primeiros mergulhos com o submersível Titan em Everett, Washington; Rush foi um dos mortos na implosão do veículo - McKenzie Funk

A diferença do caso do Titan e da empresa OceanGate Expeditions é que se trata de uma experiência oferecida aos ultrarricos, a preço de ouro, e que tem visibilidade enorme –principalmente quando dá errado. Nesse sentido, assemelha-se mais a outro empreendimento que vem ganhando terreno atualmente: o do turismo espacial.

Ambos dependem de veículos capazes de suportar estresses imensos, muito além do que existe no transporte convencional, operados de forma independente por empresas que não necessariamente têm a experiência e a competência técnica para preservar a segurança.

Tudo se converte em uma equação de risco e custo, que acabam balanceados de forma diferente do que um programa público em que a morte de uma tripulação é uma tragédia nacional.

Outra similaridade é a quase nula regulação que ambas as atividades têm ao redor do mundo. Isso, certamente, está prestes a mudar em razão do incidente do Titan, ao menos para a exploração submarina.

Com um acidente dessa magnitude, e todo o esforço em uma tentativa de localizar e resgatar o submersível —consumindo recursos públicos consideráveis de EUA e Canadá—, todos os atalhos perseguidos pela OceanGate na construção e operação do Titan serão escrutinados, o que provavelmente imporá regras a serem seguidas por outras empresas que queiram oferecer experiências similares.

Há também a percepção de risco. Estatisticamente, expedições submarinas privadas não têm se mostrado operações mortais. Lembrou por esses dias o cineasta James Cameron, que bancou uma viagem aos destroços do Titanic para gravar um documentário em 2001, que não há registro de acidente como o de agora em visitas a vários sítios de naufrágio no fundo do mar nos últimos anos.

A própria OceanGate oferecia o passeio, com viagens bem-sucedidas.

O problema é que as pessoas, em geral, não estimam risco por estatística, mas por impressão. E o trauma do acidente, com cinco pessoas esmagadas pela pressão do mar profundo, é brutal. A intersecção das pessoas ricas o suficiente para pagar US$ 250 mil (R$ 1,2 milhão) numa viagem dessas e ao mesmo tempo temerárias a ponto de desprezar o risco se reduz, ao menos em um momento inicial.

É um fato que a indústria do turismo espacial tem enfrentado também. Não é à toa que Jeff Bezos, dono da Amazon e da Blue Origin, tem patrocinado o voo suborbital de celebridades, como o ator William Shatner, que interpretou o capitão Kirk em "Star Trek", em seu veículo Blue Shepard. A ideia é mostrar que os ultrarricos podem confiar no sistema.

Isso não impediu que o Blue Shepard tivesse um problema em um lançamento (não tripulado) em setembro do ano passado, com a ejeção de emergência da cápsula e a perda do foguete. Os voos foram interrompidos, e a empresa espera retomá-los no segundo semestre deste ano –com mais segurança.

Chegará o dia, contudo, em que o nascente turismo espacial também enfrentará seu "momento Titan", com perda de vidas. É uma inevitabilidade, como também ocorre até hoje na consolidada aviação civil –que, a essa altura, mantém-se como indústria confiável graças às estritas regulações impostas a ela.

Por ora, submersíveis e foguetes vivem a era da baixa frequência de uso e dos grandes riscos. Ou melhor, viviam. O Titan foi a primeira e dura lição, que cobra seu preço em imagem pública, aumento da supervisão governamental e confiabilidade dos empreendimentos. Virão outras.

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