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Guatemala chega a 2º turno assombrada por tentativas de interferência da Justiça

País escolhe entre filho de primeiro líder escolhido em eleições livres e ex-primeira-dama que acena ao conservadorismo

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São Paulo

Após um primeiro turno marcado pela suspensão judicial de quatro candidaturas, milhões de eleitores voltam às urnas neste domingo (20) para escolher o novo presidente da Guatemala. Trata-se de um feito, dadas as tentativas de tirar da disputa Bernardo Arévalo, adversário da ex-primeira-dama Sandra Torres.

De acordo com pesquisa da consultora CID Gallup em parceria com a Fundação Liberdade e Desenvolvimento, com base em 1.819 entrevistas realizadas entre 4 e 13 de agosto, Arévalo é o favorito, com 61% das intenções de voto, contra 39% de Torres —a margem de erro é de 2,3 pontos percentuais.

Vendedoras ambulantes ao lado de cartaz da candidata Sandra Torres, na Cidade da Guatemala
Vendedoras ambulantes ao lado de cartaz da candidata Sandra Torres, na Cidade da Guatemala - Luis Acosta - 18.ago.23/AFP

O fosso entre os candidatos se repete em outras sondagens, mas deve ser analisado com cautela —no primeiro turno, as projeções não anteciparam os resultados. Em junho, Arévalo aparecia com cerca de 3% das intenções de voto, escondido entre os 22 candidatos à Presidência que participaram da votação.

A surpreendente conquista de uma vaga no segundo turno foi seguida de uma onda de investidas judiciais contra o Movimento Semilla, partido pelo qual Arévalo concorre. Menos de uma semana após a primeira votação, a Suprema Corte do país acatou um pedido de suspensão dos resultados eleitorais.

Esse e outros processos foram revertidos, mas o Tribunal Supremo Eleitoral da Guatemala ainda é investigado pelo Ministério Público em ao menos 13 casos, segundo a presidente da corte, Irma Palencia.

O clima de perseguição não é novo no país. O cenário remonta ao fim da Cicig (Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala), órgão apoiado pelas Nações Unidas e que foi dissolvido em 2019 depois de revelar diversos casos de corrupção envolvendo figurões da política local. Desde então, dezenas de promotores e juízes que atuaram na comissão foram presos ou se exilaram.

Para a estudante de comunicação Samantha Castro, 23, a esperança para sair dessa situação está na candidatura de Arévalo. "As instituições estão totalmente cooptadas. Claro que não é só uma pessoa que está contra a democracia, mas o que sentimos é que agora há uma oportunidade de mudança."

Ela integra o Landivarianos, movimento estudantil da Universidade Rafael Landívar. O grupo surgiu em meio aos protestos de 2015, que derrubaram o então presidente Otto Pérez Molina, investigado pela Cicig, e representa o eleitorado urbano do Movimento Semilla, a própria sigla um fruto das manifestações.

"É um sonho intergeracional", diz Castro, em referência à história familiar do candidato. Bernardo é filho de Juan José Arévalo, primeiro presidente eleito num pleito transparente na Guatemala, em 1944, que deu início a um período conhecido como "primavera democrática". Em 1954, essa era foi interrompida por um golpe apoiado pela multinacional americana United Fruit que derrubou Jacobo Arbenz Guzmán.

Para muitos analistas, Torres representa a continuidade do governo do atual presidente, o direitista Alejandro Giammattei —algo inusitado, considerando que a candidata concorre pela UNE (Unidade Nacional da Esperança), partido outrora social-democrata que integra a Internacional Socialista.

A sigla, porém, sofreu uma transformação em 2019. Naquele ano, perdeu uma parte de sua ala mais à esquerda, que decidiu apoiar Manuel Villacorta à Presidência, e precisou se reinventar. "Torres dobrou essa aposta como tática para se diferenciar de Arévalo e obter apoio conservador", afirma Will Freeman, doutor em ciência política pela Universidade Princeton e especialista em política latino-americana.

O engenheiro Luis Pedro Martínez, 27, diz que votará em Torres por exclusão, já que a candidata está mais próxima da direita do que seu rival. "Muitos dos integrantes do partido dela têm negócios e empresas. Portanto, têm mais capacidade de entender como é o setor privado na Guatemala", afirma. Para ele, as posições sobre economia do Semilla, por outro lado, são "completamente nefastas".

Quanto às supostas credenciais anticorrupção de Arévalo, Martínez diz que o candidato tem pouco a mostrar. "Ninguém tem o que dizer sobre ele, já que ainda não teve presença em nenhum lado. Até agora, são só palavras", diz. Torres, por sua vez, lhe parece mais habilidosa para formar alianças e governar.

Na terça (15), por exemplo, a candidata assinou um acordo com a Associação de Veteranos Militares da Guatemala, formada por agentes que atuaram na guerra civil do país, nos anos 1960. No dia seguinte, ao encerrar sua campanha, afirmou que respeitaria a vida "desde a sua concepção" e protegeria as famílias "como Deus manda e como pede a Constituição".

A disposição para fazer tais alianças e acenos indica que a política enfrentaria menos dificuldades do que Arévalo após uma eventual vitória —ainda que a UNE tenha perdido 24 cadeiras no Congresso nas eleições, Torres provavelmente faria acordos com o atual partido majoritário, o Vamos, de Giammattei.

Já Arévalo, cujo partido ganhou 16 assentos e passou a ser a terceira força do Legislativo, pode encarar mais desafios. Até agora, o Semilla se aliou apenas a pequenos partidos de esquerda, embora tenha, por exemplo, se reunido com representantes do Cacif, poderosa câmara da indústria do país.

Ao jornal El Faro, um dos mais importantes da região, o candidato mencionou "grandes consensos sociais" para apoiar mudanças e não descartou reações a uma eventual vitória. "Não tenho dúvidas de que [...] se vencermos haverá tentativas de impedir que isso aconteça. E virão de diferentes setores."

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