Premiê do Haiti pede missão externa e diz que povo vive em condições subumanas

Ariel Henry, criticado pela população, reforça pedido para que Conselho de Segurança da ONU aprove envio de ajuda

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São Paulo

Como esperado, o impopular premiê do Haiti, Ariel Henry —mais alta autoridade do país hoje— usou seu discurso na Assembleia-Geral da ONU para pedir que o Conselho de Segurança aprove uma missão multinacional de ajuda à polícia local.

Espera-se que o tema entre em votação no órgão, que o Brasil compõe como membro rotativo, até o final da próxima semana. Vários líderes globais, entre eles o americano Joe Biden, já haviam usado o púlpito da ONU em Nova York para fazer coro ao pedido do líder haitiano.

O premiê do Haiti, Ariel Henry, discursa na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York
O premiê do Haiti, Ariel Henry, discursa na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York - Leonardo Munoz/AFP

"A população haitiana está enfrentando condições subumanas. A crise é estrutural e dura anos, mas a situação de segurança se deteriorou, e isso atrasa o progresso", disse Henry nesta sexta-feira (22). "Não estamos aqui para justificar o passado, mas para pedir aos países amigos que entendam que há de ser feito algo urgente para nos ajudar a criar um futuro melhor para as crianças haitianas."

Ele citou o que chamou de "uma lista sem fim" de crimes cometidos pelas gangues urbanas que controlam 80% da capital, Porto Príncipe. "Eles assassinam, ateiam fogo, bloqueiam as ruas, fecham escolas e hospitais, sequestram, praticam violência sexual, tráfico de órgãos e de pessoas, execuções extrajudiciais. Abusam com particular crueldade."

O poder desses grupos escalou após o assassinado do presidente Jovenel Moïse a tiros, em sua casa, em 2021, que criou um vácuo de poder na ilha caribenha. Henry, que havia sido escolhido por Moïse para ser primeiro-ministro pouco antes da morte do líder, assumiu então a chefia do país, que hoje não conta com nenhum representante político eleito.

Ele vem há meses pedindo ajuda externa, e a proposta finalmente foi esboçada pelos Estados Unidos para ser apresentada ao Conselho de Segurança. Nos poucos detalhes que se sabem até aqui, a missão seria liderada pelo Quênia, que se dispôs a enviar mil policiais.

Diferentemente da Minustah, uma missão de estabilização da ONU que esteve no país de 2004 a 2017 e contou com protagonismo de militares do Brasil, o modelo que agora se encaminha para votação teria como objetivo apoiar e treinar a Polícia Nacional Haitiana.

Já se sabe, porém, que os desafios vão além da atuação das forças de segurança. Hoje, por exemplo, o país praticamente não tem capacidade de expandir seu sistema prisional. Até junho passado, quase 12 mil pessoas estavam em prisões haitianas, sendo que 85% delas ainda não haviam ido a julgamento. O índice de superlotação carcerária é de 331%, segundo a ONU.

Além disso, o envio da missão multinacional não é consenso no país, com grupos de oposição afirmando temer o risco de violações de direitos humanos e as gangues locais alegando que expulsarão forças externas caso haja "abusos" contra os locais.

O apoio a ela também cresce. Principal jornal haitiano, o Le Nouvelliste publicou editorial na terça (19) em que defende uma "assistência urgente na área de segurança". "É cada vez mais urgente ir em socorro da população e da polícia, que correm riscos, estão exaustos, sem fôlego", diz o texto. "É hora de dizer a todos que devemos passar das palavras às ações", segue, referindo-se à comunidade internacional.

Às margens da Assembleia-Geral em Nova York, Ariel Henry teve encontros com vários líderes, como o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o secretário de Estado americano, Antony Blinken. Os EUA prometeram mais US$ 65 mil (R$ 321 mil) em ajuda à polícia haitiana. O valor equivale a menos de um décimo do último montante destinado por Washington em ajuda a Kiev na guerra contra a Rússia.

Blinken também afirmou que os EUA vão proibir a entrada no país de cinco ex-membros do governo haitiano suspeitos de envolvimento com as gangues, por meio de apoio financeiro e fornecimento de armas e de drogas.

"Estamos prontos para a mudança que buscamos por mais de 200 anos", disse o premiê nesta sexta-feira, em referência à independência do Haiti, conquistada em 1804. "A liberdade pode finalmente ser alcançada, se permitirmos que todos vivam em condições dignas."

Durante uma reunião de alto nível sobre o Haiti também nesta sexta em Nova York, Washington propôs levar o projeto de missão externa à votação no Conselho de Segurança até o próximo dia 29. O Brasil se mostra favorável a apoiar o envio das forças, ainda que já tenha cravado que não vai assumir qualquer protagonismo na missão.

O conflito no conselho fica por parte de Rússia e China, que vêm criticando a remessa de reforços ao Haiti, ainda que no modelo de ajuda à polícia local. Por serem membros permanentes, eles poderiam vetar uma eventual resolução a favor. Essa possibilidade é, porém, vista como remota dados os laços dessas nações com as da América Latina e do Caribe, diretamente afetadas pela crise que se desenrola na ilha caribenha e, portanto, favoráveis a algum modelo para mitigá-la.

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