Putin ameaça retomar testes com armas nucleares

Russo diz que novo míssil está pronto para produção e nega uso de armas atômicas na Ucrânia

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São Paulo

O presidente russo, Vladimir Putin, voltou a sacar a carta nuclear em sua disputa com o Ocidente em torno da Guerra da Ucrânia, ameaçando retomar testes de ogivas atômicas a serem empregadas em seus novos mísseis estratégicos.

Em seu discurso anual na 20ª reunião do Clube Internacional de Discussão Valdai, entidade ligada ao Kremlin, nesta quinta-feira (5), Putin afirmou que a Rússia poderia voltar atrás na ratificação do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares.

Putin durante a reunião do Clube Valdai em Sochi, balneário russo no mar Negro
Putin durante a reunião do Clube Valdai em Sochi, balneário russo no mar Negro - Grigori Sisoiev/Pool/AFP

"A Rússia assinou e ratificou o tratado, mas os Estados Unidos só assinaram. Os cientistas dizem que novas armas precisam ter suas ogivas testadas. Eu não sei dizer agora se os testes são necessários, mas diria que podemos dar um passo atrás na ratificação", afirmou.

O presidente ainda disse que "isso é com os parlamentares", o que não significa muita coisa, dado que o Legislativo russo é totalmente alinhado ao Kremlin.

As declarações se deram em resposta a uma questão de um cientista político sobre o tema, que voltou à baila nesta semana após a influente diretora da rede de TV estatal RT, Margarita Simonian, ter defendido explodir uma bomba atômica em um local desabitado da Sibéria para alertar o Ocidente acerca dos riscos de seu apoio continuado a Kiev.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, negou tal intenção, mas Putin recolocou a bola em campo. Afirmou também que os testes com o míssil de cruzeiro de propulsão nuclear Burevestnik foram completados, como analistas suspeitavam, e que ele está pronto para produção.

"Faltam apenas detalhes legais e burocráticos", disse o russo, afirmando assim ter encerrado o ciclo de desenvolvimento das seis "armas invencíveis" que havia anunciado ao mundo em 2018, para grande ceticismo de observadores militares.

Aquela de produção mais conturbada, o Burevestnik, é descrita como um míssil que voa com autonomia indefinida, como um drone nuclear esperando para atingir seu alvo. Os mísseis hipersônicos Tsirkon e Kinjal já estão em operação, assim como o modelo balístico intercontinental pesado Sarmat. Completam a lista o torpedo nuclear Poseidon e uma arma a laser nunca detalhada.

O Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares foi elaborado em 1996, mas 8 dos 44 Estados que participaram de sua negociação jamais o ratificaram, incluindo os EUA —como a etapa era necessária para que ele passasse a valer, ele não chegou a entrar em vigor. Acordo anterior, de 1963 e ratificado pelas potências, vetava todos os ensaios exceto os subterrâneos.

Moscou e Washington detêm 90% das cerca de 12,5 mil ogivas nucleares no mundo, herança da corrida armamentista da Guerra Fria, encerrada em 1991 com o fim da União Soviética. No começo deste ano, Putin suspendeu a participação russa no último tratado de controle de armas estratégicas, aquelas mais poderosas que visam aniquilar cidades e encerrar guerras.

Foi uma lembrança aos seus rivais no Ocidente de que a Rússia, que eles combatem indiretamente na Ucrânia ao fornecer armas, treinamento e inteligência para Kiev, é uma potência nuclear. Isso tem levado ao ritmo compassado de entregas: tanques pesados só foram dados aos ucranianos após mais de um ano de guerra, e caças ocidentais seguem sendo uma promessa.

A ameaça de Putin ocorre no mesmo dia em que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, se encontrou com líderes da Comunidade Política Europeia, grupo que reúne os apoiadores de Kiev na guerra, em Granada (Espanha).

Assoprando após morder, contudo, o presidente russo voltou a dizer que não pretende mudar sua doutrina nuclear, que prevê o emprego da bomba apenas em caso de ataques análogos ou de risco existencial ao Estado. Assim, "não faz sentido" falar no emprego de bombas táticas, de uso limitado, na Ucrânia, prosseguiu. Ele já havia dito isso na reunião do Clube Valdai no ano passado, perto de Moscou.

Putin usou seu discurso e a sessão de perguntas posterior para reafirmar suas posições acerca do conflito com o Ocidente, que ele remeteu ao tratamento "arrogante" dispensado à Rússia após o ocaso soviético. "Eu até sugeri entrar na Otan [aliança militar ocidental], mas eles não quiseram nada conosco", afirmou, fazendo referência a uma entrevista à rede BBC que deu em 2000.

"Nós não provocamos a dita guerra na Ucrânia, e sim estamos querendo acabar com ela", disse, acusando o Ocidente de apoiar o "golpe inconstitucional" que derrubou o governo pró-Moscou em Kiev em 2014, uma das sementes do conflito atual. "Não é um conflito territorial, não queremos territórios. É sobre o princípio de uma nova era mundial", disse Putin, que anexou a Crimeia como primeira reação aos eventos de nove anos atrás.

Comentando a saudação a um veterano nazista durante visita de Zelenski ao Parlamento do Canadá, há duas semanas, afirmou que o episódio foi "nojento" e voltou a dizer que pretende "desnazificar a Ucrânia". Afirmou que sempre foi contra a entrada da Ucrânia na Otan, mas nunca na União Europeia.

Queixou-se de Kiev, afirmando que os vizinhos seguem recebendo dinheiro russo para o trânsito de gás natural por dutos que ligam a Rússia ao Leste Europeu. "Eles nos chamam de bandidos, mas sabe como é, dinheiro não tem cheiro", afirmou.

No mais, Putin voltou a dizer que apoia uma expansão do Conselho de Segurança da ONU, citando os parceiros do grupo Brics, Brasil, África do Sul e Índia, como candidatos naturais, em um processo "bem negociado". Repetiu também o tema de um multilateralismo que respeite diferenças civilizacionais, e afirmou que sua aliança com a China na Guerra Fria 2.0 "não é contra ninguém".

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