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Gangues querem anistia e tentam ser força política legítima no Haiti

Grupos criminosos se aliaram para forçar saída de premiê após aprovação de nova missão estrangeira no país

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Maria Abi-Habib Natalie Kitroeff Frances Robles
The New York Times

Mesmo quando as gangues aterrorizavam o Haiti, sequestravam civis em massa e matavam à vontade, o primeiro-ministro do país, em apuros, manteve-se no poder por anos. Então, em questão de dias, tudo mudou.

Em meio a uma agitação política nunca vista desde que o presidente Jovenel Moïse foi assassinado em 2021, o primeiro-ministro do Haiti, Ariel Henry, concordou em renunciar. Agora, os países vizinhos estão se esforçando para criar um conselho de transição para administrar o país e traçar um caminho para as eleições, que antes pareciam uma possibilidade distante.

O que tornou esse momento diferente, segundo os especialistas: as gangues se uniram.

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Guy Philippe, um dos líderes mais temidos do Haiti, ouve os moradores lhe pedindo ajuda durante uma distribuição de alimentos em sua cidade natal, Pestel - Meridith Kohut - 16.out.24/The New York Times

"O primeiro-ministro renunciou não por causa da política, não por causa das enormes manifestações de rua contra ele ao longo dos anos, mas por causa da violência praticada pelas gangues", disse Judes Jonathas, um consultor haitiano que trabalhou durante anos com entrega de ajuda humanitária. "A situação mudou totalmente agora, porque as gangues estão trabalhando juntas."

Não está claro o quão forte é a aliança ou se ela durará. O que é evidente é que as gangues estão tentando capitalizar seu controle de Porto Príncipe, a capital, para se tornarem uma força política legítima nas negociações que estão sendo intermediadas por governos estrangeiros, incluindo os Estados Unidos, a França e os países do Caribe.

No início de março, Henry viajou para Nairóbi para finalizar um acordo para que forças de segurança lideradas pelo Quênia fossem enviadas ao Haiti. Grupos criminosos aproveitaram a ausência de Henry, altamente impopular. Em poucos dias, as gangues fecharam o aeroporto, saquearam portos, atacaram uma dezena de delegacias de polícia e libertaram mais de 4.000 detentos.

Elas exigiram que Henry renunciasse, ameaçando piorar a violência caso ele recusasse. Desde que ele concordou em renunciar, as gangues parecem estar concentradas em garantir imunidade contra processos criminais e ficar fora da prisão, disseram os analistas. "Seu maior objetivo é a anistia", disse Jonathas.

O aliado político mais proeminente dos criminosos é Guy Philippe, ex-comandante da polícia e líder golpista que cumpriu seis anos de prisão nos EUA por lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas antes de ser deportado ao Haiti no final do ano passado. Ele liderou a pressão para que Henry renunciasse. Agora Philippe está pedindo abertamente que as gangues sejam anistiadas.

"Temos que dizer a eles: 'Vocês vão largar as armas ou sofrerão grandes consequências'", disse Philippe ao The New York Times em uma entrevista em janeiro, referindo-se às gangues. "Se vocês largarem as armas terão uma segunda chance. Terão algum tipo de anistia."

Philippe não tem assento no conselho de transição nomeado para liderar o Haiti. Mas ele está usando suas conexões com o partido político Pitit Desalin para levar essas exigências à mesa de negociações na Jamaica, onde autoridades caribenhas e internacionais estão se reunindo para forjar uma solução para a crise no Haiti, segundo três pessoas familiarizadas com as discussões.

A decisão dos líderes das gangues de se unirem foi provavelmente motivada pelo desejo de consolidar o poder depois que Henry assinou o acordo com o Quênia para levar mil policiais a Porto Príncipe, disse William O'Neill, especialista da ONU em direitos humanos no Haiti.

Muitos membros de gangues no Haiti são adolescentes que querem ganhar dinheiro, mas que provavelmente têm pouco interesse em entrar em guerra com uma força policial bem armada, diz ele. As gangues respeitam "o medo e a força. Elas temem uma força mais potente do que elas", disse O'Neill.

Embora muitos duvidem que a missão liderada pelo Quênia traga estabilidade duradoura, sua chegada representaria o maior desafio ao controle territorial das gangues em anos.

"As gangues têm ouvido falar dessa força liderada pelo Quênia há anos", disse Louis-Henri Mars, diretor executivo da Lakou Lapè, uma organização que trabalha com gangues haitianas. "Elas viram que essa força finalmente estava chegando e lançaram um ataque preventivo."

A violência desencadeada pelas gangues fechou grande parte da capital e impediu que Henry pudesse retornar ao seu país.

Esse foi o ponto de inflexão: os Estados Unidos e os líderes do Caribe consideraram a situação do Haiti "insustentável". As autoridades americanas concluíram que Henry não era mais um parceiro viável e intensificaram seus apelos para que ele avançasse rapidamente em direção a uma transição de poder, segundo autoridades envolvidas nas negociações políticas.

Desde então, os líderes de gangues têm falado com jornalistas e realizado entrevistas coletivas, prometendo paz e exigindo um lugar à mesa.

Jimmy Chérizier, poderoso líder de gangue também conhecido como Barbecue, tornou-se um dos rostos mais conhecidos da nova aliança de gangues.

Ex-policial conhecido por sua crueldade, a gangue de Chérizier, a G9, comanda o centro de Porto Príncipe e foi acusada de atacar bairros aliados a partidos políticos de oposição, saquear casas, estuprar mulheres e matar pessoas aleatoriamente.

No entanto, em suas entrevistas coletivas, Chérizier pediu desculpas pela violência e culpou os sistemas econômicos e políticos do Haiti pela miséria e desigualdade do país. Philippe fez eco a esse pensamento. "Essas moças e esses rapazes não têm outra oportunidade —é morrer de fome ou pegar em armas", disse ele ao New York Times. "Eles escolheram pegar em armas."

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